Há um tipo, um paradigma de posicionamento intelectual e crítico relativamente ao qual a minha [inicialmente sobretudo espontânea e muito instintiva ou muito... instintual [1] devo desde já confessar!] formação marxista me está sempre a avisar, acendendo uma espécie de luzinha vermelha de "alarme epistemológico" no centro mesmo das minhas actividades e dos meus momentos reflexivos e, em geral, conceptualizadores, umas e outros, sempre que o risco de tal ocorrer nelas se torna impendente---que é o da tendência para ceder à tentação demasiado epidérmica e fácil de "categoriar por cima a realidade".
Isto é, de integrar eufónicas, bem soantes, porém, em si mesmas, sempre des/estruturalmente insubstantivas metafisicizações primárias da realidade nas reflexões que sobre esta intento e que assim correm excessivamente o risco de [como dizer?] "sair definitivamente da História (e) do próprio real" para entrarem não assumidamente no "céu da epistemologia" que é o que chamo o "pensamento absoluto" ou a "im/pura mitologia do pensar".
Detesto especialmente os "filósofos" e as "filosofias" que nos falam d' "os franceses" ou d' "os portugueses" como se de categorias arquetipais de uma etnometafísica previa e providencialmente dada por "Deus aos homens de boa vontade" para que estes pudessem arrumar a realidade em gavetas que, se nada permitem perceber realmente do que eventualmente se passa à nossa volta nessa mesma realidade, possuem, ainda assim, a qualidade aparentemente inestimável qualidade [?] de nos deixar bem dispostos e analiticamente, de um modo ou de outro, propensos à generosidade crítica após um lauto "repasto epistemológico e analítico" levado a cabo na solidão crítica e intelectual de uma eliticidade estéril e vã, muito comum.
É no fundo uma espécie de racismo "epistemologicamente glossy" [de "racismo inleccionalmente caviar", como diria um francês] que abre a porta a uma coisa verdadeiramente inquietante que é a reflexionação e a legitimação crítica do próprio racismo a partir de uma astuciosa---e perversa!---"[des] filosofisazação" vulgar.
Faço esta prevenção porque vou precisamente falar... d' "os franceses".
Mas especifico: quando falo [sempre que falo!] d' "os franceses" [ou ' "dos portugueses" ou de outra categoria qualquer da historicidade] falo sempre de uns certos franceses que a História colocou no nosso "prato analítico" para que aqueles de nós que se entretêm com esse desporto das razões e idealmente dac Razão que é a reflexão dita geralmente 'filosófica' os... "trinchássemos criticamente" [eu, em privado comigo próprio, digo sempre, neste contexto, "criticionalmente"...] até lhes expor por completo "os ossinhos de [possível] episteme" separando-os cuidadosamente da respectiva "carne metafísica" com a qual, em geral, nos chegam regularmente... à "mesa das percepções e das intelecções" mais frequentes e comuns.
N' "os franceses", pois, no modo muito particular como protagonizam a sua própria História, aprecio especialmente uma certa "pulsionalidade anarquizadora" sempre muito latente que rapidamente se transforma num lema inexpresso mas sempre também muito vivo no dias-a-dia: "se é proibido, faz-se!"
Um moto que pode chegar mesmo, em "certos casos limite" ao radical: "se é proibido... é obrigatório".
Pessoalmente, acredito que este modo de "habitar a realidade social" advém do facto de os franceses possuirem, de um modo ou de outro, realmente uma História---uma História social que a nós sempre, no limite, nos escapou.
A nós a História, passado aquele período dos municípios de que falam Herculano e Cortesão, sempre nos chegou já feita.
Era um desastre quando imaginávamos ser nós a fazê-la como sucedia com os nossos pogromezinhos domésticos medievais.
A Contra-reforma sem Reforma [e, no fundo, sem reforma---sem hipótese séria ou, pelo menos, fácil de reforma...] constituiu uma tragédia nacional praticamente ininterrupta, neste sentido de que aqui falo, do estabelecimento da Inquisição entre nós até hoje, com o breve intervalo virtual do 25 de Abril onde aflorou, como é sabido, a História [uma História!...] o Portugal que podia ter sido---desde logo, se não tivesse havido "o outro" e se esse "outro" não tivesse naturalmente acabado por vencer.
Não por acaso, o dramaturgo Armando Nascimento Rosa [de quem voltarei aqui ainda uma vez a falar por causa da sua ideia envolvendo a possível existência de um "complexo de Inês"] encontrou num outro texto dramático que construíu recentemente analogias de fundo entre a Inquisiçãso e a polícia ou a "policialidade" política ou num sentido mais lasto, mental do anterior regime.
É que, tal como eu próprio o entendo e tantas vezes tenho explicitado, o "complexo de Inês" encontra-se uintrinsecamente associado a uma ausência persistente e consistente de História que por isso mesmo, i.e., por infamiliaridade crónica, "acabou por se empurrar finalmente a si mesma para fora... de si mesma", acabando no "limbo das conceptuações e das representações" que é o mito.
Quem não aprendeu a fazer socialmente História [precisam-se classes sociais fortes e dinâmicas, organizadas, para tanto e Portugal nunca teve por exemplo, um proletariado que soubesse, quisesse e pudesse---soubesse como---abanar ciclicamente a História---ser-me-á permitido que use neste contexto uma imagem... gustativa ou olfativa eloquente!---"releasing its social and political flavour"] o que explica o seu fascínio com a Morte que no mitário comum que vulgarmente passa por História mental nacional surge, de forma persistente e tópica, como sublimação, consagração [a "sacre"] e glorificação ["reversão neurotiforme"] da própria impotência [a História, para a "portugal-idade média" vulgar há muito que constitui uma espécie de não-espaço totémico ou quadra tribal tabu onde apenas se entra reverencialmente para adorar, nunca para mudar, conferindo aos políticos, de forma natural neste contexto mental e [a] crítico, um estatuto eminentemente sacerdotal onde as tarefas de preparar-nos como sociedade para a "morte social redentora", desempenham, com a ajuda inestimável da tal Contra-reforma mental sem Reforma, um papel verdadeiramente [in] essencial, amplamente documentado, aliás, nas atitudes e modos tópicos do dia a dia.
Não tendo, pois, aprendido a fazer História com a própria História, a sociedade portuguesa vai buscá-la ao mito que é, como se sabe, um 'discurso criticional' essencialmente virado para a memória [o mito é basicamente uma "mnemónica do ser"---e, note-se, que uso aqui o termo "ser" assumidamente no sentido argumentativo e "significado" que, a meu ver, lhe é próprio!]: destina-se a explicar uma espécie de passado comum teticamente matericial dos "esseres" ligado, em tese, à sua origem cosmológica específica, algo que [vou dizer em inglês que é uma língua particularmente eloquente e muito mais "specific and articulate" do que a nossa] "which found its way into the most intrinsecal and inset forms of material structure and consciousness---of structure of consciousness".
Aquela propensão histórica para a Memória explica a razão por que a História de Portugal---a sua História mental, sem dúvida---funciona sempre como uma eterna procura de significado [que a luta social não dá porque não existe ela mesma de forma organizada] fora da incomodidade cognicional e relacional que é a História e o fascínio pela Morte como representação fácil e próxima do próprio Nada---da proximidade cognicional do Nada---que, como em qualquer "neurose que se preze" está condenada a ganhar "sentido" sem sair de si mesma constituinmdo sempre o seu próprio---e, no fundo, único---habitat natural.
Porque, ao contrário, "os franceses" possuem uma História, usam-na naturalmente para pensar e para ser.
Para gerarem imagens e/ou representações estáveis de si e de uma relação possível com ela nas suas formas mais vulgares e comuns.
Nós, "os portugueses", com a História ilustramos sempre uma meta-História, um domínio ritual e cerimionial em maior ou menor escala arquetipal que ela, suposta História, está conenada a ilustrar.
O "complexo de Inês", tal como eu o vejo, é uma neurose que se socializou e historicizou entrando secundariamente na História como uma entidade tangencial ou secante que, no fundo, nos veda o acesso visual a ela.
Com o "complexo de Inês" nunca faremos História porque o complexo de Inês" foi criado exactamente para que dispensássemos, no fundo a História e não precisássemos dela para sermos histórica e até social e políticamente felizes.
Utopizar, de algum modo implícito e já tornado, num certo sentido, natural, a insubordinação, mesmo como acto ou acticidade, sobretudo, simbólicos, como fazem "os franceses", representa, pois, tal como eu próprio o vejo, um sinal de saúde epistemológica que nem um outro lado negro [pétainista, vichisista, "vichysard" e/ou "colabo", "le penista, maupassantiano---da imagem que o autor de "Bel Ami" formulava do "paysan" francês] consegue [felizmente para "a França"!] apagar e, sobretudo, neutralizar por completo.
NOTA
[1] Faço aqui uma outra prevenção adicional relativamente à minha semântica pessoal, por assim dizer.
Considero que existe muitas vezes, mesmo no contexto de uma idiomaticidade muitas vezes conceptivamente opaca, inexpressiva e abstractamente muito imprecisa como é indiscutivelmente a nossa [e eu devo saber daquilo que faço: sou, embora amador, um "linguista" que toda a vida trabalhou com a língua e sobre a língua...] necessário proceder a uma espécie de "limpeza" ou descontaminação sémica da língua excesivamente contaminada por um "querer" [pelo "desejo", por assim dizer] que infecta os termos e os impede de pensarem com a exactidão e o rigor "criticionais" indispensáveis.
Acontece assim, por exemplo, com o verbo "ser" [que contém reconhecível e, até, demonstravelmente à partida já, um ponto de vista "significado" perfeitamente identificável e... "isolável em laboratório crítico", sobre o que prefiro, por isso mesmo, designar por, em vez de "vida", de uma forma idealmente [mais?] objectiva, a "condição essente" dos objectos ou---outra opção de higiene reflexional des-conceptualizadora!---das "objectuações" comuns do real.
Acontece assim com os termos "objectual" e "subjectual", que prefiro a "objectivo" e "subjectivo" [uma verbalização ou categoriação verbalizadora absurdamente dogmática e dual que separa, de forma completamente abstrusa e disfuncional, um suposto "objectivo" de um não menos suposto "subjectivo", como se fosse materialmente possível "cortar o pensamento ao meio com uma faca analítica" e seguir, mau grado isso, a produzir imagens epistemologicamente fiáveis da realidade.
Outro caso, ainda: os termos "vida"---e "bios" ou "vitação".
"Vida" é um termo que valora e subjeccionaliza, significa e, portanto, deforma criticionalmente á partida, de forma para quem ver [e pensar] clara, uma condição estrita [mas não estreitamente!] objectual que é o "esser".
A metafísica, numa palavra, considera a "vida"; eu entendo que a Filosofia em geral deve considerar apenas, ao menos como ponto de partida reflexivo e conceptualizador, o "esser".
Um terceiro "caso", ainda: o que distingue terminologicamente o "objecto" e o "sujeito" do "Objeito" ou "Subjecto", duas expressões que colocam teticamente o pensamento nmum momento anterior à sua "[res]significação sujeccional" pela consciência.
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