Começo por um texto de José Vítor Malheiros no "Público".
Um texto interessante, aliás, com data de publicação de 13.07.10 intitulado "As elites, as massas, a excelência e a necessidade de democracia" onde é---breve e até, de algum modo, marginalmente, embora---retomado um antigo 'mito' [senão mesmo o aberto dissídio ideológico e político, uma das linhas-chave de fronteira] entre a Esquerda e a direita em matéria de acesso, no caso específico abordado no artigo: de acesso à Educação mas, na realidade [a Educação é apenas um deles] aos diversos 'serviços' propostos pelo [e constantes do] chamado 'Estado social' moderno.
É preciso dizer que, ao falarmos de 'acesso aos serviços do Estado social moderno' aquilo de que estamos realmente a falar é da própria essência do Estado democrático moderno como "redistribuidor angular" de justiça social, económica e, claro, política---i.e. em termos mais amplos, de 'definição' teórica, conceptual: do Estado social como "vértice operante e estratégico estável de res/socialização" e, por conseguinte, de "societação" e de civilização [ou de "civilizacionação"] por um lado e de um grave equívoco em matéria ideológica e especificamente política, por outro: aquele que envolve a "confusão" comum entre oportunismo táctico e/ou mero "democratismo funcional" [de que Bernstein---os vários Bersnteins e até Kerenkis que por aí pululam---são o a referência "arquetipal" histórica, tristemente 'perfeita'] e genuína condição ou posicionamento intelectual e, obviamente, ideológico e político de Esquerda e/ou Democracia tout court, por outro.
Quando José Vítor Malheiros fala, por exemplo, de uma "esquerda" que, segundo ele, se "envergonharia" de patrocinar a emergência de 'elites' nas sociedades onde existem e actuam as Esquerdas não se percebe [não fica claro---ainda que a culpa não seja do articulista, como é evidente: trata-se precisamente de um velho equívoco "útil" e até "estratégico" dos bernsteinianos, que permeia para o pensar e epi-pensar social, em geral] se aquilo de que estamos a falar é mesmo a Esquerda, a Esquerda séria e intelectual/epistemologicamente idónea [embora, reconheçamo-lo lealmente, a latitude efectiva do conceito tenha já, em si, muito 'que se lhe diga' mas enfim...] se dessa espécie de... "coisa" 'desportivamente mental' e 'pretextual, astutamente epi-ideológica ou para-ideológica' que, ainda não há muito, São José Lopes, verberava noutra edição do mesmo jornal, a propósito de um espectáculo recente de 'circo político verbal' chamado comummente 'jornadas parlamentares' do partido no poder, onde estão, aliás, sedeados, alguns dos piores e mais funestos "Bernsteins" da cepa indígena, como se sabe.
Porque efectivamente a Esquerda séria, a Esquerda-com-maiúscula e dignidade epistemológica, ideológica e política própria não tem vergonha [não tem qualquer, mesmo remota, razão para tê-la!] de suscitar e mesmo de induzir a emergência de elites ou do que chamo 'vanguardas dialectizantes' nas sociedades onde existe---e opera.
Pelo contrário: as sociedades humanas só existem realmente através da contínua provocação-estimulação e, de um modo mais geral, das "rupturas funcionantes"; dos espaços de "conscienciação estratégica activa" introduzidos no seu tecido pelas vanguardas ou elites orgânicas geradas nas suas instituições e exactamente por ela, Esquerda, cometidas a essas tarefas de re-vitalização contínua e, sobretudo, orgânica das sociedades e da própria História, como tal.
O problema, em meu entender, não tem que ver com a existência de elites mas com [a] o modo como elas se formam na sociedade, por um lado e [b] com a maneira como elas se relacionam organicamente [ou: como elas se relacionam organicamente ou não] com o conjunto da sociedade onde se integram [ou não...] e, no limite, com a própria História.
No plano estrita [mas não estreitamente...] académico e escolar onde o situava José Vítor Malheiros, o equívoco relaciona-se directamente com a noção [muito natural e muito amplamente manipulada pela direita que é, essa sim, por vocação 'elitista'] de "igualdade" ou "igualitarismo".
Um conceito ou uma "conceituação" que a direita gosta de arrancar do seu contexto e do momento exacto em que a ideação "igualdade" se situa no contexto do pensar de Esquerda, em geral---[não] admitindo nós aqui, longe disso, que haja apenas um...---colocando-o, ela direita, por 'espertalhonas' razões "tácticas" suas, "um pouco mais à frente", de modo a parecer que é seu papel histórico, disfuncionar o conjunto das instituições e até da própria História como tal.
Um conceito ou uma "conceituação" que a direita gosta de arrancar do seu contexto e do momento exacto em que a ideação "igualdade" se situa no contexto do pensar de Esquerda, em geral---[não] admitindo nós aqui, longe disso, que haja apenas um...---colocando-o, ela direita, por 'espertalhonas' razões "tácticas" suas, "um pouco mais à frente", de modo a parecer que é seu papel histórico, disfuncionar o conjunto das instituições e até da própria História como tal.
Ora, a igualdade para a Esquerda---para "a minha" Esquerda que é a marxista, sem dúvida---não representa---não é!---exacta e até fatalmente um axioma e uma forma de metafísica re/introduzida à força na História mas, exactamente ao contrário, um instrumento dinâmico, dialéctico, de justiça e/ou de "justiciação" económica, social e política, situado no "início da História" de modo a poder esta eficazmente tornar-se a si mesma social e políticamente possível como efeito ou como resultado [não intrusão e contaminação espúria] de todo um processo que é complexo mas que é, sobretudo, racional, humano democrático e justo.
Para a Esquerda, a igualdade é, com efeito, um conceito estrutural e estruturadamente dialéctico e como tal não oprime nem reprime não apenas as sociedades e as pessoas dentro dela como, no limite, a própria História: não funciona, ao invés do que pretende malevolamente a direita co, como digo, deslocá-la camufladamente de lugar para se parecer com um inimigo da própria História, como um modo de opressão e de repressão apócrifos desta.
É exactamente o contrário disso que sucede, repito.
No plano escolar, especificamente, não se trata de "igualitarizar" forçadamente rendimentos e modos pessoais ou até colectivos de atingi-los: trata-se, isso sim, de descondicionar económica, social e politicamente o acesso àqueles [rendimentos e modos de alcançá-los] devendo, uma vez criado esse quadro, devidamente institucionalizado, de condições prévias de democraticidade ínsita e orgânica, a emergência de elites [das mais diversas elites ou vanguardas que as sociedades são capazes de gerar e de produzir---é preciso dizer que 'gerar' e 'produzir' não são exactamente a mesma coisa mas enfim] processar-se sem interferência [sem "opressão" e sem "repressão"] espúria do "político" no "técnico" ou do "político" sobre o "técnico".
Não se trata, pois, de "decretar" forçada e até, no limite, forçosamente a igualdade em todos os estádios do processo mas muito claramente de possibilitar e fundamentar estrategicamente a igualdade, algo que está, de resto, na própria essência ou nos próprios "genes", na estrutura-património "de episteme", do Estado Social Democrático moderno.
Numa Educação democrática ninguém é, insisto, "obrigado por lei a ser igual": a biodiversidade e a própria realidade como tal possuem leis que as leis políticas não podem, sem grave deturpação da saúde epistemológica das sociedades e até das civilizações, interferir de forma tão gratuita quanto de facto anticientífica.
Numa Educação democrática, aquilo que todos têm é o direito a aceder, por via institucional, à própria igualdade---a toda a igualdade de que, em si mesmo, cada um é capaz de atingir.
Por isso, a verdadeira meritocracia e até, idealmente a "sociedade gnoseotópica" a que ela, de forma [igualmente ideal e/ou "horizontal", i.e. como "horizonte de societação e de historicização", chamemos-lhe assim, pelo menos] conduz são democráticas e são de Esquerda.
Por isso, a verdadeira meritocracia e até, idealmente a "sociedade gnoseotópica" a que ela, de forma [igualmente ideal e/ou "horizontal", i.e. como "horizonte de societação e de historicização", chamemos-lhe assim, pelo menos] conduz são democráticas e são de Esquerda.
Concluindo: não vejo por que dificilmente explicável "razão", a Esquerda, que assim pensa, devesse "envergonhar-se" de gerar vanguardas e elites: não é verdade que o faça.
Se o fizer democraticamente e de modo democraticamente estratégico na forma de um processo em que a igualdade é pressuposto e não corpo estranho na relação dos indivíduos e das sociedades por eles formadas com o conjunto da realidade, só têm é de orgulhar-se disso e considerar o seu papel dinamizador e fomentador da "justiciação orgânica" das sociedades humanas e da própria História em geral como estando a ser normalmente cumprido.
"Normalmente" quer dizer: "com toda a normalidade".
A questão, insisto, não é essa, não está aí.
Está, sim, muito clara [e também, muito gravemente!] na confusão que se encontra mais ou menos generalizadamente estabelecida entre uma Esquerda séria e idónea e uma sonsa e astuta "esquerda funcional" que, da História apenas pretende que se mantenha rigidamente imóvel, acorrentada a um modo de produção de que ela "deve", sempre, ser vista como funcionando na condição de "revestimento politiforme" eternamente in-substantivo e eternamente móvel---como um dispositivo de "justificação" e "legitimação" instrumentalmente "político" de um paradigma infra-estrutural económico e economocrata subjacente a todas as áreas e sectores que compõem o social e a verdadeira direita de que tal suposta esquerda é "filial", dócil [e "útil"!] instrumento ou alfaia e mero "broker"...
[Imagem extraída com a devida vénia de simonbrader-dot-blogspot-dot-com]
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