Quando, noutro lugar, digo que António Patrício "prevê com grande precisão Kafka" (não foi rigorosamente assim que o disse mas a ideia é basicamente essa, sem dúvida) quero, na realidade, (ainda) dizer que há, com efeito, no Autor d' "O Fim", seguramente, uma tal paroxística pungência (mesmo quando se disfarça de estóico e resignado fatalismo); um tal "espírito" (ou um tal obsidiante, desesperado "élan") concentracionário (que vejo, de resto, também, por exemplo, no Garrett do "Frei Luís de Sousa" onde, como acontece claramente n' "O Fim" de Patrício, toda aquela gente se junta para morrer ou para se extinguir definitivamente numa espécie de orgíaco ou mesmo orgástico, metaforicamente sempre um pouco incestuoso cerimonial de Morte. "Jeu de massacre" me permiti chamar-lhe algures...); quando, pois, afirmei aquela ideia que atrás refiro, queria claramente dizer que há, no Autor d' "O Fim", um tão profundamente erotizado fascínio pela impossibilidade, pelo 'huit clos' e pela extinção (pela impossibilidade estrutural de Razão e pelo sonho natural da extinção num mundo---e de um mundo---completamente "nu" dela); um mundo onde as impressões e as emoções se soltaram já dramaticamente dos laços que, em tese, poderiam prendê-as (e conservá-las presas) a um qualquer "sentido" reconhecível minimamente estável; um mundo onde a realidade é tão desmesuradamente grande para a frágil Razão possivel que a cada um de nós só resta renunciar de vez a ela e aceitar naturalmente a normalicidade absoluta da loucura; quando, retomando o início da frase, tudo isto é (em tese, pelo menos...) possível ou passível de ser dito a propósito do Autor d' "O Fim", é, na realidade, a meu ver, por outro lado, muito difícil não ser levado a "re/ver" (integralmente?) não apenas Patrício à luz de Kafka mas (porque não?!) de algum modo, o próprio Kafka (a sua inserção, o lugar que ocupa, na cultura ocidental, seguramente) à luz do que sabemos (ou julgamos saber) sobre diversas outras obras "descobertas ou a descobrir"---a começar pela Obra visionária, única e, sob tantos aspectos, premonitória do Autor d' "O Fim".
[Na imagem: Kafka em Tativille]
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