quinta-feira, 23 de abril de 2009

"O 25 de Abril, helas!"


O acaso (ou pouco menos...) assim como a curiosidade imprevistamente excitada levaram-me a estar presente, um dia destes, numa iniciativa da Biblioteca Municipal do concelho onde (também...) habito, organizada a propósito do 25 de Abril que se aproxima.

Na sala, meia-dúzia de munícipes expectantes e uma deputação de (dizia a discretíssima propaganda anunciadora da iniciativa) "participantes" no golpe militar original.

A todos (incluindo talvez os membros da referida "deputação") estava, afinal, reservada a participação num sem dúvida supreendente (num verdadeiramente extraordinário!) acontecimento!

Havia audiência (pequena embora) e os tais prometidos "participantes" do golpe original estavam lá.
Estavam estavam, só que...

... que, parece que em '74 aqueles em particular terão deixado algumas contas por "ajustar" e nada melhor lhes havia de ocorrer do que deixar passar mais de três décadas (!) sobre aquela que podia ter sido a porta de entrada histórica de um País (incuravelmente mole e suicidariamente vocacionado para a submissão...) para a Dignidade para virem 'ajustá-las' em público, numa Biblioteca igualmente pública e ("par dessus le marché"...) diante de uns quantos (boquiabertos!) jovens que, de caneta e bloco-de-notas disponivelmente em punho, pareciam, a dado passo, já não acreditar no que ouviam, não sabendo literalmente que mais admirar: se o ácido, cru, virulento ressentimento a cada instante reafirmado, se a cortante agressividade verbal continuamente manifestada entre todos aqueles de quem esperavam--de quem esperávamos, afinal, todos!--a capacidade para darem a trinta e cinco anos da glória e da generosidade uma imagem nobre e respeitável de si e do Movimento que, afinal, ali quisessem-no ou não, estivessem ou não disso conscientes, representavam.

Uma imagem digna de si e da História que lhes depôs generosamente nas mãos--e nas de outro modo, completamente anónimas--carreiras militares um momento verdadeiramente único de dignidade e de glória à altura do qual é, todavia, muito discutível que tenham desta vez querido (ou sabido) estar.

E, no entanto, aquilo que alguns dos presentes tinham para contar revestia-se de uma inegável relevância para o conhecimento da nossa História contemporânea comum.

Falou-se de várias coisas, a maioria delas históricas: falou-se, por exemplo, do papel contraditório e caracteristicamente hesitante desempenhado pelo tíbio derradeiro primeiro-ministro da ditadura, Marcelo Caetano, num último, desesperado, esforço de solução política para as colónias, tão rápida quanto peremptoriamente atalhado pelos ultras do 'regime' cuja (in) acção deixou Marcelo literalmente entre a espada (a cega, louca, persistência numa política "de aço e pólvora" antecipadamente condenada ao fracasso) e a parede (um Spínola que--na linha das posições de um Norton de Matos ou de um Cunha Leal, por exemplo: uma espécie de colonialismo "digno" e "conveniente" que a obstinação e a (completa!) cegueira geopolítica de Salazar acabariam, como disse, por tornar materialmente inexequível--tentou (segundo alguns dos presentes que com ele, a dado passo, lateralmente embora, conviveram) desesperadamente "salvar os móveis" de um 'regime' que se afundava, a cada dia um pouco mais, numa História com a qual deixara, há muito, de manter relações sérias e minimamente consistentes.

Questões de um irrecusável interesse histórico que a extraordinária e inimaginável briga entre os presentes impediu literalmente que fossem aprofundadas com a atenção que--obviamente!--merecem.

Na realidade, ficou tudo o que era realmente importante por dizer e, no entanto...

...no entanto, valeria seguramente a pena aprofundar questões que, de resto, na própria altura se puseram a todos (Exército incluído) e que ainda chegaram a poder ser levantadas na sessão como, por exemplo:

a) Se, segundo alguns dos presentes, os militares não devem "fazer política" enquanto militares e deveriam, por isso, ter abandonado a cena política imediatamente a seguir ao dia 25 ("no próprio dia 26", na opinião de muitos) a quem deveriam os revoltosos ter entregado, nesse caso, o poder que tinham acabado de ajudar a fazer cair?

ou:

b) Não é objectivamente "fazer política" escolher a entidade a quem (não!) se vai entregar um poder que, todavia, se acabou de derrubar--ou ajudar a derrubar?...
c) Significa isso, por exemplo e por outro lado, tomda a proposta à letra, que, na opinião dos próprios militares, o Exército só serve para derrubar regimes ilegítimos mas não deve, em caso algum, ajudar a encontrar as soluções que a queda súbita e sobretudo violenta de um regime inevitavelmente levanta?

d) Quer dizer: serve para agir negativamente devendo, em seguida, "lavar as mãos como Pilatos" da des-ordem ajudada a criar?

ou ainda:

e) Não é "fazer política" o que, segundo os próprios, Spínola fez na Guiné quando se encontrou com Amílcar Cabral sob a égide de Marcelo Caetano a fim de construírem uma solução negociada para a região?

e

f) Não é "fazer política" invadir um país soberano (a Guiné Conacri) a fim de, como os próprios presentes revelaram (ou confirmaram) assassinar os membros do governo em causa e substituí-los por outros desfavoráveis ao P.A.I.G.C.?

Seria seguramente interessantíssimo conhecer a opinião dos militares presentes sobre estas e outras questões (explorar, por exemplo, a afirmação de que Amílcar Cabral foi abatido por uma facção belicista do P.A.I.G.C. que, segundo alguns dos presentes, queria continuar a guerra até à independência total, recusando o projecto de autonomia negociada por Cabral e Spínola); questões que a verdadeiramente extraordinária "polémica" levantada impediu por completo de explorar...

Seria, seria só que...

Enfim...

[Imagem extraída com a devida vénia de lusofolia.blogspot.com]

1 comentário:

maria sousa disse...

Que interessante reunião!
Onde estaria a Maria Sousa nesse dia?
Talvez noutro concelho, suponho...ou talvez noutro planeta!
Deve ter sido excitante!
Um abraço