Não leio usualmente o "Correio da Manhã".
Não o faço desde que percebi que tinha entrado, algures aí atrás, no século XXI e descobri, ao mesmo tempo, que ele, pelos vistos, ainda não.
Hoje, todavia, calhou trazê-lo para casa: vinha agarrado a um filme que adquiri e só já em casa dei por isso.
Folheei-o, pois.
Sabia mais ou menos ao que ia por isso nem me incomodei muito com o desfile de medievalismo e miséria humana sobre os quais assenta, afinal, a chamada "democracia" em Portugal fielmente retratada na publicação em causa: às vezes, dá mesmo jeito, como diria o meu tio Wilfred, "to go paper slumming" para reencontrar a confrangedora e brutal realidade portuguesa, sempre convenientemente por contextualizar, por enquadrar económica, social e politicamente e sempre tão hábil quanto pudicamente escondida nas discursatas sibilinas do Dr. Cavaco [anda por ali muito Cantinflas, ham?!...] nos delírios retóricos e pseudo-políticos do tal Sócrates [qual será dos quatro irmãos Marx o que lhe escreve aquilo?...] e, neste caso, nos artigos caracteristicamente... "gore" do tal "Correio".
Bom, mas voltando a este, que foi o que aqui me trouxe hoje: na última [era bom, não era?...] página da coisa de hoje, descubro um texto de um engraçado de serviço, talvez o "cómico residente" do jornal, um tal Pereira Coutinho que, dissertando sobre a "questão" da Educação Sexual nas escolas portuguesas, escreve, a dado passo, investindo irado contra Eduardo de Sá que terá algures afirmado que a "questão" em causa não se põe, de facto e que "a educação sexual nas escolas é algo que não merece discussão": "aqui temos o pluralismo e a abertura de diálogo que define os especialistas na matéria".
Eu não sei se Eduardo de Sá é especialista na "matéria".
Aqui entre nós que ninguém nos ouve, eu até nem se Eduardo Sá é especialista em alguma coisa.
Melhor: eu nem sequer sei "o que é um Eduardo Sá".
Agora, o que eu, como professor, pergunto é: mas a que raio de "debate" se estará o tal Coutinho a referir e que "diálogo" pode ele ter em mente?
"Debate" sobre quê e/ou com quem?
Com ele, Coutinho?
Com os outros Coutos e Coutinhos todos que por aí possa haver e que, porque leram uma vez um número das Selecções onde se ensinava a mudar fraldas a adolescentes "malcriados de carreira" ou porque costumam "ouver" as homilias piedosas da D. Fátima Lopes, especialista em "tudologia televisiva", já se julgam habilitados a discutir o que quer que seja que diga respeito a uma coisa de que, afinal, "toda a gente" sabe falar que é a Educação?
Oh! Dr. Coutinho: ouvidos para quê?
Para lhe pedir licença para Educar?
Para o senhor lhes dizer como fazê-lo?
Por amor de Deus, homem!
Fala o senhor de "distribuir pénis de esferovite" e "vaginas de contraplacado" pelo... "rebanho" [sic] "com o simpático propósito de ensinar 'afectos".
Que grande confusão vai nessa cabeça, criatura!...
Quem é que lhe disse que a Educação sexual é sobre afectos?
É que se lhe disseram, disseram mal.
A Educação Sexual é um saber como outro qualquer, homem.
Quando lhe ensinaram Filosofia, por exemplo, Kant ou Hegel disseram-lhe que o senhor havia de ser kantiano ou hegeliano?
Se lha ensinaram como deve ser, transmitiram-lhe, com certeza, as linhas básicas do pensamento de Kant e Hegel [ou Platão ou Leibnitz ou Descartes] e deixaram-lhe a liberdade de "usá-los" como quiser: a Educação filosófica é isso, homem!
É---como qualquer outra forma ou modalidade de Educação---o conhecimento mas é também a inalienável liberdade de usá-lo, inteligente mas sobretudo [lá está---e o pleonasmo, aqui, é perfeitamente intencional!] livremente.
Quando lhe ensinaram Inglês, uma das disciplinas que eu leccionei durante anos na desgraçada Escola pública nacional, não o obrigaram a ler o "Guardian" , o "Economist" ou... o "Times" da Cochinchina: deram-me a possibilidade de ler---de saber ler!---um ou todos eles e mais os outros que, por esse mundo fora, se publicam em inglês.
De fazer as suas própria opções de leitura.
A Educação é isso, criatura!
E é porque muita gente que não percebe o que quer que seja de Pedagogia ou de Didáctica [nem tem de perceber: por isso e para isso é que existem cursos específicos, próprios, que formam professores como outros formam médicos, advogados ou arquitectos] mas a quem [por autênticos analfabetos e cretinos de profissão e irresponsáveis de carreira...] é dada a possibilidade de perorarem publicamente ex-cathedra sobre qualquer aspecto ou pormenor dessas ciências; é por isso, dizia, que em Portugal a "questão" da Educação na sua vertente sexual permanece ainda hoje, como se estivéssemos numa espécie de Idade Média mental e/ou intelectual teimosamente residuante que por uma qualquer razão, perversa e malsã, para mal dos nossos pecados, se tivesse afeiçoado aos "nossos" ares ou à nossa comida, um estúpido tabu e um monstruoso dogma cuja teimosa ausência dos curricula escolares nada e ninguém é capaz de explicar racional e inteligentemente pela simples razão de que não tem explicação nem racional nem inteligente!
Mas tem vítimas!
Tem a persistência do SIDA, tem as gravidezes adolescentes indesejadas e que fazem, por sua vez, sempre novas vítimas nas crianças mal-acompanhadas por famílias incompetentes e desestruturadas, imperfeitamente formadas em lares que, pura e simplesmente, não têm condições para existir---e fá-las em termos, mais latos, na [des] construção de uma "sociedade mental e cultural" que se obstina em não sair daquele nível básico e absolutamente primário em matéria de cultura científica e de inteligência da realidade que define as sociedades primitivas, caracteristicamente obsecadas pelo preconceito e guiadas pelo dogma e pela superstição.
Sociedade "do conhecimento"?...
Para quê se a da agnosia ronceira e campónia; a da bolorenta "boçalidade piedosa" é tão familiar e, sobretudo, tão... maneirinha, tão querida, tão confortável?!...
[Imagem extraída com a devida vénia de merchantaccountblog-dot-com]
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