quarta-feira, 2 de junho de 2010

"Estamos Obrigados a Justificar Pública [e Politicamente!] o Corpo para Podermos Fruir do Direito A Tê-lo? Eu Acho que não!"


Não conheço Sacha Baron Cohen, nunca vi "Borat" nem o posterior "Brüno" [não o posterior de "Brüno": "Brüno" mesmo, o filme] e não tenho exactamente planos que vão nesse ou nesses sentidos todos: conhecer o actor [mesmo apenas através da leitura de informação sobre ele] ou ver qualquer dos filmes em causa ou outro qualquer que venha a fazer.

Cheguei acho eu a uma idade [ainda não 'demasiado velho para a juventude' mas, em todo o caso, o bastante para que as categorias mentais da 'juventude' e da 'maturidade' comecem a questionar as bases do casamento que as uniu há décadas, num registo cvivil existencial qualquer dentro da minha cabeça e/ou do meu coração....]; uma idade em que o tempo começa, de qualquer modo, a... "pare-ser" demasiado curto para ver [ou rever] tudo o que ["whatever that means..." ] é realmente importante no Cinema---tudo o que é, de um modo ou de outro, cinematograficamente 'referencial' [ainda que, num dos, afinal inúmeros, sentidos do termo e da ideia de 'referencial', todas aquelas realidades de que comecei por falar, Cohen, 'Borat' e 'Brüno' possam já ter até começado a sê-lo].

É, em qualquer caso, por isso, por ter chegado interiormente àquela idade-ângulo ou idade-vértice do que muitos de nós chamam "vida" em que a nossa imagem mental, filosófica, de 'definitivo' começa a assumir aspectos [e a revestir-se de registos subtilmente subliminares] num caso e noutro [quase?] kantianos, de verdadeira "categoria" que não me parece que vá arranjar ainda tempo [e feitio...] para "ler" Sousa Tavares ou Rodrigues dos Santos, frequentar o Politeama na actual versão Flic La Féria---ou ver "Borat".

O que me levou aqui a falar deste último foram duas coisas: primeira, um artigo na "Visão" [essa "Newsweek de coentrada"...] assinado por Inês Rôlo Martins sobre o "atleta mediático" [para mim, repito, será sempre sob essa forma mais ou menos conceptual que o levarei comigo---salvo seja!---para "o outro lado" quando for...] Sacha Baron Cohen; a segunda, um texto e uma abordagem que aqui eu próprio fiz sobre a nossa "relação existencial" com o corpo, a propósito da professora de música impedida de leccionar por ter posado nua para uma revista onde os papás e as mamãs respeitáveis da terra a foram escadalizados encontrar---ainda que ninguém me tenha até hoje explicado de forma convincente como é que papás e mamãs... perfeitamente "sérios"---para já não falar nos respeitabilíssimos "bambinos" por eles zelosamente educados...---frequentam esses "lugares editoriais de perdição", essas "casinhas de má fama impressas" onde---inteiramente por acaso, claro---depararam com a bela modelo e professora.

À reflexão feita a propósito desta junta-se, agora, uma frase que Inês Rôlo Martins transcreve de uma nota do "Ministério da Cultura de Kiev" [Kiev tem um Ministério da Cultura próprio? Não sabia. Talvez tenha... Quem sou para dizer que não tem?] que, diz a articulista relativamente ao mais recente [julgo eu] filme de Cohen [e já agora: será mesmo ele quem os realiza?] "não esteve com meias medidas e interditou a exibição do filme por considerar que «mostra, sem justificação, órgãos sexuais, relações sexuais, e actos homossexuais [...]".

Ora, sucede que reside aqui, diria eu, um dos grandes problemas da cultura ocidental moderna---do olhar cultu[r]al que ela se habituou a lançar sobre os diversos objectos da realidade, designasdamente sexual ou o que, para ela, "é sexual" com que se vai, ao longo da vida, deparando.

É preciso dizer, porém, esclarecendo, que para ela "é sexual" tudo o que se encontrar entre os joelhos e o pescoço---incluindo o umbigo e a coluna vertebral vista de fora---porque para ela "é sexual" tudo o que a ela lhe lembra a sexualidade.

Um realizador português dizia, em '74, numa entrevista numa altura em que Portugal explodiu com uma onda de filmes que nunca tinha visto ou sonhado ver que iam de Jean Eustace a "obras" com Marilyn Chamberrs e de "Garganta Funda" a Kubrick que pornografia era "tudo o que mostrava o sexo pelo sexo ou a sexualidade pela sexualidade", já não me lembro bem.

Ora, o que estava [e está!] implícito na formulação em causa é de um moralismo que arrepia.

Mostrar uma paisagem pela paisagem pode ser "bilhete postal" mas não é seguramente, ninguém o contestará, pornográfico: que o "bilhete postal" mude, porém, magicamente de sinal e de "sentido" quando passa de um pôr-do-sol para uma "piloca", um par de mamas ou uma "pachaneta" [por esta ordem para evitar qualquer sugestão de "ancrocentrismo", de "lapsus androcentricus" implícito...] por muito belos que qualquer desses "objectos" ou "partes", 'fragmentos do real' possam ser para alguém, eis o que não parece levantar qualquer questão de "olhar significado" que é como quiem diz de "pré-juízo" contido nos "eyes of the beholder"...

E todavia...

E, todavia, é a meu ver exactamente que a "porca... analítica e cultu[r]al torce o rabo"...

Ou seja: logo no exacto instante em que lançamos o nosso olhar cultu[r]al sobre o corpo já projectámos sobre ele os nossos fantasmas interiores judaico-cristãos envolvendo o "pecado" e a sua "geografia" e até "geometria simbológicas", a sua "simbológica objectual e local" sobre ele, baralhando eu diria: de episteme a nossa [não!] visão ou "emcapsulamento conceptivo" do mesmo.

Tanto que, até no plano da Estética [que não percebemos ser também uma "Ética disfarçada, habilmente camuflada"] achamos "bem" [achamos "normal" e achamos "sério": achamos configurar um verdadeiro ideal cultu(r)al] a necessidade de argumentar e de justificar.

Mais: não percebemos como essa necessidade pode funcionar, além de desconhecer [des] estruturalmente o próprio real [o que já não é pouco!...] como uma forma terrível de opressão e repressão cultu[r]al quando [como no "caso" recente da rejeição dos casamentos homossexuais] não já um realizador de cinema individualmente mas a sociedade [a "soci(e)dade média"...] no seu todo pretende reivindicar para si a fixação de tabelas oficiais [ibnscritas num Direito vinculativo] de "argumentatividade" e/ou "justificatividade"...

Não apenas é "preciso" justificar e manter sempre necessariamente justificadas as práticas envolvendo o corpo como o próprio corpo tem de ser em todos os casos "justificado" antes de ser livremente cumprido e/ou exercido sem o que ou não pode pura e simplesmente sê-lo ou pode apenas sê-lo na forma de subversão, transgressão---ou mesmo crime.

É este olhar estupidamente "significador apriorístico" e, por conseguinte "a-fenomenologicamente disfuncionador" da realidade que subjaz àquelas, em si mesmas, absurdas---e politicamente opressoras/repressoras---ideias da Educação Sexual como "contendo necessarioamente o seu próprio significado inset" [segundo o que quer a igreja---para quem, tratando-se de Educação Sexual não basta falar do "corpo sexual": é preciso explicar sempre muito bem, ao mesmo tempo, "como deve ser usado a cada momento"] ou dessa outra, advogada por um conjunto de "pais pios" para quem a "fisiologia da sexualuidade" [como, para outros, a biologia evolucional] devem ser "retiradas firmemente à ciência por razões morais" e entrgues, com solene pompa... à "consciência" que é suposto recebê-las, com igual "cerimonial intelectivo", entre as suas "questões" próprias e particulares...

Eu, repito, não quero saber do Não-Sei-Quantos Cohen para o que quer que seja; tão-pouco me interressa o que diz o tal "Ministério da Cultura de Kiev" ou até o que diria um português se existisse...

Interessa-me a forma e a natureza do "olhar epistemológico" que, como indivíduos e como sociedade, lançamos sobre o real.

Interessa-me que descontaminemos esse olhar do "peso residuante" de outros que o antecederam cultu[r]al e civilizacionalmente e, mesmo quando "não se nota", continuam a contaminá-lo e a definir uma espécie de "trajectória cognoscente" constante que o desarticula e desune logo à partida.

Não é uma questão de expulsar a Ética da Estética, por exemplo: é uma questão de refundamentar uma e outra, refundamentando de passo a própria civilização.

A "civilizacionalidade" ou "específico civilizacionalizante" que a atravessa---e define, caracteriza.


[Na imagem: a Vénus de Milo "revista" em freakingnews-dot-com]

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