sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

"Vem Aí O Passado! Cuidado Com As Cabeças!..."

Se, em Portugal, tivéssemos uma elite independente e partidos políticos com capacidade para liderarem processos que são absolutamente fundamentais e cada vez mais urgentes de reflexão séria sobre as formas da nossa vida colectiva presente e futura, o artigo de Jorge Moreira da Silva no "Público" de 06.01.11 ["Sete desafios que Portugal não pode falhar"] não teria passado em claro, isto é, sem despertar reacções de, no mínimo, profunda apreensão e compreensível inquietação dos sectores económicos e sociais que são já hoje as grandes vítimas [as grandes "baixas"!] de um modelo de economia "que só vê para um lado"---e mal, pelos vistos---a avaliar pela "disaster area" em que ele tornou o nosso presente 'global' para já não falar no futuro que começa agora, para nosso horror, a delinear-se com um desemprego calamitoso, aumentos de todo o género e uma recessão de duração e efeitos imprevisíveis, aí à porta.

Não vou agora aqui repetir as propostas do autor do artigo do "Público" [era o que faltava, ser eu, a quem a maior parte delas desperta a mais séria repugnância e e a mais veemente e frontal rejeição, a fazê-lo!] remetendo aqueles poucos que, em Portugal, ainda se dão ao trabalho de pensar [e que são, como digo, meia-dúzia pouco mais...] para o texto em si: vou apenas referir os alguns aspectos que me parecem essenciais.

Começo por registar que os tais "desafios" de que fala o autor vão todos invariavelmente dar ["et pour cause"!...] ao velho pressuposto/obsessão neo-liberal puro de privatizar ou, como preferem dizer os apóstolos da ideia temendo---muito compreensivelmente, aliás---a indignada oposição dos que não ignoram onde fatalmente nos conduzirão a todos como sociedade os projectos de «regressão civilizacional» organizada [senão... "estratégica"!] dos neo-liberais em fúria articuladas com as de aprofundamento cego de um modelo intrínseca e des/estruturalmente disfuncional como é o do capitalismo neo-liberal deixado à solta; grande parte dos "desafios" em causa é, pois, dizia, aí que vão dar a esse antigo sonho distópico de "economia total" que tão graves consequências como modelo civilizacional está a ter para nós, classe média europeia e "europeia"---afirmando o seu proponente fazê-lo, pelos motivos "de prudência táctica" que acabo de referir, em termos argumentativamente "açucarados", enunciando objectivos irrecusavelmente eufónicos e de sucesso pop garantido com esse astuciosíssimo "libertar a sociedade portuguesa do peso do Estado" à cabeça, habilíssima escolha de palavras que mostra como a direita "não as deita em saco roto", sempre que se trata de ganhar posições na batalha "pela conquista e apropriação estável da História", batalha essa que vai, como ninguém duvidará, conhecer novos e importantes episódios, nos tempos mais próximos, por razões que, de tão óbvias, me dispenso de voltar a enunciar.

Propõe, por exemplo, o extensíssimo texto/programa dos "Desafios" "uma reforma estrutural ao nível das funções do Estado" [está-se mesmo a ver, não está?...] que passa por "privatizações no sector da energia, comunicação social, transportes e telecomunicações" [pois...].

É verdade que ele vai dizendo sempre querer um "Estado mais forte na relação com os privados" [?] com [maiores?] "poderes de regulação, auditoria e fiscalização" mas tranquilizam-nos esse tipo de pias intenções quando todo o tecido activo da sociedade portuguesa se encontrar já, de facto e de direito [a electricidade, a televisão, os transportes urbanos e interurbanos---que eu sempre disse que deveriam ser incluídos entre os serviços públicos básicos, ao lado da Saúde, da Educação ou da Justiça---a Internet e por aí fora, tudo ou quase coisas que são já hoje, sem neo-liberalismo "canónico" no poder, chorudas negociatas para grandes grupos económicos privados] nas mãos desses mesmos intereses privados e, como é evidente, obedecendo no seu uso social ao quadro de objectivos intrinsecamente unilaterais que eles por definição têm?

Aliás, o texto nem faz segredo do que prevê, por exemplo, para o emprego quando vem, logo a seguir, preconizar o ataque a uma "rigidez laboral" que ninguém honestamente é já hoje capaz de ver---senão obviamente quem faz absoluta questão de não ver...--- atirando o ónus da precarização vigente do mercado laboral não à cupidez dos empresários em consonância com um Estado dócil e hipocritamente cúmplice mas à tal "rigidez" que só é, todavia, repito, 'visível' da direita política, incluindo nesta, por direito próprio, aliás, a direita "social" "pê-ésse" operando na sociedade portuguesa---como é seu timbre, de resto---na condição da "lebre" da disfunção economocrata ortodoxa, chamada agora a corrigir os efeitos da incompetência [eu chamar-lhe-ia: "significada": da "incompetência significada"] dos "suspeitos do costume" que são os discípulos de Bernstein onde quer que a sua acção se faça sentir.

Seria bom, desde logo---é um 'conselho de amigo' que me permito aqui deixar aos meus concidadãos habitualmente mais... "distraídos" e/ou mais sensíveis ao tipo de lugar-comum adocicado a que tanta desgraça económica, social e política recente, como país, devemos, na próxima circunstância eleitoral, normal ou extraordinária; seria bom, dizia, que se tivesse o texto/programa em causa em mente na altura de votar, enquanto for ainda tempo de evitar a americanização total da sociedade portuguesa---e isto, numa altura, em que a própria sociedade americana, que fez em geral, do estado de desregulamentação social uma mais que discutível bandeira, tenta, lutando com resistências poderosíssimas da "América profunda", na Saúde, desde logo, com Obama, encontrar formas de humanizar e efectivamente democratizar uma comunidade que, com as consequências que se conhecem, faz questão de se orgulhar do modo como, com sacrifício de si mesma e dos seus direitos mais elementares, garante chorudos negócios a quantos fazem do objectivo de espremê-la quanto podem em nome de uma desumana "liberdade", todo um projecto e todo um tópico programa social e político.

Considero, ainda, particularmente curioso e digno seguramente de reflexão aquilo que a edição do "Público" de 19.09.10 [Cf. João Caraça, "Milagre Chinês?" e "A economia poderá falar mais alto do que o Estado-providência nas legislativas suecas?", este último, aliás, um título profundamente enganador que, de alguma forma, nega o conteúdo do texto a que se reporta, como veremos mais adiante].

No primeiro daqueles textos, refere-se o caso da China, país onde "os sectores estratégicos permanecem firmemente sob o controlo do poder central, podendo nos outros sectores da economia funcionar os mecanismos de mercado", um modelo para que, ao que tudo indica, tende actualmente, flexibilizando a sua própria estrutura de modo a adaptá-la à perda de fornecedores e mercados de eleição como os socialistas, o regime cubano, por exemplo e que, mesmo não esquecendo os negativíssimos impactos não-sistémicos ambientais, tem conduzido a China ao estatuto de super-potência global emergente e concretamente à primeira linha das economias mundiais de modo a que, "a alta finança" ['global' que, como é sabido] "não mostra especial afecto pela democracia" não tenha tido já mais remédio do que aceitar reconhecê-la e até, como no caso nacional, torná-la detentora de parte da dívida pública portuguesa.

No segundo dos textos que refiro, aborda-se o bem conhecido e sempre muito propalado "caso" sueco para dizer [e, por isso, eu referia atrás que o título da peça induz em erro] o qual, lembra a autora, Francisca Gorjão Henriques, assenta em larga medida em [e cito] "uma pesada carga de impostos para financiar o Estado social" aliada a "uma economia fortemente liberal".

Uma economia" fortemente liberal" que não considera, pois, o Estado social e ipso facto o conjunto da sociedade que dele pode, assim, alguma coisa efectivamente beneficiar, um inimigo natural, curiosa singularidade!...

Mais: a campanha dos sociais-democratas suecos tem [pasme-se!] sido conduzida, diz ainda a autora, "com a garantia de não cortar os impostos" e [pasme-se ainda mais!] "até aumentar alguns no futuro".

Poder-se-ia, lendo apressadamente o artigo supor que fosse assim sob tutela governamental social-democrata [curioso termo este que tanta variedade de concepções esconde!...] mas a verdade é que Francisca Henriques tem o cuidasdo de acrescentar, noutro ponto do seu artigo, que "Com a vitória do centro-direita [actualmente no poder] não houve alterações espectaculares ou sistemáticas, nem golpes radicais no Estado-providência".

Leram bem "Com a vitória do centro-direita [...] não houve golpers radicais no Estado-povidência".

É verdade, diz a autora, que "o centro-direita tornou as regalias menos generosas, baixou impostos para os salários mais baixos e diminuiu o número de subsídios de doença" [diria eu: por alguma coisa é direita e não esquerda!...] mas, no essencial, não pôs, segundo a jornalista, em causa "os serviços públicos".

"Com", conclui a autora, "bons resultados".

... demonstrando, a meu ver, que pode haver direita e não haver selvajaria [anti] social; que pode haver direita e não retrocesso civilizacional impuro e nada simples; que pode haver direita sem recurso a fórmulas e "soluções" velhas-e-relhas que outros ou há muito já puseram, com demonstráveis bebefícios, à porta do "seu" próprio capitalismo ou estão agora a tentar, pelo menos em pequena e, sob diversos aspectos, sobretudo "simbólica", medida...

Escreve ainda a jornalista a rematar: "os eleitores parecem valorizar mais um Governo competente do que a ideologia"; curiosa conclusão, esta! A propósito dela aquilo que eu pergunto muito clara e muito firmemente é: mas não é a "questão da natureza do Estado moderno" uma questão intrínseca e nuclearmente ideológica?

É por muitos pretenderem que acreditemos que não e que as ideologias [como a própria História ou com a própria História] chegaram ao fim que, nós portugueses [vamos ser claros!] entregues criticamente indefesos nas mãos de uma social-democracia... "de aluguer" e aceitando tão implícita quanto regularmente ser a ela imolados estamos onde eastamos ou chegámos onde chegámos...

À calamidade em que se tornou a nossa existência conmo sociedade onde o melhor futuro que perece conseguir-se arranjar é... o passado que outros não quiseram!

[Imagem extraída com a devida vénia de new-dot-taringa-dot-net]

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