Como diz um amigo meu: "A Europa? A Europa são bifes e entrecosto bem passado!... Para mim, com salada se faz favor."
Na sua rudeza caracteristicamente... alimentar, a frase [e a ideia que ela contém implícita] possui ordem e indisfarçável fundamento.
Repito-o noutro lado: a Europa não pode ser o que considero constituir de facto [e cada vez mais de direito---o que ainda é mais preocupante!] um paradigma económico-financeiro profundamente des-igual [ou melhor: des/estruturalmente des-igualitário] que desemprega cíclica e, sobretudo, sistemicamente, quantidades verdadeiramente maciças da sua população [vejam-se os os inimagináveis quase 25% de uma Letónia que supostamente fugiu do socialismo para a liberdade e veio encontrar... isto]; paradigma esse solidamente "aparafusado" no centro de um sistema pretextualmente social e apenas muito funcionalmente político, provido de "um mero revestimento politiforme móvel" eternamente infixo [in/essencialmente infixo---um "pays où l'on arrive jammais das instituições...] com a curiosa característica de ser, "par dessus le marché" uma inexistência... sempre adiada.
A Europa é "uma questão de propriedade" e uma questão de "centralidade".
É uma questão de saber se as pessoas existem não apenas pela economia mas de facto [e---pior ainda!--- de direito] para a economia ou a economia para elas.
No centro da realidade teórica, filosófica e, depois, consequencial e naturalmente prática, concreta.
É uma questão de ciência, uma questão epistemológica, também: a figura teórica do "cidadão funcional" obrigado por lei a "auto-suspender estrategicamente" direitos básicos penosamente adquiridos em séculos de História a fim de possibilitar o afttermath de cada "crise": a figura teórica do cidadão que aceita por contrato social [e até supostamente civilizacional, também] submeter as leis naturais a leis puramente administrativas ou para-políticas com valor determinante constitui uma aberração absoluta que nada nem ninguém pode credivelmente justificar e legitimar, seja à face de que suposta "ciência" ou improvável "ciencialidade" seja.
A "Europa" economocrata obsessivamente argentária de hoje é uma construção feita em exclusivo por grandes patrões da indústria pesada e da finança à revelia das elites culturais e intelectuais europeias que poderiam conferir-lhe o "educado respaldo" e sobretudo a expressão crítica, filosófica verdadeiramente desejavelmente humanista que lhe faltam por completo, na sua forma actual.
As leis que produz incansavelmente reflectem essa génese---e esse pecado original.
Pretende-se gnoseotópica ou a caminho da Gnoseotopia [a que chama "sociedade do conhecimento"] e não sabe usar nem a ciência nem o pensamento científico que a fundamenta e possibilita.
Ou melhor: sabe usá-lo mas não de forma consistentemente democratizada e, por conseguinte, verdadeiramente democrática; sabe usá-lo mas guarda-o ciosamente para si---utiliza-o na produção contínua de capital por meio dos produtos da qual compra um determinado modelo de ordem económica, social e política que é o que, na realidade, ameaça hoje-por-hoje chegar ao termo.
A Europa sem aspas é, volto a dizer, uma 'questão de propriedade'.
Ninguém se sente vinculado a um país que não tem quanto mais a um continente que ainda tem... menos.
De cujas leis não beneficia a não ser se aceitar contra-natura oficiar ao Deus-sistema com todas as implicações de ordem administrativa e político-jurídica que o... ofício em causa pressupõe.
Que nem sequer conhece fisicamente porque a "Europa" distribui a riqueza que produz de uma forma tal que havendo países como Portugal em que metade [!!!] da população vive [?] ou na pobraze im/pura e [nada!] simples [vinte por cento] ou em equilíbrio logo acima da linha de água [trinta por cento] a possibilidade de viajar para o estrangeiro é a que facilmente se adivinha...
É preciso explicitar que, quando se diz que a Europa [e a própria vida, de um modo que é geral mas que é também específico] é uma 'questão de propriedade' aquilo de que eastyamos realmente a falar é de duas coisas:
-do que Marx e os marxistas designam em geral por os meios de produção [dos quais um conjunto estratégico de sectores-chave deve ser ou deve permanecer, nos cada vez menos, casos em que ainda o é como bem colectivo, rigorosamente protegido mas também escrupulosamente fiscalizado---fiscalizados os seus usos sociais, económicos e políticos e, de um modo geral, a sua gestão colectiva] a fim de garantir que a economia permanece, por seu turno, globalmente em condições de servir aceitavelmente a sociedade mas, de igual modo,
-as formas de meta-propriedade [ou de meta-proprietação] de "ulteriorização significada do capital": os juros, os interesses, os lucros da "produção" do próprio capital cuja redistribuição pelo conjunto da sociedade deverá passar a constituir uma variável pura dentro do quadro económico, social e político devendo, muito clara e muito reconhecivelmente, constituir um primeiro estádio ou um primeiro momento no processo idealmente contínuo de ressocialização possibilitante do próprio modelo económico e, por conseguinte, do paradigma social e político, civilizacional, que ele deve obrigatoriamente, em todos os casos, possibilitar---e servir.
Ou seja: qualquer tarefa de [a meu ver, desejável, imprescindível mesmo!] socialização futura da propriedade terá de começar por aí, por essa "coroa periférica" continuamente reintegrável do regime económico, do modo de produção, que deve, em meu entender, mudar não apenas substancial mas de facto [e de direito---de Direito social e político!] substantivamente de mãos a fim de reequilibrar socialmente um sistema por definição des-igual.
Devo acrescentar que não rejeito nenhum destes dois pontos nem substituo um deles pelo outro.
A meu ver, toda a propriedade, à semelhança do que se passa na natureza, possui uma ecologia própria e específica e, deve, nas sociedades humanas, constituir, por isso, sempre, em todos os casos "teóricos", uma variável dentro do sistema exactamente porque, à semelhança dos modelos naturais onde se origina a sociedade, é suporte e não obstáculo de vida.
De "Bios" ou "Vitação", como prefiro chamar-lhe.
Aquilo que eu creio é que as formas modernas e até... "pós-modernas" de Revolução muito mais do que pela "Umsturtz" ou derrube violento do sistema devem passar, queiramo-lo ou não, por aqui, i.e. pela reformulação sistemática, sistémica mesmo, teórica e prática, a partir de dentro, pois, do modelo económico, promovendo a compreeensão clara de cada uma das suas componentes e do modo como elas operam no quadro, percebendo exactamente como elas podem ser reutilizadas de uma perspectiva verdadeiramente social, abrindo caminho a formas avançadas ulteriores de fazê-lo.
É uma tese?
É sobretudo uma proposta que faço.
[Na imagem: fotograma de "O Couraçado Potemkine" de Serguei Mikailovitch Eisentein]
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