Fomos ontem, dia 05.04.09 a Évora ver "Happy Days" de Beckett (com Isabel Bilou na "Winnie" e Rui Nuno no "Willie").
Uma encenação (de Júlio Castronuovo--assistente Maria Marrafa--com cenografia de Carlos Barreira e figurinos de Inês Carvalho) cuidada, digna, respeitabilíssima.
Quinze, vinte pessoas na sala.
Uma que dormiu o tempo todo mesmo atrás de nós, outra que saíu proferindo uma frase enigmática que registei, aliás, na íntegra: "Pois mas... não é coisa de que se goste".
Não é, de facto--num sentido literal, muito limitado, do verbo "gostar", não é seguramente...
Eu contentar-me-ia em que se ficasse razoavelmente incomodado e, por exemplo, sem vontade de jantar...
A "ópera" de Beckett (a peça é uma genuína ópera) é, com efeito, algo de profundamente perturbador no modo como (des?) cola continuamente fragmentos (em mais de um sentido...)inorgânicos da vida numa espécie de espiral de ininterrupta e obsessiva dissolução que capta, diria eu, a própria essência do "abstracto" em Arte que é a contínua (e inquieta/inquietantemente intranquila) osmose entre a forma e o (possível) conteúdo das coisas, lutando ininterruptamente entre si na desesperada tentativa de destas extraír um mínimo de "significado" ou de "significação" qualquer.
Já agora: um aspecto que destaco da encenação é o modo como ela dá razão àquilo que venho defendendo há vários anos e que, aliás, nem sequer é difícil de constatar: o carácter des/estruturalmente trópico [não por acaso, Becekett surgiu entre nós integrado no que à época se chamou "literature du regard", ao lado da Sarraute de "Tropismes"...] e excrementício da fala na opus beckettiana, aspecto, do meu ponto de vista, verdadeiramente fulcral da "naughtopy", do "realismo fenomenénico" e, de uma maneira geral, da "comédia ontológica" característica do criador de Godot...
[Imagem ilustrativa extraída com vénia de kitchentheatre.org]
Sem comentários:
Enviar um comentário