domingo, 23 de novembro de 2008

"Os Seis Dias da Democracia" (ou será "Da Ditadura? Já não me lembro...")


O que está "a dar" nestes últimos dias, é juntar críticas e mais críticas; censuras e mais censuras à "indignada, crítica censura" entretanto já surgida às "epustuflantes" declarações das Dra. D. Ferreira sobre os "seis dias da ditadura" (acho que era a seis dias---mas talvez fosse a seis meses ou até a seis anos: para o caso tanto faz...---que ela se referia quando dizia que só se se suspendesse por esse tempo a "democracia" é que "não sei quê mais o governo et al".
Bom, francamente, tão indiferente (senão mesmo---especialmente no caso do governo---tão alheio e até tão hostil!) me é o próprio governo como a Sra. D. Ferreira mais os seus "mots d'esprit" característicamente retorcidos e pardos de graça.
O que eu quero a propósito sublinhar é a (gritante!) imensa hipocrisia da maioria das "críticas" citadas.

Que diabo!
Que disse afinal a senhora?
Melhor: a que "democrático" fenómeno aludiu ela implicitamente nas suas recentes declarações?
Ao facto de que a "democracia" precisa afinal de ser estrategicamente mandada... "descansar" de forma mais ou menos periódica a fim de permanecer "operativa" e, no fundo, real (ou virtualmente?...) possível?
Que, para os muitos postuladores das famigeradas "maiorias absolutas" como pressuposto "essencial" de "reforma" ou reformação política é disso mesmo que se trata i.e. de suspender camufladamente o que há-de de mais estruturalmente democrático na democracia (tendo o cuidado de fingir que se trata de reforçá-la, "reformando-a"...).
Que, para esses, a "democracia" (a tal "democracia funcional" nunca confessada---porque nunca confessável!---que está de facto presente, de forma implícita, nas suas invariavelmente farfalhudas teóricas lucubrações) é óptima para gerir tempos em que as populações estão objectivamente controladas e portanto tranquilizadoramente conformes com o status quo mas que deixa imediatamente de sê-lo mal as "crises" explodem e a "democracia" precisa de "muscular-se" para se "defender"?
Para se "defender", seja em casos-limite como foi, por exemplo, o da Espanha contra a ETA, luta em que no tempo de González e dos GRAPO se atingiu o impensável; o da Inglaterra durante as intermináveis e não menos (pelo contrário!) sangrentas "perturbações" irlandesas (o que jornais "normalíssimos" como o "New Statesman" disseram, nessa altura, dos métodos da polícia e do exército ingleses na sua luta contra o I.R.A. é verdadeiramente de bradar aos céus em matéria de cavilosa selvajaria e da mais sangrenta brutalidade!) seja muito mais recentemente nesses inimaginavelmente histéricos, neo-maccarthyistas Estados Unidos "bushmen" onde a barbárie se tornou im/pura e simplesmente política-de-estado, dentro e fora do país.
Mas não só nesses "casos-limite", de facto.
O dispositivo constitucionalmente "pacífico" das maiorias absolutas nada mais é, de facto (e, pior ainda, de direito!) do que a posibilidade de, sem admiti-lo expressamente (que é como quem diz: sem confessá-lo!) introduzir "estrategicamente" ciclos de cinco ou mais anos de suspensão ou hiato democrático puros num sistema normalmente democrático que precisa, porém, segundo esses e a fim de seguir desepenhando "normalmente" as deformadas e disfuncionais funções que a economocracia global prevalecente reserva ao respectivo "revestimento politiforme" de recorrer ao seu próprio "contrário absoluto", estrategicamente instalado no próprio centro da maquinaria institucional democrática a fim de conseguir (através da eliminação cíclica do pressuposto democrático nuclear da persuasão em lugar da imposição) manter um certo regime económico, social e político, com uma certa forma fixa e imutável solidamente preso à História e livre da (im) possibilidade de transformar-se.
Aí, não são seis dias ou seis meses ou seis anos: são cinco de cada vez: foram mais de dez durante a tenebrosa noite cavaquista e já vai em quase cinco agora que vigora esse não menos sinistro "entardecer socrático".

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O que a Sra. Dra. Ferreira fez de diferente foi falar: falando, quebrou (sem querer, suponho) o encantamento da coisa...

[Ilustrações: topo, "Shipwreck" de Bruce Combs.
Rodapé: "O Grande Socratizador" (título meu) imagem (impagável!) extraida com vénia de wehavekaosinthegarden]

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