Inquietou-me mais do que me surpreendeu o texto de Pedro Lomba, hoje, no "Público" ["A política de emergência"] onde se 'exuma' uma peregrina ideia desse sabidíssimo, eterno 'homenzinho político' que é Paulo Portas envolvendo a exigência da demissão dos [aliás, muito indigestos e cada vez mais intragáveis] Sócrates e companhia limitada e a consequente formação de um governo [mais um "de salvação nacional"?] PS-PSD-CDS.
Ao que parece, o "argumento" primário [em si mesmo, muito... primário, aliás!] da "coisa" [que Pedro Lomba, na crónica em causa, repesca ou, como disse, "exuma" praticamente intacto] é a velha-e-relha peça do argumentário situacionista democapitalista que pretende que "circunstâncias extraordinárias justificam [e mais do que justificam: «exigem» e «legitimam»!] soluções igualmente extraordinárias".
Extraordinárias, diria eu, nos vários sentidos do termo um dos quais inclui obviamente a acepção mais ou menos lateral de "bizarro", "singular" ou mesmo... "que não lembraria ao diabo himself" que é aquela que, em meu entender, melhor se aplica no "caso" em... causa...
Claro que Portas vale o que vale e as [chamemos-lhes] ideias com que regularmente vem à colação pôr-se em biquinhos de pés para... chegar à política, geralmente... nem isso.
Aliás, eu penso sinceramente que hoje já pouca gente [tirando a população de uns quantos lares da terceira idade do interior do Portugal Profundo] já ninguém tem pachorra para Portas nem para as ideias dele...
Hoje-por-hoje, Portas é assim uma espécie de virus, no fundo, benigno [a sua evidente in-significância pessoal e política a isso o obriga] que veio, um pouco ao acaso ou aos baldões da fortuna [da nossa desfortuna colectiva] parar ao computador da política e que os respectivos usuários [não confundir com "eleitorado" e muito menos com "Cidadania"...] deixam lá ficar exactamente porque, no fundo, até tem graça a gente dizer aos nossos amigos que o nosso computador tem um virus qualquer e, de qualquer modo, sempre dá um motivo de conversa com esses mesmos amigos quando todos os assuntos verdadeiramente importantes e sérios se esgotaram já.
Não é, pois, Portas e o seu astuto projecto virtual de "neo-governo de salvação nacional", nem sequer é Passos Coelho a quem a "coisa" já faz marketing [a quem ela faz, como se diz para os petiscos de casa de pasto, "boca para o verdadeiro jantar"...]; a quem ela dá, para já, algum jeito enquanto a Taluda do governo a sós não lhe cair de vez no colo ou, ainda menos, o esgotadíssimo Sócrates que estão realmente em causa aqui.
Passos há-de ter o "seu" governo, Sócrates [mai-la sua corte de incompetentes profissionais] hão-de, por sua vez, ver o deles cair finalmente de podre não faltará já muito e Portas há-de andar por cá, a cheirar, aqui-e-ali, onde quer que haja carniça ou perspectiva mesmo remota dela, até que "a terra trema" ou coisa que o valha---e as duas primeiras ao que tudo indica muito em breve...
Não!
O que está aqui, para mim, em causa nem sequer é o texto de Pedro Lomba [aqui entre nós que ninguém nos ouve, eu quero lá saber do Pedro Lomba e mais dos artigos dele mas enfim!] mas são, de facto, duas coisas que, se observadas com a atenção e o cuidado que justificam, dizem bem do "regime" que temos hoje-por-hoje entre nós, desajeitadamente mascarado de Democracia.
Primeiro essa ideia fantástica que está implícita nas coisas todas que citei de que a "democracia é um sistema magnífico para gerir a normalidade do próprio 'regime' mas que, logo que as coisas se complicam a sério, deixa de ser aplicável e tem de ser camufladamente ou não suspenso: 'estrategicamente suspenso'".
Disse-o com aquele... jeitinho, aquela "esclarecida doçura" e aquela branda [e l(eg)uminosa!] subtileza de raciocínios e argumentos que invariavelmente caracterizaram cada um dos vários consulados "de chumbo" M. Ferreira Leite [na Educação, nas Finanças, 'you name it'...] quando se referiu à "necessidade" de "meter na gaveta" a democracia até aquela que é a casa cívica e política de todos nós, o País Público, ser posto em ordem mínima pelo... contrário da própria Democracia que é o despotismo [supostamente) "esclarecido" trazido por um iluminado qualquer"---e dizem-no regularmente os periodistas e editorialistas "do regime" quando advogam a "urgência" de mais uma das tenebrosas maiorias "absolutas" [essa versão soft, tipo "autocracia plebiscitável" ou "absolutismo referendário", da ditadura impura e simples, entidades sem as quais, para esses iluminados de carreira não há, afinal... democracia].
É uma ideia [é isto uma ideia? Boa pergunta!...] que arrepia---esta de que a democracia [tem, como a Cinderela...] uma "irmã feia mas útil" que a ajuda na sombra, sem dar o rosto, assim como quem dissesse: "Está bem, pronto! Ter uma democracia é óptimo, dá um sainete incrível dizer 'lá fora' que a temos---e até mostrá-la em vernissages políticas 'de luxo' "à la page" como aquelas inomináveis "séances" do Parlamento dito Europeu...---mas, depois, temos mesmo de "trabalhar" e para tanto de mandar as crianças para a cama a fim de que os adultos o possam fazer sem serem incomodados e/ou interrompidos"!
Espantosa ideia [para não lhe chamar outra coisa pior...] sem dúvida, pois, esta que pretende que a única forma de «inteligência política e até histórica» realmente "salvadora", eficaz ou até simplesmente possível "vem de cima", "hermeticamente fechada" em 'frasquinhos de esclarecimento providencial' chamados "políticos" que são, na curiosíssima «visão» que, da vida pública, da vida colectiva dos povos e das sociedades, da inteligência [e da autonomia intelectual, dos direitos básicos, das pessoas, também, 'last but not least'!] possuem todos estes "teóricos profissionais" para quem, na "coisa pública", "en cas de malheur" [leia-se: "en cas de... Sócrates", neste "cas"] só resta às sociedades esperarem que os "adultos" façam finalmente, um dia, "o seu trabalho" e para quem "os povos só atrapalham" embora fique mal, como outrora era possível aos ditadores «genuínos» fazê-lo, admiti-lo aberta e/ou publicamente...
A mim, 'horroriza-me intelectualmente', insisto, esta visão expressa ou implícita da i/lógica de movimento da História---e da Política "dentro dela".
Esta que diz que "pode perfeitamente haver, no fundo, História sem povos [com povos indiscriminados, em que a identidade cívica e mental desses mesmos povos pode ser arbitrariamente substituída por outros, completamente iguais na sua fatal in/essência] mas, em caso algum, sem líderes iluminados" e que [é a segunda coisa a que comecei por aludir; a segunda, "fantástica", ideia que me propus trazer hoje aqui à colação, como diria aquele impagável "objecto mental e político" que é Ângelo Correia] essa coisa de os povos estarem proibidos de "mexer na Política e na História para não as estragarem" que é, todavia, para mim, vou já adiantando, a única real hipótese de evitar que "elas se definitivamente estraguem ", que elas "azedem e apodreçam" entregues a Sócrates, Passos, Portas e quejandos.
Porque a partidocracia é isso mesmo e é ela que contamina e infecta mortalmente a nossa vida pública há muito.
Ora a partidocracia combate-se---e idealmente evita-se!---recorrendo a sistemas de administração e gestão das formas concretas de vida pública em que sejam uma realidade [e um pressuposto básico] de qualquer daquelas entidades a atenção e a activa vigilância sociais, devidamente institucionalizadas, uma e outra, em dispositivos de intervenção política em tempo real que façam com que o poder político i.e. o verdadeiro poder, nunca mude de mãos no processo de "contratar social e políticamente", confundido, de forma acidental ou premeditada, com o respectivo, simples, exercício instrumental que é o que passa, nas verdadeiras democracias onde quer que elas se encontrem, de facto, das mãos das sociedades para as dos respectivos 'representantes políticos'.
A diferença clara entre "poder" e "exercício objectual ou instrumental do poder": eis aquilo que substancia e fundamenta a verdadeira democracia constituindo o autêntico "específico democrático", a "pedra democrática filosofial" que todos fingem procurar mas poucos desejam realmente encontrar.
Que um tal Passos e meia dúzia de espertalhões profissionais habilmente disfarçados de "socialistas" [com ou sem esse "contrapeso falante" que é Portas] se ponham de acordo para "endireitarem o país" que ajudaram "à-vez-à-vez" todos eles, de um modo ou de outro, a... "entortar" eis o que a mim não me podia ser mais indiferente e alheio!
Eu quero lá saber do indigesto Passos Coelho e das suas inomináveis "propostas" tão pomposas quanto matreiras, concebidas para acabar o que Sócrates começou!
Quero lá saber dos "pê-ésses" e dos seus "joguinhos de sobrevivência" pessoal e sectorial que passam, se for preciso, por cortar a cabeça ao próprio "chefe" durante o longo sono deste se tal for exigido a fim de manter a "barraca dos seus interesses próprios" aberta ao público e a funcionar!
Quero lá saber de Portas ou da carreira pessoal de Cavaco [que também aqui, muito clara e muito mal-disfarçadamente se joga, connosco pelo meio, "comme enjeu" e como diria um francês].
A História não é Cavaco, nem é Alegre, nem é Passos Coelho, nem é outro qualquer do mesmo talante: a História não é um 'activo nominal' nem um morgadio que circule apenas entre auto-designados "morgados" ou grão-vizires e classe sacerdotal exclusiva.
A História são os povos, as sociedades, as pessoas---conscientes todas essas coisas dos seus legítimos interesses colectivos e das formas de assegurá-los no concreto.
Ou seja: são os políticos que servem as sociedades e não as sociedades que servem os políticos.
São as sociedades quem legitima os políticos e não absurda e monstruosamente o contrário.
A História e a Política não podem ser um Guignol em que uns puxam fios e a sociedade mexe e outros se acham sempre na fatal condição de terem de esperar que os titeriteiros "de serviço" agitem os dedos para que elas possam legitimamente aspirar a agitar-se também.
Já basta de Guignol e de lógica ou ilógica de Guignol!
Se querem ser "providenciais" e assumir o pomposo estatuto de "categorias de um pensar e de um agir políticos eternamente situados para além da vontade legítima dos povos e da própria História"---que diabo!---ao menos façam como o Salazar: assumam-no e admitam-no... lealmente que é para a gente saber com que é que conta!
Da Ópera ao Guignol vai, afinal, parafraseando a canção, o "passo de um [a]não"...
Que pode ser ou [a] não o próprio Portas...
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