sexta-feira, 16 de julho de 2010

"Público e Privado" [Notas, apenas]

Abordo hoje, aqui, um texto de José Manuel Fernandes, ex-director do "Público", dado à estampa nesse mesmo jornal a 16.07.10.
Faço-o fundamentalmente por dois motivos, de resto, estreitamente ligados entre si: primeiro, porque nele estão, expressa e até implicitamente, consagrados alguns equívocos de natureza política extremamente comuns envolvendo o cada vez mais impropriasmente chamado Estado Social os quais, por isso mesmo, por assentarem num conjunto de equívocos particularmente graves e notórios, urge trazer a debate e pôr a nu; depois, porque, exactamente pelo facto de o texto se fazer eco [e vibrante "advogado", aliás!] de alguns deles, aparece-nos como constituindo um excelente ponto de partida para o necessário debate que refiro no ponto anterior.
Vejamos, então:
O primeiro equívoco do texto começa logo por consistir na admissão implícita feita pelo artigo de que o errático e invulgarmente inepto actual poder político em Portugal, hipocritamente auto-designado de "socialista", representa o tal "Estado Social" assim como no dar pacificamente de barato que ele não só, pois, o advoga como, na respectiva prática política em concreto, o defende e pratica.
Ora, de facto, no mínimo dos mínimos, falta provar que o que temos hoje em Portugal seja um Estado social.
Sucede que, a realidade, não temos.
Temos [ou tivemos até há pouco: hoje, provavelmente, com o pretexto da "crise", já nem isso realmente teremos] um Estado, um modelo de estado que

-foi já praticamente, no seu todo, recuperado da socialmente generosa função original que o marcava de integrar e manter íntegra e económica e socialmente orgânica a sociedade onde fosse implantado a fim de operar instrumentalmente como recapitalizador sistémico dos mercados que o próprio modo de produção ia desgastando e regularmente, na prática, inviabilizando através da sua política tópica de "desigualitarização sistémica" ou melhor dizendo: "assistémica".
Este representa, de facto, um papel verdadeiramente fulcral não apenas no 'desenvolvimento' objectual senão que na própria possibilitação material contínua do capitalismo enquanto tal.
De facto, um dos mitos que ele propala como "justificação" para a "desigualitarização estratégica" ou "sistémica" sobre a qual assenta é que "cria riqueza".
A burguesia chegou, aliás, historicamente ao poder com este "argumento" de que, possuindo ela os "meios de produção social de conhecimento", sabia como nenhuma outra classe económica, social e política, transformar a realidade-em-si em "valor".
Ora, esta é apenas parte da verdade:
Ou seja: ela possuía efectivamente esses meios mas
a] "esqueceu-se" de falar sobre o modo como ia redistribui-los, uma vez produzidos;
e
b] "esqueceu-se", sobretudo, de dizer que a "produção" do que ela chama significadamente "valor" consome, segundo o seu próprio modo particular, tópico, de produzi-lo, doses maciças [entre as classes não-possidentes desses mesmos meios] de «ausência ou carência significada e estratégica» dele, isto é, daquilo a que chamo "carencialidade possibilitante", ou seja, dito de outro modo ainda, sem a implantação e a generalização políticas e político-jurídicas de valores de "carenciação funcionante" sem a qual é impossível que o conhecimento, na forma de técnica e tecnologia, gere segundo o programa ou projecto capitalista, "valor".
primária
-um Estado bombeiro ou funcionalmente social [válvula de segurança social e política do próprio sistema e dispositivo contínua---de facto, sistemicamente---poassibilitador do próprio paradigma económico-financeiro que sem essa "almofada de segurança" teeria já há muito previsivelmente implodido];
-um Estado justificador do modelo económico-financeiro infra-estrutural: papel ancilar da democracia formal [ou caridade institucionalizada, caridade significada ou dirigida]
-um Estado agência de empregos para as clientelas políticas médias, altas e até baixas.

Aliás, ao contrário do que J.M.F. defende sabe-se perfeitamente o que é, nas suas linhas gerais, o neo-liberalismo: é o capitalismo total ou economocracia, dele se podendo dar uma definição teórica sum´+aria porém essencialmente esclarecedora.
É a "sociedade inversional": o sistema económico-financeiro instrumentalmente político ou 'politiforme' em cujo seio se operou uma inversão de referências estruturais e estruturantes sistémicas, ou seja, aquele em que os papeis relativos da economia e da Política foram objecto de uma inversão/subversão total de papéis e relevâncias relativas.
Na realidade, para o neo-liberalismo [e isso bassta na essência para perceber-lhe as linhas básicas determinantes] numa sociedade a infra-estrutura económica capitalista constitui a constante de que a falsa] política intervém como variável [como "variável funcionante ou possibilitadora"].
Tudo o mais que o neo-liberalismo estavelmente é ou aparenta ser decorre dessa inversão/subversão nuclear.

2º falta provar como se pode garantir que há verdadeira concorrêncioa entre o público e o privado.
A ideia é estimular reciprocamente ambos os sectores, i.e. utilizar um como acicate estrutural do outro.
A verdade, porém, é que aquilo que a observação e o próprio senso comum permitem dizer é que, não sendo on próprio Estado socialmente neutro, a tendência é para as forças sociais e económicas que controlam globalmente o privado, sejam quem faça realmente eleger o Estado e, depois, o use naturalmente na forma significada de Estado "broker", recorrendo ao argumento autenticamente fatal de que a economia [leia-se: a economia privada] é o motor de toda a sociedade e da própria História.
Aliás, o próprio J.M.F. admite implicitamente a subsidiaridade de facto do Estado relativamente à economia privada

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