sexta-feira, 30 de julho de 2010

"«Fim da História» ou «Vértice Civilizacional»: Breves Reflexões Pessoais Sobre a Crise Económica"


Começo por um texto de José Manuel Fernandes, no "Público": tem data de Março de 2010 [19.03.10] e intitula-se "Este PEC devia chamar-se DEC. De decadência".
O tema é o que o título tão directa [senão tão rebarbativamente] começa logo por enunciar: o chamado Plano de Estabilidade e crescimento da dita União Europeia.
Sobre este muitas coisas haveria a dizer em matéria de hesitações, arbitrariedades e dificilmente explicáveis contradições---e J.M. Fernandes [honra lhe seja feita!] diz algumas delas.
Não que é quase impossível a alguém com um mínimo de bom senso dizer.
Para mim, no texto do ex-director do "Público", mais uma vez, o problema não é a o diagnóstico: são a terapia---e a [suposta] "cura".
Mas já lá vamos, já lá vamos...
Para já fiquemo-nos por algumas [eloquentes] citações:.
Primeira: "O PEC é mau e perpetua a mentira em que temos vivido porque não enfrenta---se bem que também não ignore---o nosso principal problema: não somos capazes de crescer. O país está estagnado há uma década, bastando recordar que o PIB per ccapita em 2009 ter-se-á situado, a preços constantes, ao nível de 2001. No quinquénio de Sócrates, o crescimento médio do PIB quedou-se nos 0,1 por cento, isto é, em nada. O PEC, mesmo assim, prevê um crescimento médio de um por cento em 2010-2013, o que está no limite superior do optimismo, mas não deixa de ser anémico. Mais: com os cortes que o PEC prevê no consumo e no investimento público é duvidoso que mesmo esse valor pouco ambicioso possa ser alcançado, sobretudo porque a Europa toda está a querer colocar as contas públicas em ordem e dificilmente a procura externa para as nossas exportações compensará a dieta interna.
Segunda: "Na verdade, o PEC, por falta de ambição estratégica, consagra um ciclo vicioso: como o Estado não pode endividar-se mais, corta no consumo público e, no que toca ao investimento, este diminuirá".
Sobre o amadorismo, o voluntarismo e sob diversos aspectos a incompetência demonstrável [e demonstrada!] de Sócrates e Ca. Lda. estamos conversados.
Os factos---e os números---falam por si [e José Manuel Fernandes aponta alguns bem graves er bem preocupantes.
Sócrates é um piloto de cacilheiro que está perdido se o obrigarem a sair do conforto estático da linha recta que separa o Terreiro do Paço de Cacilhas--- precisando, já agora, sempre de ver ambos ao mesmo tempo... "para se orientar".
Os seus em regra inomináveis ministros não ajudam, claro, mas Sócrates como Santana Lopes não pode aspirar a mais---nem melhor: onde "o outro" tinha a improvável Seabra e mais toda uma coorte cujos nomes piedosamente já todos esquecemos tem ou teve "este" os Pinhos, as Rodrigues, os "Jamés", as escritoras pedo-pimba de rabo alçado, promessa fácil e risinho tolo.
O problema não é esse: o problema é obviamente mais fundo.
Que Sócrates não é homem para gerir dificuldades [resta saber se o faria de forma minimamente competente o ex-aluno da Independente a quem devemos algumas das mais criativas---e voláteis---autobiografias oficiais assim como alguns dos mais definitivos exemplares da arquitectura "bosta de mamute"]; que Sócrates, dizia, seria sempre o pior remédio contra os problemas é pacífico; a questão, porém, é: sê-lo-ia objectiva, materialmente alguém?
Continuando a citar José Manuel Fernandes.
Terceira citação: [...] como o Estado não pode endividar-se mais, corta no consumo e no investimento público e, no que toca ao investimento, este diminuirá para níveis historicamente baixos, o que traduz o abandono de qualquer estratégia keynesiana, tão defendida ainda há algumas semanas; como, mesmo assim, o nível da dívida já é muito elevado e o peso dos juros também, procede-se a privatizações para tentar, com receitas extraordinárias, travar a espiral de endividamento, mas esquecendo que alguns dos compromissos das parcerias público-privado só caem depois de 2013, quando já não haverá nada para vender; como, mesmo assim, o peso do Estado não diminui, aumentam-se os impostos e os encargos associados à criação de emprego, assim comprometendo uma retoma pelo lado da economia real".
Ora, para mim, desta análise [difícil de refutar nas suas linhas básicas] resulta difícil não se ser forçado admitir, ao menlos em tese, que se terá chegado [entre nós mas não só entre nós: "há por aí Grécias" em graus e para gostos variados, pelos vistos...] a um "cul-de-sac" estrutural em cujo contexto Sócrates não passa de uma piada de mau giosto mas sem verdadeiro peso ou relevância.
Há muito que venho, com efeito, defendendo que a chamada [ou chamável] "economocracia democapitalista pós-industrial" é uma espécie de aviãozinho completamente dependente que só consegue levantar voo e operar [sobreviver] se por perto andar [devidamente camuflado para se confundir o mais eficazmente possível com o próprio mar...] sempre o "porta-aviões Estado" para i-la reabastecendo e, assim mantendo, a ficção imediata da respectiva autonomia.
Ou seja: a função 'neo-burguesa' do "Estado [dito] Social" não é, na realidade, a generosa e solidária função de humanizar continuamente um sistema---o capitalista---des/estruturalmente des-igual [e socialmente disfuncional]; a função do referido modelo de Estado ou de "estaticidade prática" e até, de alguma forma "teórica" [Keynes tê-lo-á, afinal, em última mas real análise, "dito" de outro modo] para além de conservar através de diversos planos de "subsidiação funcional" o modelo económico-social políticamente tolerável e, portanto, objectivamente possível, desempenhava cumulativamente esse outro papel essencial de recapitalizar um mercado que o próprio modelo a funcional normalmente ciclicamente desequilibrava e comprometria.
Tão simples quanto isto: o Estado dito Social sempre esteve politicamente "ao lado do sistema", para o qual foi, durante décadas, um excelente [um capital e indispensável] investimento ou reinvestimento funcionante destinado, pois, a evitar a implosão social e política do próprio modelo, como tal.
Keyns não é senão o "reinvestimento teorético" neste duplo princípio funcional sobre o qual assentou "en fin de partie" a sobrevivência material do paradigma democapitalista ocidental que, com o uso funcional do Estado "roubou a História ao socialismo" [ao de Marx e do marxismo] e foi conseguindo, "tant bien que mal" conservar a respectiva "propriedade" ao longo de décadas.
O que está a suceder hoje são tão-somente contradições [objectualmente insanáveis mas também "fatais"] do próprio modelo de apropriação da realidade do democapitalismo industrial, primeiro, e pós-industrial-tecnológico, em seguida.
Este, com efeito, ao converter o conhecimento numa forma de, primeiro, propriedade [foi o seu argumento histórico e político básico para "comprar legalmente a História" à aristocracia, no final do século XVIII] e, depois, num capital [num proto-capital e/ou matéria-prima chave no processo de re/produção contínua de capital] operou um verdadeiro corte epistemológico nessa mesma História ao reduzir progressivamente [até ao limiar da disfuincionalidade, de facto] o papel estrutural e nuclear do capital variável [a tecnologia transformava-se automaticamente em capital fixo e era imediatamente investido na produção sem passar pelo Homem] o que vtrouxe como consequência inevitável a cisão teórica e prática da ideia de indivíduo ou cidadão.
Isto é, se a burguesia entrou na posse da herança histórica porque pôde argumentar que dispunha do poder de transformar a realidade em valor que a aristocracia perdera, os sectores não-possidentes, o proletariado, foram autorizados a entrar nela devisdo à única forma de propriedade de que dispinham e quie era essencial, indispensável, para fazer funcionar a economia e, por conseguinte, a própria História: a força de trabalho.
Esta comprou-lhe um lugar na História mas não foi a única coisa que o fez: ao lado desse papel crucial de produtor, existia uma segunda "função" dos indivíduos e da sociedade que era a de se converterem naturalmente em mercado, reciclando, desse modo, o investimento feito em salários e subsídios ditos "sociais", quando e onde passou a havê-los.
E passou a havê-los exactamente por isso: para operacionalizar continuamente o sistema, roubando-o ao mesmo termpo ao socialismo.
Ao integrar historicamente o saber na História na forma de propriedade privada e matéria-prima básica no processo de 're/produção significada' de capital, o sistema económico-político, roubando de passo "espaço funcionante" ao indivíduo produtor, "dissociou ou des-integrou teoreticamente", digamos assim, o conceito de "indivíduo", de cidadão, ao pretender aproveitá-lo continuamente como mercado, mas dispensando-o a montante como produtor.
O peso "desmesurado" do Estado de que fala Fernandes no seu artigo nasce sistemicamente daqui, desta necessidade angular de recuperar a ecologia do modelo, do modo de produção, posta continuamente em causa por ele próprio ao "voluir" naturalmente.
O mito de que o Estado social é "generoso" e paga com crescentes dificuldades a sua "desinteresasada generosidade" não passa disso mesmo: de um mito que apenas é possível conservar vivo na "cultura" do capitalismo moderno e pós-moderno porque este conseguiu já "comprar" no essencial as elites pensantes do sistema por si formado [entre as quais elites se encontra aliás, o autor do artyigo que comecei por citar, José Manuel Fernandes, o autor do artigo do "Público"].
O mito sobrevive à custa da incapacidade de grande parte das forças de Esquerda [encurraladas e mantidas "em respeito", "at bay", por uma Idade Mídia onde só os grandes grupos económico-financeiros voltaram a ter voz pública audível] para gerarem elas mesmas uma cultura consistente e extensiva assim como uma inteligência da realidade própria e verdadeiramente audível.
A velha ideia não-expressa de "cidadania funcional" que permitioa manter as sociedades, de uma forma geral, orgânicas ["funcionalmente orgânicas"] perdeu com todo este processo de "enclosing estratégico" dos bens, da propriedade, que vem, numa certa "forma significada", desde a Revolução Industrial inglesa; essa velha ideia geralmente não-expressa, dizia, perdeu naturalmente substância e fundamento.
Como eu costumo dizer: para o capitalismo passou a representar um luxo verdadeiramente incomportável possuir uma sociedade".
O problema é que sem sociedades não há mercado e, por conseguinte, deixa de haver sistema.
Este autêntico corte epistemológico introduzido pelo democapitalismo trecnológico na ideia de "indivíduo" está pressupoasta mas eloquentemente reflectido noutro texto que quero aqui citar, este outro, do "Expresso" de 26.06.10 [Cf. Henrique Raposo, "Fadas socialistas"] onde o autor se insurge, de forma veementemente escadalizada, contra a "loucura" do que chama o "princípio da proibição do retrocesso social".
Por que digo que no texto de H. Raposo se reflecte este "corte" de que atrás falo?
Porque ao admitir que as leis da própria natureza podem [e devem!] no limite submeter-se às leis circunstancialmente políticas do sistema, dependendo sempre a felicidade e o bem-estar económico, social, político, cultural, etc. dos indivíduos secundária e decorrencial ou instrumentalmente do do próprio sistema económico-financeiro como referência fixa da máquina social; ao admitir implicitamente tudo isto, dizia, o autor está, afinal, a dizer tudo o que há para dizer e saber sobre as bases conceptivas, filosóficas ou filosofantes, teoréricas, de episteme sobre o próprio sistema como tal.
Não se trata, já, pois, "apenas" de dividir ao meio o conceito de indivíduo, separando artificial, exógena e absurdamente o "produtor" do "comprador", bno contexto de uma visão da realidade que surpreende pelo absurdo: agora, está cumulativamente em causa obrigar o homem biológico a submeter-se ao homem político [ao "homem sistémico"] dizendo-lhe que só pode, por exemplo, alimentar-se ou vestir-se quando o sistema lho permitir que o mesmo é dizer: quando o próprio sistema, pela voz de um Direito próprio cada vez mais naturalmente exigente, se declarar a si próprio "alimentado" e "vestido".
"Os senhores reformados" exigem a "loucura" da "sacralidade das suas reformas", conhecendo nós o valor médio das "sagradas" reformas em causa?
A "matemática" nega-o e los governos mais não devem fazer do que conferir expressão política a uma matemática "de classe" que, pelos vistos, das leis da natureza percebe muito pouco...
Mas eu comecei por dizer que concordo com o diagnóstico [o de Fernandes e sob vários aspectos este de Raposo, no "Expresso", também].
Concordo, de facto.
O que refuto são a interpretação que a eles se segue---e as "curas" propostas.
A interpretação porque, da minha perspectiva sistémica e humanista pessoal o que está, efectivamente, em questão não são politicas ou soluções "assistémicas" de natureza descontextualmente política.
Em resultado do processo de proprietarização e de consequente capitalicização do conhecimento e da respectiva disfuncional "entrada significada", política, na História e na realidade em geral o que está em causa é o próprio modelo como tal.
É ele que não tem saída sem recuos radicais dificilmentre pensáveis [envolvendo a "des-industrialização estratégica" e/ou a "descientificização ou desautomação significada" de partes importantes de si e a reintegração do Homem na realidade produtiva em vez dos actuais esboços impossivelmente para-keynesianos de que fala---para excluir a respectiva possibilidade objectiva hoje, Fernandes no seu artigo---envolvendo injecções selectas de dinheiro através da subsidiação de um "não-proletariado" ou "desproletariado in/orgânico" [de modo a mantê-lo vivo na economia e... morto ou, pelos menos, adormecido na política] que o sistema está, pela sua própria natureza específica, fatalmente condenado a gerar.
A subsidiação comprou durante muito os dislates teoréticos como os sobressaltos materiais de um sistema in/essencialmente disfuncional e, por definição, disfuncionador.
A chamada União Europeia com os seus vários Sócrates, Barrosos e companhia não parece ter outra "solução" para a situação económico-financeira gerada para além de recorrer a uma contabilidade de merceeiro e a uma política ou políticas de sapateiro incapazes de, como nota Fernandes, ver um palmo adiante do nariz, confiada na falta de capacidade efectiva das esquerdas para explicarem com recurso aos respectivos intrumentos teóricos e analíticos o que realmentre--o que sistémica e civilizacionalmente---se está a passar?
Isso é evidente!A resposta de todas essas forças sistémicas de que José Manuel Fernandes ou Henrique Raposo são porta-vozes nunca ultrapassa o fechamento histérico ulterior [como nota Fernandes] ou o surrealismo existencial [quando não a irrsponsabilidade intelectual e o despudor puros e simples, no caso do "alegremente liberal" "Expresso"].
À sua maneira aparentemente distinta, porém, ignorando os verdadeiros fundamentos da "crise", o que ambos fazem é, no fundo, tentar "endireitar a sombra da vara"---e nem sequer muito reflectidamente e muito bem, aliás...


[Imagem extraída com a a devida vénia de paperblog-dot-com]

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