terça-feira, 4 de janeiro de 2011

"Colonialismo de Influência ou Canibalismo de Charme?..." [por rever]


A fazer fé no "Confidencial/Economia & Negócios", o suplemento do semanário "Sol", a empresa Mota Engil está "interessada na ferrovia angolana".

De acordo o jornal, já tem mesmo "quadros" no terreno a trabalhar para "garantir a concessão" das linhas de Luanda, Benguela e Moçâmedes.

Sabendo nós o fabuloso potencial lucrativo de Angola em matéria de negócios para as grandes empresas não há seja o que for de novo nisto.

Angola [como a China, outro dos alvos preferenciais da "diplomacia de recovagem" de Sócrates e Cª, a qual mete, como se sabe, compra de parte da dívida pública nacional portuguesa pela China e tudo] tem uma estrutura política que, no plano económico, pode ser referida, ressalvadas as respectivas diferenças, como "de economia teleguiada", isto é, um modelo económico, de um modo ou de outro, à medida do tipo de concepção tipicamente "lobbyista" paradoxalmente tão do agrado dos poderes económico-políticos... liberais [mesmo dos... "sociais"] os quais se movem como peixe na água em áreas onde possam mover "par... dessous le marché" o tipo de "discretas" influências [Cê-pê-éle-pês e Cª] por detrás das quais estão sempre, afinal, os grandes negócios privados.

Não há, pois, repito, o que quer que seja de novo neste apetite da Mota Engil pelo pingue mercado petro-africano.

O exercício que aqui proponho hoje, a propósito da notícia do "Sol", não se prende, pois, com qualquer "novidade" vinda propriamente do lado desse apetite ou desse interesse enquanto tal.

Não: o exercício que proponho é de outro tipo e vai muito além da constatação da existência, por um lado e da naturalidade, por outro, ainda e sempre deles, desse interesse e/ou desse apetite.

Envolve a consideração e a equacionação de um texto de Maria Cândida Proença, investigadora do Instituto de História Contemporânea Faculdade de Ciências Sociais e Humanas no suplemento "P2" do "Público" de 02.09.10 onde se aborda a visão colonial da I República [que contemplava modelos de descentralização autonomizadora progressiva das colónias] projecto esse, recorda a autora, a breve trecho bloqueado pelos "interesses económicos" aos quais a autonomia em causa estava, por razões óbvias, longe de interessar.

Foram interesses que o salazarismo não soube ou não quis contrariar [até homens de "direita civilizada" como cunha Leal o sublinharam] e que estiveram afinal na base da tragédia que foi o fim do colonialismo, também do português.

Ora, aquilo para que Maria Cãndida Proença apongta, na realidade, no seu artigo e naquele ponto em concreto que cito atrás, é num aspecto crucial de todos os colonialismos e neo-colonialismos: o bloqueio não só sistemático: sistémico também, do desenvolvimento do colonizasdo, essencial para que o próprio modelo colonuial cumpra a sua "missão" que é basicamente, como se sabe, encontrar fornecedores de matérias-primas que sejam ou também possam mercados de produtos manufacturados.

É evidente que o colonialismo só considera, nesse quadro, as formas e graus funcionais de desenvolvimento local.

A própria rede viária ou, em boa medida, a rede urbana e até a estrutura urbanística, por exemplo, obedecem aos interesses do colonizador---do transporte das matérias-primas que extrai ou interessando a distribuição dos produtos que, a partir delas, pôde gerar.

No plano laboral, o colonialismo determina proletariados não apenas extremamente rudimentares e pouco instruídos ligados, sobretudo, à extracção das matérias-primas em bruto ou quase mas, de igual modo, barato porque o segmento da fileira onde a parte relevante da técnica e da tecnologia é aplicada se situa nas metrópoles onde as matérias-primas se convertem em produtos.

Por isso, o modelo colonial é por definição um modelo económico, social e político estruturalmente des-igual: o pouco ou muito desenvolvimento que traz, trá-lo para os centros, reservando às periferias um papel meramente ancilar que não fomenta nem o desenvolvimento tecnológico nem o progresso material e económico.

Ora, quando nós, mais de três décadas depois do fim do colonialismo português vemos como a antiga colónia precisa de tecnologia externa [a fazer fé no "Sol" a tal Mota Engil tem, apesar da presença dos "quadros" prospectores no terreno, concorrência] para modernizar a sua rede viária e é-nos difícil não pensar como estamos, se calhar, afinal, bem perto da estrutura colonial ou sejam os tais "interesses económicos" bloqueadores instrumentais mas também sistémicos da autonomia local em nome do seu próprio interesse em exportar, em vender, aquilo que, sendo localmente concretizado, não necesita, por razões óbvias, de ser comprado, de ser importado.

É esse, aliás, o papel do neo-colonialismo como "mutação" politicamente "decorosa" do velho paradigma colonial puro-e-duro: simulando a tal autonomia de que falava a investigadora da FCSH na forma de uma independência política formal, aquilo que ele faz, no fundo, é limitar-se a utilizar o poder ou poderes estabelecidos como mediadores do tráfico que antes era conduzido por si próprio, não lhe alterando, em última análise, nem a natureza nem o essencial das dinâmicas de natureza económica, social e, muitas vezes, até política que o caracterizavam.

É outro aspecto da famigerada justificação histórica e política---civilizacional, também---do capitalismo de que "gera desenvolvimento" e "produz riqueza" e por isso possui legitimidade para, como costumo dizer, se conservar "por trás do motor ou do volante da História": de facto, como tantas vezeas tenho insistido, ele só gera riqueza porque multiplica a montante as carências, a estrutura de "carencialidade significada", que, do ponto de vista dele e da sua i/lógica de produção, constitui uma matéria-prima vital na re/produção de capital que constitui a sua actividade real, efectiva: quando, com efeito, ele afirma que "desenvolve", esquece-se de dizer que esse desenvolvimento se caracteriza pela sua estrutural [mas desestruturante!] des-igualdade a todos os níveis [exactamente porque é parte integrante do seu modo de produzir e de gerar "valor"] e mesmo nos casos em que gera equipamentos estes têm sempre como referência de utilidade ainda e sempre os tais interesses do colonizador e, naturalmente, do mediador, seu associado no processo.

[Na imagem: colonialismo, gravura extraída com a devida vénia de neocolonialismo7-dot-blogspot-dot-com ]

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