... ou a "República" cada vez mais 'tremida'...
Num texto anterior (globalmente inspirado pela leitura de um texto de Miguel Real publicado no "D.N." falei de uma figura histórica, económica e política a que chamei a "primeira burguesia". Não terá sido em rigor a primeira: será mesmo, para aí, a "quarta" ou "quinta".
O que interessa, todavia, deixar claramente expresso é que há (em, a meu ver, há mesmo!) uma "burguesia" económica que, em França, se junta ao "povo" para derrubar (eu diria, perfeitamente consciente do que digo: simbolica ou simbologicamente) a aristocracia, numa Revolução que seria um marco histórico determinante para a modernidade. Esta "burguesia!" começa, de facto, por ser revolucionária.
O que ela traz de revolucionador para a História, já noutro local vimos: é, basicamente, a tal necessidade de "saber utilizar a propriedade" para assegurar-se o "direito" histórico, social e político, a possui-la. Ela traz para a História a ideia da própria volubilidade democrátioca da proprietação, digamos assim. A ideia ou o princípio de que possuir não é uma constante mas, pelo contrário, uma essencial variável e que, portanto, a realidade é móvel e cumulativamente relativa---ou (permitam-me que diga aqui um palavrão:"relatival").
Esta primeira burguesia ainda não cortou, pois, de todo com a Inteligência Abstracta e com as concepções clássicas (não-utilitárias e, sobretudo, não-utilitaristas) de erudição. Este modo de relacionar-se epistemologicamente com a propriedade prova-o, a meu ver, à saciedade.
Tal como, para dar outro exemplo, o modo como pensadores como John Locke, por exemplo, vão à Biologia e/ou à Antropologia no sentido de argumentarem e fundamentarem teoreticamente a própria Democracia.
Mas, se há uma "primeira!" deve haver uma "segunda", uma "terceira" e por aí fora "burguesias".
E a verdade é que há!
Quando a propriedade histórica se encontra satisfatoriamente (satisfatoriamente, para ela, burguesia...) preenchida, esta inicia, de imediato, um movimento de regressão ou recuo totais relativamente ao modo como representa e deseja ver representada pelos seus "intelectuais", pelas suas "elites", a realidade nas suas diversas formas.
A Escola, por exemplo: a tal "primeira" burguesia quere-a aberta e realmente democratizada, digamos assim.
De facto, ela usa a Escola como uma porta para a propriedade, sabendo nós como ela percebeu já que o saber (leia-se: o saber transformar continuamente o real em 'valor') é o seu argumento chave para se "apoderar definitivamente da História" através da propriedade, digamos assim.
E vice versa, também...
Numa primeira fase, pois, ao menos na teoria ou nas teorias dos seus intelectuais, a Escola ou escolicidade burguesa(s) são, real ou potencialmente, modernas e não só modernas: são, também, real ou potencialmente, com muita frequência, democráticas.
Quando, porém, como disse, a "propriedade da propriedade" não pode sofrer mais divisões de fundo sem, do ponto-de-vista "burguês" desrazoar e fazer desfuncionar por completo todo o sistema, a burguesia (que é, então, já, cada vez mais "segunda") passa a usar a Escola, não (mais) para impartir connhecimento mas, pelo contrário, como um modo de manter as massas, a sociedade no seu todo, longe do conhecimento.
Este passa, então (naturalmente, do ponto de vista "burguês" típico) para as mãos dos privados, ou seja, dos detentores da propriedade que não querem, obviamente, continur as dividi-la e a partilhá-la.
Quanto à Escola pública passa, por seu turno, a recolher os saberes que, por não servirem já para a reprodução ulterior de "valor", são continuamente desactivados e "cedidos" a um sector público cada vez mais inorgânico e ancilar e cada vez mais obrigado a conter em vez de estimular os anseios colectivos.
E a funcionar como um muro que (vou dizer assim intencionalmente: "encloses") o verdadeiro saber (o que se torna sem dificuldade "valor" ou "capital" e que está, hoje-por-hoje, nas mãos das multinacionais e tem inclusive um Direito específico a protegê-lo) e, continuando a criar a ilusão geral de "democraticidade" opera, realmente, como uma instituição conservadora e (de mais de uma maneira) elitista, quanto maias não seja porque aceita apenas impartir conhecimento "autorizado" pelos verdadeiros proprietários do saber--- que são (os...) privados. É verdade que hoje mesmo este paradigma inactivo e, em larguíssima medida, inorgânico de escolicidade pública está posto em causa.
E está posto em causa porque aquela a que poderíamos chamar, seguindo a semântica que temos aqui vindo a propor, de "terceira" burguesia se revela cada vez mais obviamente incapaz de gerir "democraticamente" a integração do saber (e da tecnologia que dele resulta) na História.
Mas isso fica para outro dia...
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