domingo, 2 de novembro de 2008

"O Cidadão que Gosta de Chatear"


Poucas coisas existirão tão incómodas e impertinentes quanto um tonto que persiste teimosamente em imaginar que são espírito as tontices que produz.

A imprensa diária (a "indústria da opinião") tem vários destes fulanos "engraçadinhos de carreira" que se dedicam ao exdrúxulo tráfico de boçalidade (ao contrabando da graçola alvar) invariavelmente dissimulada ("commerce oblige"...) em embalagem de "luxo mediático" (horário nobre nas televisões, páginas igualmente nobres nos jornais etc. etc.)

Vou dar conta de um "caso": no "Diário de Notícias" de 02.11.08, um gracioso profissional (que já dera, aliás, nas vistas ao perorar, de um modo que me abstenho de qualificar, noutra infelicíssima mediática ocasião, sobre o cantor e poeta chileno Victor Jara, barbaramente assassinado pelo regime do ditador Pinochet) vem, agora, a pretexto de umas quantas lucubrações pessoais sobre o "part time" do primeiro-ministro de Portugal como vendedor ambulante de electrodomésticos, escrever sobre o presidente da república boliviana, Evo Morales, que (e cito) "a mera caridade isenta o sr. Morales de quaisquer adjectivos".

É com esta dificilmente qualificável leviandade que a criatura aborda em regra os temas com que entende massacrar a paciência dos que o lêem com lucubrações que vão da "análise política" à "crítica de cinema", passando pelo sempre fascinante assunto conhecido vulgarmente pelo... "sabe-deus-o-quê"...

É, de resto, de uma dessas "críticas" de cinema (saída na mesma edição do jornal onde se debruça com esta seriedade intelectual, este rigor crítico e esta admirável isenção sobre o presidente boliviano) que extraio esta outra citação: "O Bush de W. e do sr. Stone, fora uns pós de "complexidade" moral para deleitar pasmados, corresponde na perfeição ao tonto que os media e o público construiram. Goste-se ou não da personagem, o retrato é capaz de ser insuficiente enquanto análise histórica. É de certeza indigente enquanto cinema. Fitas políticas reclamam distância e talento... O sr. Stone carece de ambos, aliás como a maioria dos seus colegas especializados na "denúncia" (?). O que lhes sobra é bazófia e marketing prova cabal de que quem nasceu para Citizen Kane (sic) não chega a Young Mr. Lincoln".

Dou de barato as opiniões da criatura em matéria de opções fílmicas: gosto demasiado de Cinema (de Wells como de Ford) para entrar por . Não gosto francamente de gente para quem a ideia de Cinema é atirar "Wells" contra "Fords", a de Literatura, atirar "Lobos" (por exemplo, "Antunes") contra "Saramagos" (ou---talvez seja mais "ao estilo"...) daqueles para quem o conceito de 'música ligeira' se resume à ginástica pacóvia de lançar "Simones de Oliveira" contra "Madalenas Iglésias" e "Calvários" contra "Garcias"...

Não, a minha tese (ou, de uma forma menos solene: a minha proposta aos leitores do jornal onde escreve o sr. Gonçalves: é essa a 'graça' do senhor) é: troquem a expressão "o Bush do sr. Stone" por o "Evo Morales do sr. Gonçalves"; troquem "é indigente enquanto cinema" por qualquer coisa mais do género: "é indigente enquanto análise ou ponto de vista políticos" ou mesmo "simples formulação intelectual"; troquem "fitas políticas" na frase "fitas políticas reclamam distância e talento" por "abordagens reflexivas em jornais não-partidários" mas mantendo escrupulosamente aquela do "reclamam distância e talento" e, por fim, experimentem usar qualquer coisa como "quem nasceu para Jerry Lewis nunca chegará a Woodie Allen" e terão a (auto) crítica exacta da "coisa" que, embrulhada em papel de jornal, tenta manhosamente passar por um ponto de vista intelectualmente limpo, respeitável e isento sobre política...

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