sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

"Da Aranha e da Sua Estratégia: a Propósito de um Artigo do «Sol»"


Do "Sol" de 01.10.10 retiro um excerto que merece seguramente alguma reflexão--desde logo a quantos, como eu próprio, não alimentam propriamente já grandes ilusões sobre a sustentabilidade do actual modelo de "democracia funcional" ou "economocracia plebiscitária" socialmente consentida, gerido em regime de co-propriedade e "leasing político" pela dupla neo-liberal "social"/neo-liberal 'hard core', "pê-ésse/pê-ésse-dê"--e chegaram a ver no aparecimento de candidaturas presidenciais aparentemente "de margem" como a de Fernando Nobre não tanto a solução em si para o problema do apodrecimento sistémico do 'regime' mas o possível ponto de partida para uma vaga de fundo capaz de conduzir à mobilização geral que permitisse, por sua vez, encontrar, no debate político sério e a sério, as saídas políticas que o 'regime', só por si, afogado entre Sócrates e Passos Coelhos, Santos Silvas e Rebelos de Sousa e tendo apenas Josés Lellos e Ângelos Correias ou Marques Mendes para oferecer, já não é manifestamente capaz de apresentar.

O excerto em causa permite, em meu entender, como se verá, independentemente daquilo que nele possa haver [e seguramente há] de interesse estr[e]itamente propagandístico, perceber exactamente o tipo de "estratégia da aranha" e/ou perversíssima i/lógica conspiratorial que tem intrinsecamente marcado, de forma persistente, o funcionamento interno do 'regime' desde a "novembrada" restauracionista de '75; o tem envenenado consistentemente por dentro---e evidencia como, de facto, já só com uma verdadeira limpeza integral é possível devolver-lhe alguma saúde básica e garantir-lhe a hipótese de sustentabilidade que, com o tipo de pessoa que, no centro mesmo, o habita--e continuamente manipula, "teleguia"--parece de facto cada vez mais dramaticamente longínqua--senão mesmo, repito, já, de todo, impossível.

O texto a que me reporto pertence ao artigo "Alegre acalma fúria de militantes" [de Graça Rosendo e Helena Pereira] e diz citando José Luís Cardoso, "capitão de Abril" e apoiante de Manuel Alegre, o candidato que, acrescento eu, apoiado ao mesmo tempo pelo "pê-ésse" e pelo Bloco, possui o singularíssimo [e improvável!] atributo de sedear e concentrar em si... a sua própria oposição:

"Mário Soares é 'pai' da candidatura de Fernando Nobre e como viu que ela se revelou um flop vem agora apoiar explicitamente Cavaco Silva.
Para Mário Soares, o mais importante é que Manuel Alegre não vença as presidenciais".

Símbolo para muitos de um "25 de Abril" que, na realidade, é apenas o "24" marcelista cirurgicamente remaquilhado de modo a parecer... mais um aos incautos, há muito que Soares deveria ter sido afastado da cena política no âmbito de um projecto verdadeiramente popular de saneamento e higienização da nossa vida colectiva, cada vez mais urgente e essencial.

A sua, não-tão-nova-como-isso, carreira como possível "pupeteer" do que são, afinal, tudo indica, goradas as esperanças de verdadeira alternativa, "zombies políticos" lançados às canelas da democracia para enredá-la, confundi-la e evitar que ela se "torne finalmente independente" vem ulteriormente demonstrar a urgência em fechar de vez essa mesma "democracia"--este híbrido de autoritarismo e 'economia total' temperada com votos--"para balanço" e reabri-la, uma vez concluído este, com uma "gerência" verdadeiramente nova [e até aqui sempre cuidadosamente evitada] e que é a de todos nós como comunidade, na condição social, económica e politicamente tão natural quanto ideal de principais protagonistas e únicos a[u]tores--com o apoio das forças políticas realmente interessadas em mudar o muito que está mal, na sociedade portuguesa: aquelas às quais não é justo exigir responsabilidades exactamente porque não é possível apontar-lhes cumplicidades de fundo no estado miserável a que o País chegou e que, por isso, justificam plenamente, mais uma vez nestas eleições, a oportunidade que aquele, o País, por excessiva credulidade ou simples inércia, sempre teimou--para sua infelicidade e persistente desgraça, afinal--em negar-lhes.

[Imagem extraída com a devida vénia de artmight-dot-com]

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