sábado, 16 de fevereiro de 2008

Do capitalismo enquanto gigantesco embuste global: um (para não variar: mau!) exemplo


Não gostaria, com toda a sinceridade, de fazer desta "entrada" no "Diário" aqui presente, um panfleto---longe disso.
A verdade, porém, é que é praticamente impossível não constatar, hoje-por-hoje, o modo como um número, no mínimo, muito considerável de ficções e de mitos largamente difundidos em matéria de História (e de Política!) contemporâneas envolve directamente o capitalismo: o capitalismo em sentido lato, o capitalismo como... "cultura" ou "residuação cultu(r)al inerte" de si mesmo, digamos assim.
Uma dessas ficções ou embustes prende-se, de modo estrutural, com a proposta de "dispensa técnica natural do Estado" propugnada, no plano (chamemos-lhe: pura---ou im-puramente?---"teórico") pela, poderíamos dizer: "esmagadora... totalidade" dos ideólogos do capitalismo hard core, muito em particular pelos da respectiva "versão" neo-liberal radical pós-moderna, correntemente em vigência entre nós em modelo "neo-reformador" e "social".
Sobre este aspecto particularmente falacioso e sofístico da Teórica da "civilização capitalista" envolvendo as (más) relações entre a "economia" e o Estado me debruço noutro ponto, pelo que me dispenso aqui de abordar esse aspecto (aliás, essencial) da questão.
Ocupo-me, agora, aqui, isso sim, de um aspecto distinto da questão, envolvendo esse tão estúpida quanto falaz ficção da "auto-suficiência absoluta da economia", uma "ideia tão cara (e tão... central, tão "de in/essência"!) relativamente àquela Teórica, em geral.
Fornece-me o ensejo imediato para essa reflexão a recente contratação por um clube desportivo (por acaso, o "meu"...) de um novo profissional para o respectivo plantel futebolístico, o avançado Ariza Makukula.
Supostamente, o essencial da Prática como da Teórica capitalistas assenta na livre troca ou na livre contratação entre não menos livres partes. No limite, advogam os ideólogos da "coisa", um Estado só serve para ajudar a consumar ou a consbstanciar este princípio nuclear e (quase?) autónomo, (quase?) auto-suficiente. Quanto à referida contratação sobre a qual tudo deve assentar, ela é (e permanece idealmente, ao longo de todo o processo) livre porque livrementre assumida e praticada, digamos assim.
Ou seja, dela todos "beneficiam" ou se sentem beneficiados no sentido exacto ao menos em que ninguém é compelido a contratar---ou a contratar-se.
Quando, porém, observamos o que se passa no futebol dito profissional, a falsidade de tudo isto fica imediatamente evidente.
Durante décadas de "economia" facista, vigorou entre nós uma figura legal caracteristicamente iníqua e desigual correntemente chamada "lei da opção" que conferia literalmener a "propriedade" dos jogadores aos clubes.
Após o 25 de Abril uma das primeiríssimas medidas tomadas pelo poder revolucionário foi a de acabar de vez com tão brutal mascarada jurídico-contratual, substituindo-a pelo princípio das livre contratação entre partes, sendo o princípio teórico subentendido o de que, se era preciso "ser capitalista" ao menos que se fosse com um mínimo de (efectivas) liberdade e justiça.
Não tardou muito, porém, até que a "restauração contrarrevolucionária" triunfante em Novembro de '75 pudesse reinventar formas ulteriores de sobre-exploração da mão-de-obra competitiva, engendrando uma leghislação transnacional de "protecção à formação" que lhe permitia gerar contínuas ultra-valias, ultra-valias "em cascata" através do expediente ("legalíssimo!) de sobre-contratualizar os serviços prestados pelos profissionais.
Recorda-nos agora, com efeito, o Diário de Notícias que as verbas da transferência de Ariza Makukula para o Sport Lisboa e Benfica vão gerar uma "cascata retroactiva" de benefícios que se estendem a todo o conjunto de clubes que... "formaram" o jogador.
A (eu diria:) a pouca vergonha da re/venda múltipla a retalho de um ser humano vai ao ponto de as verbas geradas na escandalosa manigância que é o reembolso de... coisa nenhuma prestado aos clubes "formadores" se estenderem além fronteiras (até França e Espanha) envolvendo inclusive um tal Brito Sport Clube (?) que não haverá nove pessoas... e meia em dez que sonhem sequer o que tal seja...
Quer dizer: em condições de lisura e honestidade contratual, um jogador rende aquilo que cada estádio de evolução do respectivo património pessoal técnico-competitivo permite, recebendo dele cada clube os benefícios competitivos que cada um dios estádios da referida evolução é capaz. Um clube "forma" um jogador? Pois, mas forma-o para quê? Para que o jogador jogue por esse clube. Para isso, treina-o o põe-no a jogar quando acha que ele está em condições de fazê-lo. E paga-lhe o que consideram ambos. jogador e clube, que o rendimento do jogador em causa merece. Durante um eterimnado período de tempo, o clube em causa pode permitir-se adquirir o "produto" competitivo em causa. A referida "formação" é apenas o conjunto de dispositivos técnicos de quie o clube se serve para utilizar convenientemente o jogador.
Utiliza esse conjunto de técnicas específicas (em treinos, etc.) em (natural) benefício dos seus próprios objectivos competitivos, nem mais, nem menos.
A isto não pode chamar-se legitimamente "formação", diria eu.
Pode (e deve!) sim, chamar-se-lhe, sim, a natural rentabilização de um activo competitivo a uma deteriminada escala. Um clube não é o Estado---que deve, esse sim, fornecer um serviço educacional. Um clube não "forma": valoriza, como disse, um activo.
A partir de um certo nível ou grau de crescimento técnico de um jogador, o rendimento do mesmo atinge em determinados casos um tal ponto que dita, por sua vez, um "valor de mercado" que passa a situar já fora do alcance das possibilidades económico-financeiras do clube em causa.
E naturalmente entram em cena outros intervenientes mais poderosos. É o "mercado".
O primeiro clube "formou"? Não! Comprou ou contratou o único "produto competitivo" a que podia aspirar, enquanto pôde aspirar a ele.
Pagou por ele o preço que podia pagar e teve o retorno competitivo que o "produto" em causa podia fornecer na altura.
Ou seja, trocaram-se serviços teórica ou convencionalmente equivalentes entre si por um preço entendido como "certo" e "justo" pelas partes em presença como sendo o "valor" dos mesmos serviços.
Cumprido, porém, o ciclo deve iniciar-se outro, o seguinte, com novos intervenientes de um dos lados, dado que o "produto" ou "serviço" em causa é agora entendido de forma objectiva como sendo outro substantivamente distinto.
Enquanto... "formou", o... "formador" não deixou de ter o retorno "justo" do seu investimento na preparação do jogador. Conservar sobre o jogador/produto em causa qualquer poder sobre- ou meta- ou ultra-contratual é imoral, ilegítimo e jurídico-democraticamente insustentável. Um profissional não é um caça níqueis imoralmente permanente: é alguém que "vende" um serviço por um preço. Prestado o serviço em causa, a relação contratual livremente assumida deve de imediato cessar de gerar lucros numa direcção e num sentido que se acham real e integralmente cuumpridos---e pagos.
O clube "formou" e tem, por isso, legítimo direito a uma compensação?
Então e nos casos em que a evolução do jogador em causa não deu para tornar o referido jogador numa "mina de ouro": deve o jogador em causa exigir legitimamenter ser ressarcido do fracasso da "formação" em causa, alegando, desde logo, que o formador "falhou" e não cumpriu a sua parte do acordo?
Uma Direito democrático não pode apenas valorizar positivamente a figura real ou não da formação concebendo ou aceitando um valor autónomo, tipificado, para ela: tem de simetricamente valorizar negativamente a não-formação, estipulando, para ser realmente justo, valores negativos, valores de indemnização para os casos em que o processo não siga o referido percurso triunfante ou ascensional.
O embuste de que falo no título reside exactamente aí.
(Uma nota final para a fotografia que encima esta "entrada" e que é, realmente, notável. De autor---para mim---desconhecido, a ela presto, quanto mais não sejka através do recurso de republicá-la aqui, as minhas tão sinceras quanto vibrantes homenagens).




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