Começa a tornar-se cada vez mais óbvia e irrecusável a necessidade de uma profunda evolução nas formas de sindicalismo até agora vigentes.
Quando digo de sindicalismo, digo do sindicalismo genuíno, entenda-se e não daquelas formas de pseudo-sindicalismo ou quinta-coluna "amarela" introduzida de modo perversamente exógeno no movimento laboral a fim de criar neste a ilusão mais ou menos estável de um poder e de uma capacidade organizativa porém completamente manipulados e, por isso, de todo inexistentes e virtuais.
A verdade é que, com a introdução muito recente na sociedade portuguesa daquelas formas de efemeridade e (des) estrutural fragilidade ou insubstancialidade da vinculação laboral que eram até aqui características do paradigma de capitalismo "liberal" puro-e-duro (cujo expoente máximo era---e continua, aliás, a ser!---o capitalismo norte-americano) a única maneira de o sindicalismo voltar a encontrar-se organizativamente com sucesso e eficácia com o seu "povo natural" e específico que são os trabalhadores consiste, a meu ver, na integração na própria actividade sindical básica e essencial daquelas formas de organização colectiva, de organização grupal, que se encontravam tradicionalmente reservadas a outras áreas do social e até do cultural.
Refiro-me, designadamente, às colectividades populares, recreativas e desportivas até aqui, como atrás dizia, um universo em princípio completamente "excêntrico" em relação ao universo laboral e reivindicativo específico.
Ora, aquilo que eu penso é que com a precarização cada vez mais estável e consistente dos vínculos laborais, quem quiser voltar a "encontrar-se com" os verdadeiros sujeitos do mundo laboral que são os trabalhadores por conta de outrem tem de procurá-los cada vez mais a montante desse mesmo mundo laboral---que é como quem diz: tem de começar a procurá-los antes (e fora!) dele, nos locais de diversão, nos de reunião, nos campos desportivos, nas próprias casas.
Tem de perceber que (como, de resto, acontecia por razões formalmente distintas antes de Abril de '74) todas estas instituições voltam a desempenhar um papel político essencial em face da desestruturação e da precarização consistente do Trabalho que, por sua vez, conduziu, como se sabe, à des-integração praticamente total do proletariado (real mas também potencial) tradicional tipo ou típico.
Ou seja, hoje, num tempo histórico e político, num tempo civilizacional, em que é praticamente impossível ver reunida uma classe operária numericamente expressiva numa qualquer fábrica (o modo como o capitalismo integrou o conhecimento sob a forma de tecnologia na própria História acabou fatalmente por conduzir à inevitabilidade da "desactivação" final de uma classe operária como aquela que em alguns pontos do mundo chegou a existir até há bem pouco tempo); num tempo histórico, civilizacional e político como este, dizia, aquilo que se impõe com o objectivo de reorganizar o universo do trabalho é a reactivação daqueles paradigmas de educatividade ou mesmo de "alfabetização significada" que, em lugares como a Margem Sul do Tejo eram ministrados pelo teatro popular, pelos cine-clubes, pelas campanhas de alfabetização segundo métodos e propósitos não exclusivamente (muito pelo contrário, de facto!) centrados na aprendizagem "pura" e simplesmente "técnica" da leitura e da escrita.
Num mundo em que a classe operária "desapareceu", pois, de todo, é tarefa essencial, básica, do sindicalismo 'fazer-se cada vez mais escola' assim como cada vez mais "civil". É tarefa sua operar agora (e de mais de uma maneira) sobre a noção e a percepção própria dessa inexistência objectiva e, muito em especial, subjectiva que é a classe. No sentido de dar a perceber por todos os meios característicos do recreio e da diversão conmo é possível (e como é vital!) fazer da não-classe uma verdadeira classe a partir da própria percepção da transformação da antiga classe no seu contrário, se assim é possível dizer.
Ou seja: com recurso à escrita e encenação de peças teatrais expressamente concebidas com o propósito de atingir níveis expressivos de 'alfabetização estética' mas também necessariamente política dos indivíduos; ao "visionamento significado", isto é, colectivamente debatido de filmes ou simples noticiários televisivos levado a cabo com o objectivo básico de dar a perceber criticamente a toda a gente (a) o modo como se chegou ao estado de total inorganicidade laboral, social e política presente; (b) o que isso significa em termos da própria im/possibilidade objectiva de participar efectiva (leia-se: democraticamente) na divisão social, histórica e política do próprio poder; (c) resumindo: quais as formas realmente eficazes de unir secundária ou terciariamente numa nova classe organizada (e, por conseguinte, também de novo orgânica) os fragmentos dispersos do antigo sector laboral.
Ou seja: 'perdida' numa primeira fase a Fábrica ou o Escritório, é tempo de o "novo trabalhismo" começar muito "mais atrás" a fim de encontrar activamente a Cidade nos mais diversos sentidos e acepções do termo---e, sobretudo, da Ideia.
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