domingo, 10 de fevereiro de 2008

Da política como "ciencialidade pós-moderna" por excelência...



Segundo alguns, viveríamos todos nós, portugueses, hoje-por-hoje, numa "era" (não do vazio, como dizia o Lipovetski) mas (vivó luxo, estamos a viver bem!) "da informação" e "do conhecimento".


Há mesmo quem (um tal Sócrates que, em alguns círculos mais fáceis de persuadir passa muitas vezes por engenheiro e---mais extraordinário e divertido, ainda!---por primeiro-ministro de um país europeu...); há quem, dizia, pretenda mesmo que apanhámos todos um... choque, um choque, chama-lhe ele: tecnológico.


O mundo, ao que parece, está cada vez mais cheio destes ficcionistas e "malabaristas pós-éticos da argumentação" capazes de verem tecnologia onde há quase somente gente que lê a "Caras" e vê o "Não-sei-quem-na-têvê"; que não perde um episódio desses narrativamente tenebrosos "Fascínios da TVI" e chama "inteligente e culto" ao Rebelo de Sousa e (até, imagine-se!) "escritor" ao Sousa Tavares...


Pois, a verdade é bem diferente---e por razões históricas e políticas perfeitamente identificáveis e definidas.


O "desenvolvimento" segundo o capitalismo faz-se, não em obediência a qualquer paradigma reconhecível de partilha minimamente democrática (e minimamente possível!) do Capital-conhecimento ou do Capital-informação mas, exactamente ao invés, e, repito, por razões histórica e politicamente demonstráveis, segundo modelos de estr(e)ita e rigorosa privatização do conhecimento essencial---operação que é, obviamente, um pressuposto autenticamente elemental e nuclear de transformação "sistémica" de si mesmo em "valor", digamos assim.


Na sequência directa e natural do processo político de "enclosure" que marcou a ascenção do capitalismo industrial a "regime" económico-político e 'civilizacional' e do "Ocidente", o próprio "desdobramento" (o "deployment") subsequente do processo ou do «modelo civilizacional» forçou a que da terra e das "coisas" da terra se passasse ao próprio saber necessário para extrair dela(s) "valor significado" o que teria de conduzir tão inevitável quanto "naturalmente" ao paradigma básico de "cisão gnoseológica nuclear" sobre o qual assenta primariamente o modelo de "desenvolvimento" capitalista contemporâneo, tal como o (não?) conhecemos.


Não passa de um completo embuste, nestas condições históricas, económicas e políticas, falar de sociedade "do conhecimento" ou "da informação": do uso ou usos económico-políticos da informaão e do conhecimento, sem dúvida.


Mas alguém se atreve sequer a dizer que esta é uma sociedade "da democratização efectiva do Capital, por exemplo?


Ora, sabendo nós (e sabendo as grandes multinacionais que o convertem tão laboriosa quanto, no fundo, secretamente em "valor") que o Conhecimento nas mais diversas formas e com as mais diversas aparências se tornou, hoje-por-hoje na verdadeira matéria-prima básica e essencial da "re/produção" de Capital, como pode alguém dizer que a "propriedade deste se socialixzou ou democratizou"?


Mais: como pode alguém imaginar sequer que essa "socialização" e essa "democratização" sejam, em si mesmas, possiveis?


Ao contrário daquilo que historicamente aconteceu quando, com a Revolução Francesa, a burguesia se viu, em resultado da pressão directa da própria História, obrigada a ser revolucionária, hoje essa mesma burguesia que outrora o foi está, em resultado das novas formas que assumiu aquela pressão, obrigada a ver como literalmente "subversiva" qualquer verdadeira alteração dos padrões de propriedade histórica e política, estr(e)itamente privada dos (vou dizer assim intencionalmente) meios de produção de saber ou conhecimento.


Há que perceber cabalmente a in/essência deste fenómeno histórico, económico e político no seu todo (assim como tê-lo sempre presente no espírito quando se pretende equacionar, hoje-por-hoje, desde logo e por exemplo---do meu ponto de vista pessoal e profissional, prioritário---o problema da Escola, sobretudo pública, contemporânea.


Tal como qualquer sector ou área do Estado em geral, ela está hoje completamente desacreditada pelo próprio sistema e reduzida à condição literalmente ancilar e menor de receptáculo inerte do conhecimento-capital, continuamente desactivado pelo sector do capital privado, logo que deixou de servir como a tal matéria-prima elemental da produção de "valor".


É a isto que eu chamo o pós-Escola.


E é aí que se faz, a meu ver, a divisão clara entre uma burguesia ainda revolucionária (e que utilizou consistentemente o argumento-saber para legitimar histórica e politicamente o seu direito a aceder à propriedade da propriedade assim como da própria História em geral, deixada naturalmente vaga pela aristocracia decadente---situação que, por seu turno, determinou a emergência na História de uma Escola burguesa realmente democrática: a da primeira burguesia ou burguesia positivista); é aí, pois, dizia, que se faz, então, a divisão entre essa primeira burguesia revolucionária e a actual burguesia que lhe sucedeu e que resulta de se ter esgotado definitivamente (pelo menos, em termos de ciclo) o acesso à propriedade, uma vez preenchidas as vagas existentes nesta.
[Na imagem: um friso de "baixas" do Progresso]



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