domingo, 4 de julho de 2010

"«Arrangiatevi!» ou «Serviço QUÊ de Televisão?...»"


Só quem não quer mesmo ver é que consegue ignorar a linha de desoladora [e sobretudo, preocupante] continuidade que existe unindo, por exemplo, o encerramento a trouxe-mouxe de escolas por esse País fora, a liquidação inimaginavelmente batoteira [traiçoeira porque subreptícia!] dos serviços de Saúde pública, o recurso enconomicamente saloio à pura e simples sistemática drenagem fiscal das classes-suporte da sociedade portuguesa obscenamente utilizadas como bestas de carga de políticas socialmente atrozes de suposto "reequilíbrio orçamental" ["ornamental"?] que mais não são, na realidade, do que selvajaria social pura e simples, sem fim à vista, sem plano, sem... coisa alguma excepto "chico-espertismo" e "inépcia aplicada" elevados a uma escala, de facto, dificilmente imaginável.

É mesmo possível---e analiticamente legítimo!---afirmar que o resultado de uma ela mesma impensável partida de futebol entre o governo português ainda vigente e qualquer réstea ou mera suspeita de inteligência política que manifestamente não tem se salda por um inequívoco score de Economia-0 Orçamento-2/5 que é como quem diz Governo-0 Futuro a Prazo da sociedade portuguesa-uma carrada deles... abaixo de zero...

A linha de continuidade em causa chama-se falência institucional da "democracia simbológica" ou "demomorfia moral" que, entre nós, passa vulgar e, sobretudo, acriticamente por Democracia genuína segundo a qual a incompetência se encontra sistemicamente a coberto de efectiva responsabilização social e política ou mesmo [por que não?] presente ou futura---o que permite a um grupo selecto ou significado de incompetentes de carreira usando como alibi o facto de pertencerem a um partido dito político apoderar-se legalmente do poder, exercê-lo sem precisar de responder minimamente de forma efectiva, real, pelos seus actos, encontrando-se obrigado a fazê-lo apenas de forma insubstantivamente "simbólica" e 'sobre-temporal' [a possível derrota eleitoral no fim de um ciclo de inépcias e atrocidades dificilmente remediáveis entretanto incrrustadas como "fait acompli" no tecido jurídico-político e, em geral, institucional do País] fora, portanto, de um tempo decisional efectivo onde se concentra, porém, realmente o poder.

Só não vê, então, quem não quer que a cega despolítica de achatamento ou esmagamento económico e social da classe média leva direitinha à desarticulação inevitável do mercado e à privação [e inviabilização objectual] de um futuro para o País do mesmo modo que a tosca [a inimaginavelmente rudimentar, a incompreensivelmente primária] anti-política de avençado "encerramento ou desactivação escolar" gradual do interior [encerramento... "por um-dó-li-tá pedagógico"] apenas pode conduzir a prazo à falência de qualquer ideia de ordenamento territorial para já não falar de qualquer política minimamente credível de formação humana do mesmo modo ainda que o que de socialmente criminoso está a acontecer na saúde com [entre inúmeras outras coisas e sinais tão profissional e até civilizacionalmente repugnantes como esses!] aqueles obscenos pop-ups que interpelam os clínicos nos serviços públicos sobre a "quantidade" de exames que já prescreveram aos doentes ["Tem a certeza de que é mesmo necessário?" ou coisa que o valha] ou sobre o preço dos medicamentos que receitam apenas pode conduzir ao "genocídio estatístico, surdo e objectual", à eliminação supletiva de uma parte da população "socialmente incómoda" porque vulnerabilizada e doente...

"Isto" é, numa palavra, um país sem projecto e sem a mínima ideia de si no espaço como no tempo, para além de umas ocasionais "europadas" de circunstância usadas aqui-e-ali para "justificar" a geomendicidade e a "pedinchice sistémica" que desde o insondavelmente sonso soarismo e o neolítico---a medonha idade da pedra---cavaquista que se lhe seguiu vem substituindo, entre nós, consistentemente a necessidade de Política; um país "eurovegetativo", inerme, completamente refém de um sistema supostamente político cirurgicamente des/concebido para legitimar, no plano formal, a disfuncionalidade económico-financeira que obstinadamente lhe subjaz [a perigosa economocracia endo-colonial a que entre nós se chama comummente "economia"].
Agora, no "Público" de hoje, deparo, de repente, com um novo plano onde a cegueira estupidamente suicidária do actual poder económico-político decidiu manifestar-se: no chamado serviço público de televisão [Cf. "RTP-Serviço Público e dinheiros púiblicos (1)" por Guilherme Costa, presidente da RTP].

Em Portugal, o chamado "serviço público de televisão" é uma coisa inimaginavelmente palorda e kitsch que mete Fernandos Mendes e "Preços Certos"; onde abundam as Catarinas Furtados e os seus inomináveis "Danças Comigo" de cambulhada com Jorges Gabrieis e Joões Baiões até vir a mulher da fava rica e todo um inimaginável estendal de saloíce a metro durante manhãs e tardes inteiras por ese país com cada vez menos escolas e pior educação fora.

O seu presidente admite que ele, o tal "serviço", possa não ser "suficientemente distintivo" em relação ao horror da SIC e aos atentados à inteligência [as sonoras mocadas que lhe são diariamente propinadas] e que tão "bem" caracterizam o "estilo TVI-dona de casa na menopausa"...

Admite-o mas "justifica" invocando imediatamente "imperativos contratuais de equilíbrio económico-financeiro", uma semântica pastosamente barroca por baixo da qual se lêem distintamente as palavras "negócio" e "comércio": o "arrangiatevi!" ou "matai-vos uns aos outros que o futuro logo se vê [e de qualquer modo ninguém sabe ao certo se virá!]" que é a "política" habitual dos tais "pê-ésses" no poder com as suas tenebrosas Marias de Lurdes Rodrigues e Anas Jorges ou os seus inquietantes Josés Lellos, Santos Silvas ou Lacões para a Saúde como a Justiça, para a Educação como para a Cultura, em geral.

Se houvesse gente capaz naquele grupo de amigos que chegaram todos juntos e, "comme par hasard", em amena cavaqueira ["sans blague"...] ao poder em Portugal ["birds of a feather", diria um inglês...] já teria percebido que em Saúde em Educação ou em Justiça ou Política Cultural---e é para fazê-la que se justifica haver um serviço público de televisão!---é preciso discernir com lucidez, esclarecimento e competência o que é despesa e o que é investimento, ou seja: o que é Política e o que é Orçamento.

Eles, claro, não sabem---por isso [e, se calhar, para isso, também!] lá estão e lá se mantêem, com as suas visõezinhas de anóes políticos consolidadas, muitas vezeas, em universidadezinhas suburbanas com cursinhos tirados no "Lidl" e revendidos à dúzia no "Pingo Doce" ou coisa no género.

Se soubessem teriam há muito já percebido que tal como não há, de facto, mercado com golden shares saídas à última hora do bolso do poder político [como o quinto e o sexto ases da manga do batoteiro...] não há serviço público com contabilidasde de merceeiro ou de padeiro.
Uma televisão-serviço não se faz para ter lucros, para andar com os livros de contabilidade à frente de tudo---que é como quem diz: não se fez para ter imediatamente audiências maciças e concorrer [ou, pelo menos, não... des-concorrer esmagadoramente] no mercado comum do "lixo visual".

Um serviço público de televisão fez-se para, a prazo, reduzir o espaço de consumo da lixarada que hoje passa triunfalmente por "conteúdos" televisivos dos inomináveis mamarrachos ficcionais da TVI às não menos inomináveis xaropadas televisivas que são a marca de água da SIC.

Um serviço público de televisão é, basicamente, no imediato, uma ideia não um negócio nem um comércio: o seu sucesso não se mede pelas leis [ou pela i/lógica] im/puramente "peseteira" e "argentócata" de um e de outro: um serviço público de televisão é basicamente um programa de formação idealmente objectivado de públicos que visa a criação de um mercado cultural [ou, pelo menos culturalmente distinto do de hoje] que possa, a pazo, funcionar autonomamente como as culturalmente miseráveis audiências de hoje mas com exigências de "consumo" incomensuravelmente maiores e melhores.

Ora, essa ideia deve ter expressão programática demonstrável---e respeitável.

Deve ter música musicalmente credível, teatro teatralmente considerável, cinema cinematograficamente respeitável.
Deve ter quem discorra sobre todos esses temas, acompnhandfo com dignidade, i.e. sem demagogia ou retórica o processo de formação dos públicos ideiais do futuro: quem saiba fazê-lo e, com substância e consistência técnica e comunicacional mas que saiba igualmente ir mobilizando as audiências para cada um deles: polarizando-a em torno das várias componentes e manifestações de Cultura.

Deve estar, por isso, integrado numa política cultural consistente e articulada que não se liite a fechar escolas "porque têm, primeiro, dez alunos e, depois, vinte" ou por qualquer outra razão... "pedagógica" igualmente "credível" mas que emane de uma Escola pensada por quem sabe fazê-lo e com quem pode fazê-lo, para a sociedade civil através de um dispositivo de "roldanas institucionais" que priviligie a tanto a pró- como a inter-actividade sistémica e constante entre a Escola e toda a envolvente social.

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É areia de mais para a "camionete" de um qualquer Sócrates formado à pressa numa suposta universidade que, por acaso, até teve de ser encerrada à força [ainda que, suponho, não por essa razão...] ou para qualquer Corín Tellado para adolescentes, como digo algures, "com mais buço que aquilo-que-a-gente-sabe noutro lugar"?

Ah! Pois é! Mas é precisamente por isso que pô-los de vez com caixas se torna cada vez mais imperativo e urgente!
Agora, cuidado: que não seja por outra 'coisa' qualquer que venha, afinal, a revelar-se tão má ou ainda pior que esta!...


[Imagem extraída com a vénia devida de yourdemocracy-dot-net-dot-au]

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