terça-feira, 7 de abril de 2009

"As Ideias Que O Governo Roubou"

Foram... "mais que muitas", a julgar pelo "Expresso" de 28.04.09...

Esta como outras questões envolvendo ideias ou mesmo programas mais ou menos extensos e abrangentes de governo [assim como a questão do respectivo (in) cumprimento prático] é uma daquelas que me leva a insistir determinadamente, ainda uma vez, naquele conceito (ou naquele princípio) da Mesa de Verificação e Fiscalização Políticas que, no fundo, é (seria, se existisse! Se o poder--os diversos... "ramos" do poder--estivessem minimamente interessados num sistema de fiscalização e controlo das suas constantes... "liberdades" neste domínio...) um Tribunal Fiscalizador criado, como tantas vezes e em tantos lugares tenho também dito e escrito à semelhança do Tribunal Constitucional ou do Tribunal Administrativo, dotado de poderes efectivos no âmbito do proferimento de sentenças de envolvendo o incumprimento das propostas eleitorais de partidos e políticos individualmente.

O que acontece hoje em Portugal é um autêntico "regabofe" nesta como (lá está!) inúmeras outras matérias envolvendo os compromissos (não!) assumidos pelos representantes institucionais da voltade popular.

Um "regabofe" que a obrigatoriedade estrita de depositar um programa político detalhado, assim como um projecto devidamente especificado e tecnicamente sustentado e validado de como cumpri-lo associada essa à tipificação de penalizações muito claras e igualmente específicas para os agentes incumpridores permitiria com certeza limitar de forma drástica.

O que se passa, hoje, entre nós, com a questão das promessas feitas em período ou circunstância eleitorais (e agora, pelos vistos com esta "novidade" perversa da pilhagem indecorosa de ideias que, ao poder, parecem sedutoramente "populares": o roubo é uma forma material de mentira, como é sabido, algo que o actual poder político conhece, de resto, bem por dentro...) é um autêntico escândalo e leva consistentemente à emergência e à subsequente, indesejável, funesta consolidação de (como muito correctamente observava António Barreto num texto recente do "Público") uma indecorosa "cultura de mentira" sistemática (que, na realidade, mais do que 'sistemática'--é, mais grave ainda!--sistémica, i.e. ínsita, tendo tomado já a forma de uma perversíssima 'constante', ao próprio sistema político português, uase diria: 'como tal'...).

Contra essa indecorosa "cultura" de mentira, aquilo que eu proponho, pois, é que haja tantas penas para os políticos mentirosos como as que já há hoje em dia para os que, políticos ou não, não pagam impostos ou não respeitam a Constituição.

Nada tem de novo, pois, o... "meu" Tribunal de Acerto e Fiscalização Política".

A grande questão que ele levanta não é, pois, em caso algum, a sua (como se constata, inexistente) "novidade": o grande problema que ele levanta é, em última análise, precisamente o mesmo que anda (aliás, muito tristemente!) associado, de forma directa, ao magno problema da corrupção (de que este é, no fundo, um capítulo ou uma 'variante'): é o problema da (falta de) vontade política para combater um e outro.

É preciso ter a coragem de dizer que o sistema dito «demopartidário» em Portugal "apodreceu" por completo no espaço de trinta/trinta e poucos anos, tantos quantos medeiam entre o seu aparecimento formal em 1974 e os dias de hoje.

A causa principal desse "apodrecimento" é, não tenho dúvidas, o gritante, o clamoroso, analfabetismo cívico e político crónico da sociedade portuguesa, circunstância essa que lhe tolheu naturalmente a possibilidade de gerar, de 74 para cá, uma verdadeira opinião pública capaz de ser ela a exigir (como compete, aliás, a uma boa e saudável opinião pública) a fiscalização efectiva e, como costumo dizer: em tempo real, do sistema, como uma componente funcional, absolutamente nuclear, do mesmo.

Uma Democracia, como não me canso de repetir, não consiste na cedência mais ou menos (idealmente, mais, claro!...) cíclica do poder: consiste, sim, na cedência cíclica instrumental do exercício, digamos assim: 'limitadamente funcional' do poder--que é uma coisa obviamente muuuito diferente.

O que sucede é que, quando não há vigilância democrática (mas--lá está!--vigilância democrática (i) em tempo real e (ii) sólida, fundamentadamente institucionalizada, i.e. plasmada em institutos muito precisos e de ágil funcionamento, entre os quais um tribunal do tipo exacto daquele que aqui volto a propor, facilmente se deriva da cedência do tal exercício funcional do poder para a cedência apenas teoricamente controlada do próprio poder 'tout court', passando nós a ter (não há que sentir qualquer receio ou pudor de dizê-lo) uma "autocracia plebiscitada" (ou mesmo plebiscitária, dado que as formas institucionais que a servem estão concebidas para perpetuar, não apenas de facto mas aí já de direito, toda esta disfunção ou este equívoco).

O grande obstáculo à introdução de um instituto como o que proponho é, então, volto a dizer, a ausência de vontade política dos... políticos para se imitarem a si próprios no (ab) uso que fazem 'natural'--e regularmente--do poder.

E isto porque o actual sistema político (des) estruturalmente baseado na tal permanente e, como penso, deliberada, premeditada, "confusão" entre exercício do poder e poder 'tout court' muito mais do que um sistema político em si (essa é outra das componentes básicas da minha própria tese neste domínio) é, na prática, isso sim, aquilo a que chamo um mero "revestimento politiforme" do núcleo ecónomico-financeiro do 'regime'.

Na verdade, a "democracia" assim (muito mal) concebida opera, na realidade, como um "argumento" des/funcionalmente infixo deste.

Ela não foi concebida para representar a vontade popular senão para, como muitas vezes, tenho defendido, manter um determinado paradigma de relacionalidade económico-financeira à História.

Na prática, significa que assim (des) entendida, a "democracia" passou a funcionar na realidade, como um antónimo de "mudança" e, por conseguinte, de "revolução". Assim (des) entendida a "democracia" passou, pois, a operar como uma espécie de "estaca" ou "poste (muitas vezes... totémico) supostamente ideológico" criado para impedir a História de mudar e se renovar.

De ela se adapatar às necessidades de outra coisa que não as do próprio núcleo ou infraestrutura económico-financeira do 'regime'.

É por isto que eu me permito pensar (outro ponto capital da minha... tese) que essa "democracia funcional" que passa comummente entre nós por Democracia 'tout court' (e aqui vou, de propósito, pôr a questão em termos muito prudentemente eufemístios...) está sistemicamente onde ainda não há histórica e politicamente muito tempo estiveram naturalmente os autoritarismos políticos dos anos vinte e trinta do século passado.

Dos fascismos?

Obviamente!

Quer dizer: a História das relações entre as pessoas e o paradigma económico-financeiro não mudou.

Este mesmo em nada de essencial se alterou.

O que pareceu ter mudado foi a forma de 'relacionar funcionalmente', digamos assim, as pessoas com ele.

Mas, para mim, sempre o disse e volto a afirmar, o fascismo (com a sua concepção objectivamnte piramidal e estr(e)itamente funcional da realidade onde a realidade surge vista como uma propriedade natural de um pequeno núcleo de indivíduos com, pois, um ou dois ou três mas pouco mais proprietários naturais desta, um chefe (um Führer, um Capo) que lhe(s) dá voz e consolida o seu poder concreto sobre ela, diversos "capatazes" intermediários umbilicalmente ligados (e efectivamente vinculados!) ao vértice não à base da pirâmide e, por fim, no andar inferior desta, o "proletariado cívico" que ocupa aí o lugar da Cidadania autónoma (isto é, naturalmente vinculada a um quadro autónomo, próprio, seu de aspirações e desígnios) nas democracias autênticas onde a pirâmide está concebida, precisamente ao contrário, operando naturalmente de baixo para cima.

A diferença é fundamental: nas Democracias, a História "move-se" naturalmente por impulso autónomo da base, sempre que esta entende organizadamente imprimir-lhe qualquer movimento; nas falsas democracias ou "democracias funcionais" a História está artificialmente contida e firmemente impedida de se mover da rígida posição que ocupa e que faz dela, diria eu, uma galinha protegendo ciosamente os ovos--os quais, neste caso, são, insisto, o núcleo económico-financeiro do 'regime' a não alterar, em caso algum, no (in) essencial.

Ou seja: naquilo a que chamamos erradamente hoje geralmente "democracias" a História está toda... ao contrário, isto é, "vem do" sítio errado (de facto, não vem: está imóvel) e só se move num movimento in/essencialmente de todo aparente quando, de forma completamente paradoxal, mais importante é para a sua base económico-financeira, por qualquer razão circunstancial, assegurar-se de que coisa alguma nela muda.

É por isso também, para terminar, que uma das tarefas essenciais da Esquerda hoje passa tão central quanto determinantemente por denunciar este falso e perversíssimo papel im/puramente instrumental da democracia" como "âncora polítiforme" do que, tendo tudo isto em mente, apenas pode ser definido como economocracia ou assistema economocrata de apropriação ilegítima da realidade.

[Imagem extraída com a natural vénia de dailypop.wordpress.com]

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