É legítimo dizer que esta Senhora, de algum modo revolucionou (é perfeitamente adequado pôr a questão nestes termos...) o ensino em Letras. O ensino (?) à época era uma confusa e deletéria mistura de "catedrismo serôdio" e um "teorismo" desoladoramente estéril onde uma máquina de decorar (e fazer decorar!) como o Padre Manuel Antunes ou uma nulidade absolutamente "exemplar" e pardigmática como um tal Mário de Albuquerque faziam figura de «Referências» incontornáveis...
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Aliás, num certo sentido muito preciso, eram-no, de facto: um do árido, jesuítico enciclopedismo que passava à época por um profundo "saber". O outro, da boçalidade no seu estado puro e ideal de... "insecto perfeito".
Mas havia outros, claro!
O Nemésio (que não sabia minimamente comunicar e era amiude apontado... exactamente por isso pelos "analfabetos de carreira" como a epítome mesma dos comunicadores...); o Grilo, o Monteiro Grilo, o poeta (?) Thomaz Kim (que dava as "teóricas" de... "Teoria da Literatura"--um pleonasmo deliciosamente esclarecedor--e que era de um pedantismo só igualado pela completa ausência de mensagem--e de interesse!--das suas inimaginavelmente "sedativas"... "aulas", depois de almoço, no faraónico «Anfiteatro 1»!...); o inominável Gonçalves Rodrigues que para justificar o anexim popular de que "um mal nunca vem só" tinha um filho que o ajudava a chatear (e a esterilizar) completamente o pessoal que lhe(s) passava ao alcance da (dificilmente descritível) mediocridade e um tal Correia Marques que (dizem! Eu nunca notei...) "orientou" o meu seminário sobre "Nelson Algren e os Caminhos do Realismo Norte-Americano"...
Uma anedota--verídica--"ilustra" bem o tipo de... "ensino" então praticado nessas (apesar de tudo, saudosas!...) Letras onde Pessoas como a Yvette Centeno ou uma outra professora de "práticas", a Ana Maria Bracinha de História da Cultura e das Instituições Medievais, conseguiram, com enormes dificuldades, introduzir um pouco de inteligência e esclarecimento, quase diria: a... golpes de machado e picareta...
Foi o caso de um colega de Santarém (acho eu, se a memória não me falha) se ter lembrado (e do que ele se havia ele de lembrar, Santo Deus!...) de se propor fazer tese sobre o "Doutor Fausto"--mas o "Doutor Fausto" do Thomas Mann, não o do Goethe.
Foi propô-lo ao Gonçalves Rodrigues, Pai (catedrático, director do I.S.L.A., à época a única, suponho, Escola Superior privada; Gonçalves Rodrigues que tinha poderes para aceitar ou recusar temas de seminário!) e que teve para com o referido colega esta saída hoje inimaginável: "O "Doutor Fausto" do Mann, é?... Pois, olhe! Faça, faça lá tese obre ele.
Eu nunca li mas deve ser giro!..."
Era assim Letras nos anos 60!...
Agora uma "estória" envolvendo a Yvette Centeno: um outro aluno (um daqueles "ursos" de que Letras conheceu alguns--fulano todos eles assim tipo "livros, mais livros e nem uma única ideia original"...) foi por ela interpelado sobre, salvo erro, um poema de Verlaine (os "Cemitérios Marinhos"?).
"Qual o seu ponto de vista sobre tal-e-tal aspecto da obra?", pergunta a Yvette, com aquele seu ar seráfico, um pouco trocista que nunca deixava de intimidar (a mim, pelo menos, porque eram a expressão exterior da inteligência e do esclarecimento) muito mais do que, por exemplo, as truculências invariavelmente lôbregas do Albuquerque (que, ainda por cima, estava convencido de que era pessoa e tinha espírito...) ou a grosseria boçal do Rodrigues.
O rapaz saca de imediato do bolso (ou da "bem fornida" pasta, não sou capaz de precisar mas todos os "ursos" faziam absoluta questão de trazer uma, sempre atafulhada de livros, aliás...) de um molho de fichas e desata a citar.
A Yvette Centeno ouviu-o calmamente e voltou a pedir-lhe, com o mesmo ar impassível e discretamente trocista: "O seu ponto de vista sobre..."
E o colega: "Pois mas como diz Fulano..."
E de ponto de vista pessoal, nada!
Estiveram naquilo uns bons quarenta minutos, até ao fim da aula: um a citar autores, outro (outra!) a pedir algo que nunca havia, aliás, de chegar.
No fim, depois de uma animada sessão de citações a boa da Yvette conclui: "Pois, a opinião desses, conheço eu: a sua é que permanece para mim o mais insondável embora ilustre dos mistérios..."
Acho que ele nunca lhe perdoou mas o mais grave é que, se calhar, nem percebeu nada!...
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Era assim a Faculdade e (felizmente!) era assim a Yvette Centeno que eu conheci e cuja memória guardo com especial admiração e um enorme carinho, tantos anos volvidos...
[Na imagem: retrato de Yvette K. Centeno por Tóssan, extraído com vénia de nocturnocomgatos.weblog.com.pt ]
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