quinta-feira, 15 de julho de 2010

"Algumas Reflexxões Sobre O Mito e a sua Necessidade"


Num projecto que alimento há algum tempo e que se prende com a minha ideia ou a minha tese de que é [teórica ou teoreticamente, ao menos] possível especular sobre a possibilidade de se encontrarem correspondências [admito em hipótese que seja mesmo possível encontrar sistemas ou teorias de correspondências] estáveis entre a maioria, senão a totalidade, das representações humanas de natureza abstractamente cultural e mesmo cultual e o mundo físico; i.e. de que a cultura, de um modo geral, possui toda ela um "chão" ou limite material que constitui a respectiva explicação e fundamento e de que ela constitua uma espécie de estado gasoso esquecidio das suas origens materiais e/ou físicas; no projecto em causa, dizia, integra-se a minha hipótese de que o motivo extremamente corrente da 'idade de ouro' comum a diversas culturas constitua a expressão de um saber de natureza insitamente genética, atómica, molecular sedeado na própria estrutura física dos indivíduos, operando estavelmente, para além da própria 'consciência' destes, como um eco estável da própria desintegração fundamental que está na base das mais diversas formas do que designamos vulgarmente por 'realidade'.

Isto é, que, por exemplo, aquilo a que chamamos a "idade" possa representar o eco material---a expressão "fractal", um "report" microcósmico...---da desintegração objectual da realidade em geral, iniciada com o big bang.

A minha hipótese é que haja nos seres em geral a capacidade, como atrás avanço, atómica "Significada", para exprimirem de acordo com a respectiva aptidão para se exprimirem fenomenicamente a dor que está na origem do próprio universo material, o qual, tal como eu o vejo, muito mais do que uma entidade que "cresce" e se "desenvolve" ou, de um modo ou de outro, "evolui", como, em geral, pensam as filosofias e a maioria [pelo menos...] das religiões na realidade se "des-integra" e "des-constrói" a partir de um "passado astronómico teórico", o "big bang", que funciona, de facto, como "o único futuro de que a realidade é capaz".

A minha hipótese é que, a partir do instante teórico da emergência do universo se inicia um processo de expansionação ou desintegração contínua do mesmo da qual, se observássemos crítica e analiticamente o processo da forma adequada, deveria derivar a conclusão natural [eu diria: mesmo inevitável] de que tudo está, afinal, ao contrário na nossa percepção comum e, em geral, na nossa ideia de realidade.

Deveríamos, por exemplo, concluir que o universo se afasta continuamente de si e, ao fazê-lo, vai perdendo, não menos continuamente, a memória não completamente física mas, com certeza, mental, 'consciencial' do respectivo fundamento ou fundamentos reais.

Vai seguramente perdendo a capacidade para evocá-la consciencialmente i.e. para traduzir em percepcionalidade ou percepcionação consciente adequada algo que o corpo como tal ainda "sabe" ou de que ele ainda "se lembra"---e que exprime, desde logo, de forma muito clara, através da idade na qual eu vejo a expressão ou o eco "fractais" da des-integração do próprio universo e da realidade em sentido amplo, lato]

A idade é, do meu ponto de vista, a expressão individual, fractal, da dissipação do próprio real no seu todo.

Algures na estrutura somática dos indivíduos [é essa estrutura somática que faz a ponte real entre o indivíduo e a própria realidade como todo, não a "consciência" que foi nele "implantada" a posteriori e que, afinal, o separa da própria lógica constitucional e composicional da realidade genericamente considerada]; algures na estrutura somática dos indivíduos, dizia, existe, em tese, a informação que envolve um processo de ruptura global comum a todos os seres e "esseres" que compõem a 'realidade', iniciado no instante teórico do nascimento do real, a partir do qual se inicia a dissipação contínua e irreversível desse mesmo real.

A minha tese diz que a "cultura" dos indivíduos está obrigada pela própria estrutura somática dos mesmos enquanto parte intrínseca da realidade comum a expressar-se de uma determinada maneira e não de outra e que a persistência do motivo da idade do ouro ou do paraíso perdido nas múltiplas formas e variantes que ele assume está longe de constituir um acidente, sendo que, exactamente ao invés, configura uma necessidade.

De facto, a realidade---toda a realidade---é ruptura e "dor".

O "Nada hipotético" que a precede é violentado pela emergência da matéria; o nascimento do real [continuamente repetido nos inúmeros nascimentos, inclusive humanos, que povoam a fenomenicidade desse mesmo real] teve de ser subvertido e admissivelmente destruído para que a matéria pudesse formar-se.

A origem do real é inimaginavelmente violenta, demonstravelmente traumática.

A própria expansão/dissipação do real é sentida de múltiplas maneiras por muitas formas de matéria [e a partir de dado momento da própria "consciência", também, desde logo na forma da percepção de uma perda de "senmtido" para o próprio real] como "dor" sendo que a estrutura global do universo procura, como é sabido, atenuá-la e conservar-se orgânica, renucleando e/ou ecoando-se a si mesma nas diversas «anisotropias funcionantes» que a dissipação global acarreta e implica.

É natural que, privada do seu fundamento material, da respectiva "explicação" e fundamento, a consciência, através do seu «pendor» mais persistente e mais tópica, mais «significadamente mitificador» [no qual eu vejo concretamente um discurso lógico e, repito, necessário que perdeu, todavia, a sua própria chave ou o seu 'centro'] se ache compelida a dar voz a esse espécie de "ânsia atómica" ou de "nostalgia ou saudade molecular" de organicidade e coesão que, no plano concreto, encontram o seu verdadeiro possível objecto e a sua "sede" nos próprios momentos anteriores ao 'nascimento' da matéria quando a amatericidade hipotética anteriormente [in?] existente deu lugar a àquela ou se rompeu para possibilitar a emergência dela.

Em resumo: eu vejo na Cultura uma espécie de saber incompletamente "descentrado" e "gravitacional" em termos do seu próprio verdadeiro sentido [que se encontra fora de si, na própria natureza ou estrutura necessária da realidade, como disse---é essa, pelo menos, a minha tese] ou, para utilizar uma linguagem freudiana: eu vejo na Cultura um conteúdo imediato [que é o mito ou fábula em si e um conteúdo latente que é o que faz dela um verdadeiro saber cuja chave se acha para além da consciência, insisto, naquilo que em nós existe que verdadeiramente nos liga ao real como todo.


[Na imagem: Rrné Magritte, "Resistência e Liberdade"]

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