quarta-feira, 2 de junho de 2010

"«Eu Gostaria de Habitar um Dia a Primavera», repoetização de um poema anterior escrito em francês"


Gostaria de habitar um dia primaveras
oh meu corcel-memória esposa-anil majestade de cristal
colheita de consumíveis sombras paisagem infirmada luar indiferente

dá-me a tua mão

imperfeito firmamento ou arco em lágrimas
aurora manual
noite paralisada
[que as armas viram florir e logo depois expirar...]

dá-me a tua mão

hora morta por asfixia
ou verde ausência
estrela corrompida fadiga infecta
cobardia inútil
ou passado
infecundo e nímio
incesto inerte

dá-me a tua mão

incerteza cilíndrica
fronteira de luz
natureza digital
auspício ou norma
desfortuna informe

dá-me a tua mão

velha natureza dorsal
empréstimo de luz
subentendido
ou rápida cor
ave ou indústria
sopro ou memória
respiração muito jovem porém precocemente seca
gasta e mirrada
sol revolto todavia
prisioneiro do rumor intensamente circular da própria
luz

dá-me a tua mão

ciclone em fogo ou cloaca em fuga
boca da cidade
quadrante em pó
peito-berço flor da morte também
por onde os silêncios
invadem progressivamente o corpo
e o lavam dos sons que já não tem

despojo-assinatura
cadência de luz muito jovem
incerteza
coração inconsútil
ou vento abandonado à sua sorte
dá-me a tua mão
alva árvore
ou braçado de lumes contrafeitos
cálculo de sangues desfiados
numa mão de puro ónix
o corredor dos dedos agitados

...................................................................

Eu gostaria de habitar as primaveras muito altas
e fáceis de um país-canção
onde voassem sempre certas e límpidas, por seu turno, as aves
e as águas florissem mas não de cinza ou de tristeza
um país rumoroso e exacto de sopros vagabundo
da aurora fazer corpo palavras e lugar
para viver
como uma árvore indulgente
ou um sol de alumínio
ao labirinto do tempo ir buscar
o sol para roer
e a boca para amar

e entre hemisférios
[os breves hemisférios da respiração...]
na demasiada juventude construir finalmente
a nossa casa de diurnos sempre espaços ou de estrelas
abrindo continuamente sobre a noite!...
[Na imagem: "No Man Is An Island", colagem sobre papel e cartão de Carlos Machado Acabado]

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