sábado, 15 de janeiro de 2011

"Falemos Um Pouco de Televisão!"


Um 'pot pourri' de informações e pequenas notícias: a Zon retirou da grelha-satélite uma das "jóias da coroa" da respectiva programação: o Canal franco-alemão ARTE, o único onde era possível ouvir, hoje-por-hoje, numa televisão, falar de Beckett e Kafka, de Scott Fitzgerald, Brecht, Freud ou Artaud, entre inúmeros outros nomes incontornáveis da Cultura.

Um verdadeiro [e imperdoável!] atentado a essa mesma Cultura tendo até em vista o que o que veio... "substituí-lo": uma "coisa" verdadeiramente inenarrável intitulada "Canção Nova" ou coisa que o valha cuja exumação [consta que já por ali tinha andado antes sem que eu, pelo menos, tivesse, alguma vez, dado por isso] se deveu, foi-me expressamente dito, ao "pedido de várias famílias".

... Ou seria aos suculentos cabedais do Vaticano, cada vez mais assustado com a perda consistente e regular de influência para "as religiões de garagem", versão "sacra" do populismo político, que ameaçam tomar de assalto a cena religiosa?

Enfim...

Esta, em todo o caso, a primeira notícia que queria aqui trazer e com a qual, não consigo deixar de referir, não me conformo: foi-se o ARTE, vai-se a seguir o meu vínculo contratual à entidade que, de uma forma tão imperdoavelmente negocista e "pesetera", pactua com o que na prática é o grande projecto global; a... parceria público-privada dedicada à descerebração consistente do conjunto da comunidade nacional [o chamado Ministério da Educação vai fazendo o que pode para nela se integrar e com ela colaborar e ajudar, isso é evidente!] eliminando de vez os "nichos de resistência" sedeados nos poucos "Mezzos" e "ARTES" que por aí, ora dentro, ora fora, vai havendo [deveria dizer: a seguir vai o meu vínculo contratual com a empresa que aceita pactuar com o vandalismo cultural por acção e omissão, impuro e nada simples que a supressão do ARTE no satélite inescondivelmente configura!...]

Passemos, porém, à segunda notícia: o "pior programa de televisão [?] de 2010" para a Associação de Telespectadores [para o crítico do "Diário de Notícias", Joel Neto--cf. "Asociações para quê?" in "D.N." de 13.01.11] trata-se mesmo "possivelmente do pior programa que alguma vez passou na TV portuguesa em horários familiares"] o inqualificável "Casa dos Segredos" é segundo ou terceiro nos "charts", valeu a quem o apresenta ter assinado "o contrato da sua vida" [é ainda Joel Neto quem o afirma] e assume mesmo o estatuto de trunfo decisivo na estratégia de uma operadora rival da Zon, julgo que a Meo [que, se bem entendi, promete---ou... ameaça?---ter a abominação em causa no ar ininterruptamente 24 horas/dia!] na conquista de mercados no âmbito da 'guerra das instalações' em curso.

Comentários?

Vale a pena fazê-los?...

Enfim, terceira notícia: segundo Francisco Penim [ex-director de programas do canal privado SIC] e Felisbela Lopes [professora universitária e "estudiosa", diz o "Diário de Notícias", na edição de 06.10.10, "do panorama audiovisual português"] a "solução para derrotar o líder" [a tenebrosa e populista TVI---sozinha com maior share diário de audiência que a totalidade da programação-cabo!---e onde a tal "Casa", digna herdeira dos nefandos "Big Brothers" que abriram uma era de insuspeitado aviltamento no "entertainment" televisivo fazendo-o descer a profundidades de vulgaridade e imbecilidade que antes não parecia possível que ele atingisse, ocupa lugar de... honra] "é fazer o mesmo mas melhor" [!!]

Poderia continuar por muito tempo ainda, a coligir e a citar documentação que pude ir compulsando, ao longo dos tempos.

Tão-pouco aqui valerá a pena: o que deixo registado bastará, penso eu, para se ter uma ideia suficientemente clara daqueles que são os cancros do panorama televisivo e, pior ainda: cultural, nacional: um inquietantemente baixo nível de exigência do cidadão/espectador médio cujas taxas de iliteracia funcional são--e não por acaso!--aquelas que se sabem; a drástica concentração dos seus interesses em matéria de cultura num estreitíssimo leque de programas organizados em torno das famigeradas "novelas" e um ou outro "concurso", minuciosamente copiado de uma série infindável de outros nacionais e estrangeiros, geralmente estrangeiros, anteriormente passados e a que agora se juntam os impropriamente chamados "reality shows", encenações confrangedoramente indigentes da realidade, onde vale literalmente tudo para prender a atenção do espectador [vale, aliás, a pena atentar um pouco neste termo] e reduzi-lo, no limite, à... impotência de que são feitas ou sobre a qual são feitas, afinal, as famosas "charts" e os não menos famosos "shares" a partir dos quais, por sua vez, toda a programação ulterior é moldada e cozinhada---de onde resulta inevitavelmente o dramático empobrecimento geral do gosto e dos critérios de escolha, potenciados, um e outros, por seu turno, por políticas culturais invariavelmente erráticas e inconsistentes [quando não meramente pretextuais e/ou orçamentalmente residuais]; e, por fim, resultante de tudo o que acima fica dito, o efeito final consistente na massificação ou progressiva transformação do conjunto das audiências numa massa amorfa, inescapavelmente refém do "gosto" médio formado [ou deformado!] todo ele, "cirurgicamente", daquele modo que atrás muito sumariamente descrevo.

Quando uma professora universitária admite que a cópia é a «melhor forma» de concorrer [noutro lugar deste "Diário" refiro--e critico!--o fenómeno tão caracteristicamente... "pós-moderno" do 'plágio legal' renobilitado sob a designação pomposa de "franchising", outra maneira adicional de condicionar o gosto e de ajudar a reduzi-lo à expressão mais simples] percebemos, de vez, o que significa hoje "concorrer" em matéria de "entertainment" televisivo privado em Portugal ["concorrer"--a concorrência, recordo, foi o supremo argumento que sustentou a introdução da iniciativa privada na televisão entre nós: da concorrência iria inevitavelmente sair a melhoria da qualidade e o consequente benefício do espectador---concorrer, dizia, não significa aqui abrir o leque, diversificar a oferta, valorizar a autonomia na definição e formação do gosto: significa somente, oferecer mais do mesmo e fazer triunfar comercialmente não programas mas empresas---é uma guerra comercial assumida que claramente já contaminou e infestou ou mesmo infectou um serviço público de televisão que ninguém verdadeiramente sabe o que seja ou logra sequer ver, marcado como está por toda uma fenomenologia gradual de osmose, de 'osmose por defeito', de que o espectador, como facilmente se compreende, pouco ou nada tem a beneficiar] do mesmo modo que ninguém consegue perceber onde se situam coisas hoje-por-hoje, pois, obsolescentes ou mesmo de todo obsoletas como a originalidade, a diversidade e a criatividade.

Quando Felisbela Lopes diz que "as novelas se alimentam umas às outras" e que "não basta uma", são precisas muitas ["É preciso ter três novelas ao mesmo tempo", diz expressamente. "Se calhar mais" (!!)] a fim de consolidar definitivamente o respectivo consumo é exactamente isto que ela está a dizer---e pior ainda, a aceitar implicitamente como estratégia de conquista de mercado e, por conseguinte, de formação ou, volto a dizer: deformação tragicamente ideal de públicos.

O que aqui deixo registado com a supressão do inimitável ARTE à cabeça bastaria, suponho, numa sociedade minimamente esclarecida e mesmo apenas sumariamente civilizada para tornar incontornável e inadiável, isto é, para repor de uma vez por todas na ordem do dia a questão de um serviço público, realmente consistente e verdadeiramente sério de televisão, liderado, não pelos habituais comissários políticos e oportunistas ou arranjistas de carreira mas por gente competente e com um projecto claro de formação de audiências [em caso algum, susceptível de ser levado à prática sem ser no âmbito de um plano conjunto nacional articulado com um Ministério da Educação onde prevalecessem, por uma vez, a inteligência e a competência educativas e não, em vez de políticas e ideias sólidas para o País, habilidades de guarda-livros de mão dada com espertezas saloias de pedagogo feito à pressa e a martelo, com meia dúzia de livrecos manhosos publicados---ou seja, todo um projecto político, cultural e até civilizacional que não há; que poucos querem que haja, no único país que, em resultado disso mesmo, era--esse sim!--fatal que houvesse e que está, aliás, em tudo quanto disse e escrevi, para nossa desgraça colectiva nacional, eloquentemente retratado...

2 comentários:

Gonçalo disse...

Não sabia disso e só me vem uma palavra à cabeça para o descrever: VERGONHA.
Eu também já tive sérios problemas com a Zon e sei por experiência própria a falta de respeito pelos seus clientes que PAGAM um serviço.
Mas o MEO não é melhor nesse aspecto, aliás tem que se ver que quem lá trabalha está sujeito a contratos muito precários e a ganhar na maior parte das vezes uma miséria abaixo do salário mínimo, porque a função de Operador ainda tem algum mercado e não se pode exigir muito mais a pessoas que ou têem formação (superior!) ou vieram de empregos completamente diferentes sendo também os prémios de fidelização ou de angariação que podem aumentar o salário dessas pessoas que trabalham muitas vezes sob uma pressão e mau ambiente constantes, de modo que o que lhes interessa acima de tudo é que os clientes não levantem problemas e se mantenham nas operadoras.
Custa dizer isto mas creia que é verdade.
Mas sobre essa "Casa dos segredos" o que me entristece mais é ir no transporte e ouvir miúdos de 14, 15 anos a saírem da escola à 2ª feira e com tanta coisa para falar escolherem falar de quem saíu dessa casa e coisas desse género. E lá ganhou o António um Zé Maria renascido em quem muita gente se revê, o campónio hipócrita, imbecil e beato, protótipo do português coitadinho.
Um abraço

maria sousa disse...

E quem é que deu por isso? Eu, tu, alguns eles (porque o canal Arte já fora banido de tudo quanto é grelhas informativas - pelo menos escritas.
Lembro-me que vi Direct-Live, por acaso, a versão integral do filme "Metropolis" encontrada nos arquivos de Buenos Aires que vem questionar tudo o que até então fora dito e escrito sobre a obra. Já não é possível dizer que 'foi o primeiro filme de ficção científica'! A verdade é que poucas pessoas terão tido a sorte que eu tive...Nos dias antes da transmissão não encontrei qualquer referência ao acontecimento na nossa imprensa.
E a propósito de honestidade, já reparou que sendo os aumentos de tarifa do canal efectuados na primavera, este ano nos calhou logo o 1º de Janeiro? Quantos meses foram cobrados a mais a cada cidadão utilizador? Ou estarei enganada? Terei lido mal a famosa Newsletter?
E mais: esperva o quê do F.Penim?
Que somos burros...somos! Beijos