sábado, 1 de novembro de 2008

"De novo de Tocqueville"


Entendamo-nos: eu não sou... "detocquevillista" nem coisa parecida!

É preciso dizer que ser... "detocquevillista" é hoje em dia, entre nós, sobretudo, numa impressionante maioria de casos, um expediente fácil para não se ser, na realidade, coisa alguma.

Para não se assumirem posições claras e frontais, determinadas e corajosas, não-raro extremamente impopulares em aspectos mais 'delicados' da realidade histórica e política junto das massas "ideologicamente púdicas" (devido, sobretudo, à crónica, generalizada ignorância quie as caracteriza e à falta de autonomia intelectual que daquela decorre).

Não que o próprio de Tocqueville (como recordava, por exemplo, ainda muito recentemente M. Filomena Mónica) seja um autor menor ou despiciendo.

Pelo contrário!

Os "usos" que do seu nome fazem uma multidão extremamente variada de falsíssimos democratas (ou "democratas instrumentais" dispostos a longo de um vasto arco, supostamente ideológico, que vai do "pê-pê-dê" ao "pê-ésse") é que fazem com que o seu nome possa soar desagradavelmente a falso junto daqueles que, como eu, não têm medo das palavras (seguramente não o têm de palavras como "revolução" ou "socialismo"---não o escalracho horrível que os chamados "socialistas" portugueses, de Mário Soares a José Sócrates popularizaram sob essa nobilíssima designação!...); "usos" que, dizia, despertam, pois, o compreensível e instintivo desprezo intelectual e cívico daqueles, dizia, para quem o termo "democracia" surge, no contexto dinâmico, dialéctico, das respectivas cogitações sempre autonomamente pessoais, como um conceito absolutamente independente (independente, desde logo, do papel lamentavelmente espúrio e menor de "justificar" simbolicamente o capitalismo, que lhe é atribuído por muitos...), um conceito desimpedidamente virado, pois, para a mudança da História sempre que é a mudança que o bem-estar das sociedades e dos povos exige.

Há logo, na Introdução ao estimulante texto que é "A Democracia na América" uma frase que diz:


"Não tardei a constatar que esta igualdade de condição estende a sua influência muito para além dos costumes políticos e das leis, exercendo uma forte pressão tanto sobre a sociedade civil como sobre o governo: dá origem a correntes de opinião, a sentimentos novos, modifica os costumes e até tudo o que não está directamente relacionado com ela". (Alexis de Tocqueville, "A Democracia na América", trad. port. de Franco de Sousa, ed. port. Editorial Estúdios Cor, Lisboa 1972).


Ora, isto, o que a frase citada contém como pressuposto genérico de uma reflexão minimamente estável e consistente sobre "democracia", é, ainda hoje, em países como Portugal para quem a "igualdade de condição" como dado objectivo é ainda, em larguíssima medida, uma total novidade (e mais do que uma novidade, um elemento na realidade insólito, subitamente constante da realidade, objectiva mas também subjectiva, circundante).

O grande problema para quem entre nós deseja com autêntica sinceridade a Democracia é ainda, tal como o foi para uma sociedade habituada a pensar em termos de desigualdade (ou seja, condicionada para ver a realidade em todas as formas como se apresenta à reflexão e em geral à consideração de cada sujeitro e de cada grupo por eles composto) como algo de intrinsecamente assimétrico e descentral); o grande problema para os verdadeiros democratas hoje-por-joje é ainda e sempre, dizia, esse de compaginar não apenas ogânica: também harmonicamente massas e um sistema político em que a igualdade ao menos genérica e teórica tenha já passado consistentemente a ser um pressuposto básico (mas não primário!...) de si: um verdadeiro elemento tessitário indissociável do próprio sistema enquanto tal.

Não tenho dúvidas: após as sucessivas décadas de medievalismo retardado e algumas outras de despotismo estrategicamente "maquilhado" (ou por fases caracterizadas pela aspiração febril do regresso disfarçado a este último: o tão escandaloso quanto recorrente "pedido" feito aos eleitorados por sucessivos demagogos menores no sentido de que eles caucionem o atravessamento por prte da "democracia" de períodos "estratégicos" de cíclica, "democrática", auto/suspensão---as maiorias 'absolutas' que dão a quem exerce o poder o... poder para "contornar" habilmente, sem sair formalmenmte da própria "democracia"...); após, dizia, sucessivas décadas de nenhuma ou má democracia, as massas entre nós acham-se, hoje, na mesma (boquiaberta, perplexa, tentativa) condição de quem sonda, às apalpadelas um mundo que lhe é por inteiro estranho: o fascinante mas dificílimo mundo da igualdade.

É neste sentido e por estas razões que eu valorizo hoje, sempre objectiva e sempre autonomamente, a leitura e a consideração da obra e das reflexões do autor d' "A Democracia na América": não para ter um alibi "contra" quem quer que seja---de Marx a Lenine, passando (sei lá!) por Althuser, Balibar ou até Lucács e Gramsci.

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