domingo, 17 de fevereiro de 2008

A minha "catalónica" paixão...


A minha 'catalónica' (melhor dizendo: a minha "gaudiesca") paixão ter-se-á definitivamente consolidado quando, no início da década de '70, eu e a Hermínia "demos o salto" para a Bélgica com (impensável!...) escala em Barcelona.
Ainda hoje estou para saber que bicho me terá mordido para conceber uma viagem daquelas de Sta. Cruz de Benfica ou da Buraca ou lá onde era aquilo onde então morávamos então a Ixelles, em plena "agglomération bruxelloise", dividindo-a em etapas que contemplavam uma escala em Madrid e uma segunda (verdadeiramente extraordinária, como disse!) em Barcelona, antes de tentarmos o "assalto" à fronteira...
Seja como for, foi assim que as coisas se passaram: viajámos uma noite inteira de Badajoz a Madrid-Chamartin ou a Madrid-Atocha, já não me lembro e outra, a seguir, daí a Barcelona.
O pior é que eu não tinha papéis (deixei caducar o B.I. e não me dei ao trabalho de renová-lo) e se fosse apanhado pela polícia, era regresso certo a Portugal, entrega à P.M. e o resto que não é difícil adivinhar...
Até porque, quando saímos (mais de uma semana depois do dia em que devia apresentar-me em Mafra), eu já tinha provavelmente um mandato de captura emitido pelo exército...
Assim, era vital não 'dar nas vistas' onde quer que chegasse não fosse algum guarda civil mais astuto pedir-me os papéis---que não tinha.
Ora, em Barcelona, onde chegámos ao fim do dia, a ideia de irmos para um hotel ou pensão estava fora de questão por esse mesmo motivo. O resultado foi uma noite inteirinha (!!) a andar de um lado para o outro, procurando sempre cinemas (de onde saísse gente no meio da qual pudéssemos passar despercebidos...); cafés com esplanadas onde era possível passar umas horas a tomar café (embora fosse em Janeiro e a dada altura se pusesse um frio de rachar e nas esplanadas só os imensamente tolos como nós imaginassem poder passar despercebidos...) e por aí fora.
O pior foi quando os cinemas e os cafés fecharam e as ruas ficaram desertas...
Andámos, andámos e andámos.
Eu creio que até chegámos a adormecer enquanto andávamos porque a dado passo já nem me lembro de fazer qualquer esforço para andar, as pernas mexiam-se sozinhas e eu em cima delas devia simplesmente segui-las, sempre a oscilar...
Entre para aí as três e as cinco da manhã foram as pernas que tomaram conta do "passeio" e lhe decidiram, como num pesadelo interminável, a rota.
Sucede que quando... acordámos, lá pelas cinco nos achámos, de repente, diante da fabulosa "Pedrera" gaudiana. Estávamos tão inimaginavelmente cansados que quando sugeri à Hermínia que se colasse o mais possível à parede e olhasse para cima para ver a fabulosa fachada "mexer-se" e "ondular", fomos ambos atacados de um "mareo" tão forte que instintivamente nos acocorámos ambos, como se estivéssemos combinados, junto à parede para não vomitarmos!...
Entretanto, claro, já há muito "perdoei" ao génio do Gaudì (que "conheci" nas aulas de História de Arte, dadas em Letras pelo Pais de Sousa, um tipo gélido e imensamente germânico que dava, à época, a cadeira...) e, com o tempo, a paixão que pela sua espantosamente inquietante Obra nutria, reforçou-se mesmo com o conhecimento directo que fui travando com ela de Astorga (onde foi, aliás, tirada a foto acima) até, claro, Barcelona e arredores, da orgânica Batllò a essa "lunar" Sagrada Família e desta ao prodigiosamente visceroso Parc Güell.
Mais: com a idade e a distância no tempo, a paixão misturou-se de forma literalmente indissolúvel com a nostalgia (assim como com outras paixões como a que me despertam, por exemplo, Gris e Miró) e constitui, hoje-por-hoje, algo que coloco (quase?) exactamente a par do deleitosíssimo fascínio que não consigo (nem quero, claro!) deixar de sentir por um Tati (e pelo seu Paris que foi e é também o de Prévert, o de Clair, o de Renoir e o meu próprio) ou por um Buñuel (cujo Paris não é, de resto, nada de "se deitar fora" também, longe disso)...

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