domingo, 2 de janeiro de 2011

"Esta Escola Não É Para Velhos?--algumas breves reflexões pessoais sobre um artigo do "Público" sobre o envelhecimento da classe docente em Portugal"


Descubro [no "Público" de 17.01.10, através de um artigo de Clara Viana intitulado: "Educadores de infância são o grupo mais envelhecido"] que há que admita a possibilidade de [e cito] "o envelhecimento da classe docente poder não ser alheio ao insucesso escolar".

É uma "docente da Universidade do Porto", Amélia lopes, quem põe a hipótese.

Fá-lo, como o próprio título do texto indicia claramente, a partir da consideração, sobretudo, dos educadores de infância mas abordando, de igual modo, aspectos dos níveis subsequentes de escolaridade.

Há, no texto, a dado passo, uma reflexão e um aspecto que gostaria de sublinhar com especial incidência: falo da referência que nele é feita à "presença [...] nas escolas de diferentes grupos etários" o que conduz naturalmente à "coexistência não só de formações distintas como de «diferentes concepções do que é ser professor, tanto em termos das metodologias de acesso ao conhecimento preferidas como de visões de autoridade ou de perspectivas sobre a desigualdade e a equidade".

Parecem-me, devo dizer, considerações particularmente judiciosas e relevantes para a compreensão do problema do insucesso escolar, hoje.

É evidente que este se prende com muito mais factores e até mais decisivos do que a acção ou prática dos professores enquanto tal, independentemente das concepções que estes possam ter ou não ter em matéria didáctica, pedagógica ou mesmo especificamente docente, envolvendo as respectivas visões estritamente pessoais ou generacionais de autoridade e/ou ausência dela.

Um desses factores é, como é evidente, a existência ou não de uma ideia temporal, cultu[r]al e política, de "Educação" de que a respectiva tutela fosse depositária e agisse adequadamente copmo depositária e, decorrentemente, redifusora.

Por outras palavras: um desses factores centra-se na questão de saber se existe ou não no país, num certo tempo cultu[r]al e político um projecto educativo próprio reconhecível, negociado ou "socialmente contratado" com o conjunto da comunidade nacional.

Centra-se nessa questão-chave, i.e. centra-se, dito de outro modo, na definição de um modelo estável devidamente consensualizado de utilicidade cultu[r]al para a Educação [não disse "utilidade", em sentido estrito-e-estreito: tive o cuidado e o escrúpulo de dizer, de uma forma idealmente não-redutora: "utilicidade"...] e/ou centra-se, cumulativamente, na designação de pessoas de consolidada competência para geri-lo.

É, de resto, para isso que serve, a meu ver, basicamente, a tutela política da Educação---o respectivo Ministério: para centralizar em si as concepções socialmente em geral aceites de educatividade numa dada sociedade e proceder, em seguida, adequadamente à organização da respectiva estrutura técnica concretizadora no terreno, servindo sempre como agente verticial no dispositivo global de "contratação social" onde as aspirações e anseios sociais das comunidade se convertem organizada e activamente em dispositivo ou aparelho técnico específico concretizador e possibilitante.

Quando se fala [e fala-se muito, fala-se até, não-raro demais!] de autonomia a propósito de educatividade e de Educação é sobretudo, para mim, desta que é preciso falar: da autonomia técnica do aparelho educativo de um país relativamente a todo o respectivo entorno social e até político e, dentro dele, da autonomia funcional das escolas que compõem aquele.

Esta é a autonomia que importa porque é, como digo, cientificamente funcional e só instrumentalmente política.

Claro que, voltando ao texto de Clara Viana e às reflexões de Amélia Lopes, num aparelho educativo existem vários extractos etários entre os agentes de educatividade que são os professores: mas se a tutela não possuir ela mesma uma ideia de educatividade e não souber, por isso, unificar essas visões integrando-as todas na visão colectiva que a comunidade tem e de que ela, tutela, é agente e interventor-operativizador verticial no terreno, é a tutela quem falha e não pode, depois, queixar-se da inorganicidade de todo o dispositivo.

Quando essa descentralidade ou acentralidade de concepções ganha terreno no próprio... terreno sobre a desejável organicidade global de todo o modelo é à tutela que é preciso pedir responsabilidades, seguramente, em última análise não aos professores e [dentro de limites razoáveis de normalidade, como é evidente] não aos valores do respectivo "envelhecimento", como subtitula o artigo: à tutela e aos fundamentos da respectiva legitimidade técnica, científica e, claro, política.

Este é, de facto, um aspecto crucial do problema dio in/sucesso escolar: a in/existência de uma ideia de Educação contratada socialmente com o conjunto comunidade nacional.

Dito de outro modo: o estabelecimento da definição clara de fronteira entre o educacional, o social e o político em Educação.

As comunidades não ficam democraticamente enfraquecidas por, a partir do momento em que se acham encontradas as linhas bases de um projecto educacional, caber aos técnicos que são os professores a condução do processo de concretação técnica dessas mesmas linhas.

Bem pelo contrário, de facto!

É preciso que percebamos todos, de uma forma muito clara, que elas, comunidades, não ficam, ao invés, democrática mas também técnica e cientificamente reforçadas por haver constantes intromissões, supostamente democráticas [como de uma forma absolutamente irresponsável, leviana e absurdamente populista pretendeu fazer uma ministra recente com um "projecto" de "avaliação" que consagrava---é preciso dizer isto com toda a frontalidade---de forma intolerável a emergência do populismo e do mero clientelismo político na Educação] naquele que é o ciclo de concretação especificamente técnica do plano educacional.

Ou seja: o insucesso não tem realmente que ver com a idade ou com os diferentes níveis ou planos de formação dos docentes: tem que ver, sim, com a gestão técnico-politica que dos factores em causa [não] é feita.

Ora, Portugal tem demonstravelmente tido, na Educação, dos piores ministros e ministras de que há memória desde '74.

O nosso é um país que não avalia, de facto, o trabalho de representação política---o que tem permitido que pessoas, algumas delas gritantemente incompetentes, tenham entrado e se tenham movimentado como desejaram e enquanto o desejaram com total impunidade dentro do aparelho educativo nacional maltratando-o e malbaratando-o de forma, algumas vezes virtualmente irreparável, com medidas absurdas e apenas possíveis em resultado da escandalosa inépcia de quem as idealizou e promoveu, comprometendo, em alguns casos de forma volto a dizer, absolutamente irreparável, o respectivo futuro.

Tem-se caminhado consistentemente no caminho do facilitismo e da popularidade fácil através de manobras de engenharia estatistica e mal-disfarçada coacção administrativa sobre os agentes no terreno obrigados a passar a qualquer custo [depois daquela ideia de "indexar" a avaliação dos docentes aos valores brutos de sucesso que configura uma verdadeira chantagem sobre os docentes, todos estaremos recordados do que veio, há pouco, a público em matéria de avaliação dos alunos do ensino obrigatório, ou seja, aquela ideia... "brilhante" de ilegalizar pura e simplesmente o insucesso e de decretar a sua extinção que acabaria por tornar-se, num recuo "estratégico" assustado perante as reacções de indignação,, numa mera "proposta" de reflexão sobre a possibilidade de proceder a essa ilagalização].

Daqui, deste caminho seguido por sucessivos ministérios de simples curiosos e guarda-livros/contabilistas disfarçados à pressa de agentes educativos, resultou que, a breve trecho [e aí é preciso reconhecer fundamento objectivo à reflexão feita pela professora Amélia Lopes] todo um conjunto de docentes, entre os quais, devo dizer, me incluo pessoalmente, formados num contexto de exigência técnica e científica francamente maior, tivessem passado a sentir-se 'operacionalmente desconfortáveis' ecompletamente ultrapassados pelo registo e, em geral, pelo espírito de generalizada permissividade pedagógica, de facilitismo didáctico e, até, no plano da afirmação de formas objectivas de 'autoridade funcional' cada vez mais em "crise" [em crise "teleguiada", aliás, como, atrás, deixo dito, da própria tutela, incapaz de articular satisfatoriamente e sobretudo de harmonizar, de forma eficaz, Educação e anseios sociais e profissionais ou exigências concretas de funcionamento do aparelho económico].

Aí, pois, sim, faz-se sentir, sem dúvida, o peso do factor idade/formação dos docentes exigindo na prática toda uma nova mentalidade adaptada [porque, muitas vezes, ela mesma já formada nelas] às formas de ludicismo típicas de uma "puerocracia" que se instalou no sistema educativo em resultado da necessidade objectiva de torná-lo desejável em si mesmo perdida por completo ou pouco menos como passou a estar a sua utilidade, a mais de um título e em mais de um aspecto, efectiva---mas é preciso, insisto, perceber que ele , o factor em causa, só se torna, em geral, problema exactamente porque, como comecei por dizer também, a falta de verdadeiros conteúdo e substância pedagógicos das sucessivas tutelas assim o têm determinado.

É, de igual modo, essencial que percebamos que a indadptação de muitos docentes "antigos" está longe de significar que sejam eles a estar errados e o modelo no qual experimentam as maiores ou menores dificuldades de integração ipso facto certo.

Na realidade, tudo se passa exactamente ao contrário, isto é, a partir do momento em que a Escola---o paradigma de escolicidade essencialmente pré-industrial ou mais exactamente pré-tecnológica que vigorou entre nós até ao início da década de '70 do século passado---deixou de ser capaz de responder às novas exigências do aparelho produtivo do capitalismo tecnológico entretanto instalado; a partir desse momento, dizia, verificou-se uma clara 'retracção epistemológica e teórica' em matéria de concepções educativas recentradas cada vez mais na própria escola e nas práticas, sobretudo didácticas nela levadas a cabo, como "alternativa" à natureza fundamentalmente propedêutica e formativa que, bem ou mal, ela conseguiu ter antes.

Se não serve para nada, tem de ser "agradável" ou tende a tornar-se pura e simplesmente intolerável.

Há mesmo toda uma Epistemologia [e concretamente uma Teórica] que vêm claramente, a partir, sobretudo, do início da década de '70, utilizando uma espécie de "espuma teorética" de um certo rousseauismo fácil e de sucesso imediato assegurado em socorro desta versão atabalhoadamente "encurtada", "funcionalmente encolhida" da missão formativa anterior da Escola [pelo facto de "formar" para um modelo de sociedade económica, social e politicamente disfuncional, a Escola da ditadura não deixou de "formar" e de ter assegurado para si formas de consonância estrutural com a sociedade em que se inscreveu, é preciso reconhecer...]---uma Epistemologia e uma Teórica onde se integram, desde logo, os famigerados "motivacionismos" que são, no fundo, a arma e o instrumento de eleição e de afirmação da "escolocracia pós-moderna", incapaz de servir para outra coisa que não para "consumo imediato".

Ao contrário da prof. Amélia Lopes, não creio, com toda a franqueza, que Bolonha possa ter um papel verdadeiramente decisivo na melhoria da Educação em Portugal.

E isso exactamente pelo que acabei de dizer, i.e., que o problema não é um problema de pessoas nem sequer, em última análise, da sua formação mas uma questão sistémica de "utilicidade" histórica precisa da Escola e da sua articulação objectiva com a sociedade em seu redor designadamente no que diz respeito às respectivas [e legítimas] aspirações sociais, cultu[r]ais, civilizacionais e até políticas devidamente assumidas---e, claro, expressas.

[Na imagem: sala de aula extraído de billcasselman-dot-com]

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