terça-feira, 13 de julho de 2010

"Sobre a Ideia de Cristianismo"


Começo por aqui: assumidamente, não sou cristão.

Não sou "Cristão".

Ponto final.

E, no entanto, sou-o [terei começado mais ou menos tardia ou mais ou menos ulteriormente a ser cristão] quando, algures no dealbar de uma natural 'idade da razão' estritamente pessoal e autónoma, pude finalmente começar a sê-lo.
Eu---não os outros em mim.

Eu---não uma construção im/puramente ficcional e absolutamente estática que pretendeu utilizar-me e à minha legítima autonomia intelectual, crítica, cosmovisional para reafirmar-se na História, numa História que não era seguramente a minha, desde logo em consequência desse ponto de partida criticional, invertido, que adoptara à partida para existir ou seguir existindo.
Porque há 'Cristianismo' e 'cristianismo'.

O "meu" é decididamente o segundo, o cristianismo com minúscula, o cristianismo como "hipótese de existencialicidade objectual e subjectual", isto é, como método de abordagem crítica ou criticional ampla do real, como "grande para-dialéctica ou epi-dialéctica subjeccional" incondicionalmente aberta à Objectualidade i.e. ao Tempo, ao exterior da consciência e nunca como mero "sistema", entendidocomo uma âncora impossível dessa e para essa mesma Objectualidade concebida, por sua vez, sempre no quadro de um projecto absurdamente distópico de aprisionar o Tempo por inteiro na "consciência", diluindo-o aberrantemente nela e tornando-o de algum modo invisível', «criticionalmente invisível» nela.

Tornando-a a ela própria invisível em si mesma.

A velha 'questão' da «historicidade» [ou da «historialidade intrínseca»] do cristinanismo i.e. da sua, em meu entender, desejável e potencialmente fecunda «crítica imanência» vs. a sua, por seu turno, «criticionalmente estática e inerte, completamente imóvel» "transcendência" não faz para mim o mínimo sentido: todo o cristianismo é idealmente «imanente».

Mesmo para os «transcendentalistas" de origem---ou "de escola"---deveria, no limite real, sê-lo, no sentido exacto em que a "transcendência" devesse estar obrigatoriamente vinculada, como 'pressuposto de escola' à necessidade angular de passar forçodamente a «imanência» a fim de ganhar secundária porque para-dialecticamente sentido, ganhando antes «dimensão» ou «mensurabilidade humana» [e, sobretudo, humanista!] como pressuposto incontornável de, chamemos-lhe: "existenciação ultimativa---e efectiva".

Nesse sentido epi-dialéctico [dialectizante] móvel e estruturalmente [estruturacionalmene] aberto, a tradição cristã 'virou em mim' cristianismo.

A minha consciência ou inteligência do real ancorou [angulou, verticiou, mesmo] no património Cristão pré-existente daí, partindo daí, então, "à Voltaire" mas também "à Sartre", para uma leitura organizada---possivelmente orgânica, também---da própria História e/ou, num plano mais abstracto, da Realidade onde aquela se 'fixa' e de que ela é "objectuação especular ou especulada", "especulacional", específica e particular [ou «particularizadora»/«particularizante»].

O Cristianismo é uma linguagem, uma forma útil de «consciencialidade» e de «conscienciação inteiramente móvel do real»: o Cristianismo "puro" ou "Cristianismo absoluto" dos "teólogos"; o Cristianismo como modo de fechar hermeticamente a História à crítica e à própria consciência---ou à conscienciação de si e... do "si"---é uma verdadeira "aberração criticional", um projecto de des-historicização assistémica das sociedades e das civilizações à qual devemos alguns dos inteleccional, 'civilizacional' e humanisticamente piores momentos da própria Humanidade.

O 'Cristianismo' em si, ninguém verdadeiramente o duvidará, configura um universo ficcional similar a tantos outros que as comunidades humanas constroem a partir das pulsões filogénicas funcionais ou funcionantes de que a "consciência" vem naturalmente provida.

Conhecer---"cognoscer", como prefiro dizer---é uma «componente funcional ínsita de vitação», como digo numa improvisada semântica pessoal: "cognoscer" é seriar funcionalmente as impressões sensíveis pondo-as ao serviço dessa mesma mesma «vitação» necessária que informa todos os "seres" ou "esseres" existentes.

Se há "lei" estável do esser ou do que chamo "a condição essente" básica ou primária da matéria, é... o próprio esser transformado numa qualquer consciência estável ou estabilizada [primária, secundária, etc.] de si.

Quando consideramos teoricamente a génese filobiogénica do "esser" somos forçados a perceber como "ser é um dever ínsito estrutural/estruturante da matéria".

Todo o "ser" está organizado, de forma estrututural e estruturadamente natural, para ser.

Todas as formas de "solidariedade aparente" ou "aparencial" ligadas secundariamente à consciência do ser radicam nesse princípio absolutamente fundamental, nuclear, atómico até, que é, no limite, indissociável do próprio "esser" como tal e também como expressão particular e própria, necessária ou "necessitária", funcional/funcionante de si.

Aquilo que uma linguagem [uma sintaxe mais do que objectualmente um léxico] um «idioma criticional» como o cristianismo fornecem é a possibilidade de fazer comunicar entre si e consigo um conjunto de "formulações utilizantes" naturais ou instintuais, "ecológicas" ou "ecoformes", da consciência transformando-as num código comum que confere, por sua vez, fundamento [«substanciação fundamentante» ou «fundamentacional»] às diversas formas secundárias, terciárias e por aí fora de "societação biomórfica".

Pretender utilizar um idioma como um absurdo conhecimento em si tem muito pouco ou nada a ver com «Conhecimento».

É, porém, exactamente o que faz o "Cristianismo dos teólogos" que não utiliza o cristianismo como um modo de realizar histórica ou objectualmente, o esser mas, pelo contrário, de tentar de forma inteiramente disfuncional e absurda projectar a ficcção de uma super-realidade constante e intemporal sobre a própria realidade, impedindo que formas verdadeiramente operativas de realizar a ecologia do ser e da própria possibilidade concreta de transcendendência [de transcender ou "transcendentalizar"] ocorram naturalmente na História.
[Na imagem: Salvador Dali, "A Última Ceia"]

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