sábado, 27 de setembro de 2008

"Uma velha teoria minha..."


Uma velha teoria minha é a que diz que, se o comunismo foi "o mais gigantesco embuste do século XX", como defende um conceituado embusteiro português que, por sê-lo tem, inquestionavelmente, legitimidade para falar do tema, então que dizer do democapitalismo economocrata ou economaníaco inventado expressamente para combatê-lo?

Que, como embuste, vale bem a outra suposta mistificação?

É, com efeito, o mínimo que se pode dizer dele.

A "economia perfeita", isto é, o capitalismo "total" (que, numa trágica versão "alternativa" semeou, como se sabe, a desgraça e a morte no mundo inteiro, no início do século XX); o capitalismo sem Estado, dizia, não passa, com efeito, de um "sonho húmido" de teóricos sem grande imaginação (mas, para compensar, um desplante verdadeiramente colossal) do capitalismo, em panne de expedientes argumentativos. Não há modelo de sociedade que mais tenha de recorrer aos "bons" serviços do Estado do que o do Estado-sem-Estado neo-liberal.

Foi essa, de resto, a sua 'providencial' boia de salvação quando a brutalidade teórica e ideológica do sistema pretendeu, para se "segurar mais firmemente à História", passar da economia à política ou tornar-se todo ele política e quase o levou ao apocalipse, a partir da Alemanha (nazi), e do binómio Itália/Japão (fascistas).

Aquilo que eu defendo a este propósito é que,



a) o paradigma de expressão politiforme natural do capitalismo é o fascismo numa das suas circunstancialmente distintas formas; o fascismo que representa, de facto, a politicização natural (e eu acrescento: naturalmente inevitáveis) do modelo teórico de organização capitalista típica e que, portanto,

b) o encontro histórico (ou meta-histórico, pós-histórico) e político (ou trans-político) entre o capitalismo e a "democracia" configura, na realidade, uma circunstância de pura (ou... im-pura?) conveniência em que esta, a democracia, é forçada a entrar no primeiro ("is forced into the former") mas na qualidade meramente secundária e desessencializadamente ancilar, isto é, (in/essencialmente infixa) de "argumento legitimador" desprovido, por conseguinte e por definição, de vida teórica própria, se assim me posso exprimir.



A natureza artificial do capitalismo demonstra-se teoricamente, diria eu, pela constatação da falácia de composição que tem lugar quando ele tenta naturalmente (como fez com o grande capital económico-financeiro alemão e italiano, nas primeiras décadas do século XX) passar da economia à política e quase leva a própria base à implosão. Ou seja: quando se tenta, volto a dizer: naturalmente, transformar o capataz num líder político (num "Führer" ou num "Duce"); a Cidadania num operariado ou proletariado cívico, social mantendo o capital como o proprietário da "usina social e histórica" o resultado é (a História asim o demonstra) politicamente insustentável.

Politicamente insustentável sem recurso (lá está!) à instrumentalização correctora das alfaias institucionais da democracia (o Plebiscitário desta, a ficção da liberdade em diversas modalidades funcionais ou discretamente funcionalizada e por aí adiante). O resultado é a prisão definitiva da própria democracia, como acontece (para mim, obviamente!) hoje-por-hoje, no chamado "Ocidente democrático".

Neste, com efeito, a "democracia" (leia-se: o "revestimento politiforme" da infra-estrutura económica como tal) está, por definição, proibido de evoluir e dar, natural e sobretudo livremente, origem a novos paradimas espontâneos, autónomos, de organização social e política--o que representa obviamente a subversão total da própria Democracia.

Esta, com efeito, devia ser a porta de acesso a todas as mudanças a introduzir na História, agindo como único ou último ("ultimate", "ultimativa", como me parece possível dizer em português)determinante destas (da forma particular, específica a assumir por estas) o interesse colectivo livremente (quero dizer: de facto, livremente) expresso.

Isso e, em caso algum, como na realidade, sucede a obrigação completamente ilegítima e espúria de conservar o regime económico social e politicamente "justificado" e "legitimado" ao longo de uma História artificialmente "presa a si própria" e que, de resto, se pretende permaneça indefinidamente assim.

Segundo ente (des) ntendimento particular da relação entre a política e a economia, a "democracia" está "" (está na História e está na Política) com o objectivo básico, primário, real, único, de manter essa mesma História e essa mesma Política exactamente como se encontravam no momento preciso da "contratação" dos serviços da Democracia pela respectiva base económica estável, se assim me posso exprimir.

Um exemplo do que afirmo?

Dou dois, bem actuais:

1º exemplo: segundo o jornal "Público" de 26.09.08 "vários peritos que analisam comparticipações [do Estado nos medicamentos] colaboram com laboratórios farmacêuticos"

Trata-se uma notícia onde se refere uma entrevista dada por um (mau) ex-ministro da Saúde onde este (cujo comportamento político ia justamente no sentido oposto, de poupar o Estado que devia representar a tantas "despesas" quantas lhe fosse possível evitar que ele fizesse---e, por isso, aliás, se tornou tão impopular que foi impossível ao governo mantê-lo no cargo) afirma que a promiscuidade entre ofício público e interesse privado via comissões técnicas de avaliação neste domínio é tão forte que daí resulta "muita pressão para colocar os medicamentos sob comparticipação".

Ou seja, por outras palavras: quem tem poderes para condicionar essa comparticupação pode ser quem tem também interesse em que este ou aquele se vendam mais (sejam mais prescritos) para o que conta muito, obviamente, o facto de esse fármaco ser comparticipado.

Razão pela qual, aliás, o ex-ministro em causa chega a admitir (pasme-se!) o "recurso a peritos estrangeiros" (!).

Admissão que constitui, por sua vez e de facto, se outra não houvesse, fundamento mais do que bastante para justificar a sua queda: tudo quanto um homm escolhido para representar o interesse colectivo, numa área tão fulcral como a da saúde, é capaz de achar para atalhar este conúbio descandaloso entre interesse público e privado é o recurso a mediadores estrangeiros??!!

E se se aplicasse o extraordinário princípio aos juízes, aos médicos aos políticos (porque não?) e por aí fora?

Já se imaginou o que daí resltaria?
E o que isso pressupõe em termos não apenas de pura saloíce ("os estrangeiros são mais sérios do que os portugueses") ou de simples ignorância relativamente ao alcance da mão omnipresene das multinacionais---ignorância, aliás, bem bizarra num (ex) ministro com a respectiva tutela...

Na prática, o que subjaz a esta preocupante constatação é, ainda e sempre, a perversíssima tolerância implícita, pachorenta, para com as utilizações anti-sociais do Estado na condição apócrifa de utensílio de promoção institucional do negocismo privado (ou seja, o reconhecimento implícito, apenas preguiçosamente abordado, da figura completamente anti-social do "Estado broker" ou "Estado almocreve" substituindo pós-modernmente a do Estado nação ou Estado-consciência moderno).

2º exemplo: o uso feito agora pelo governo norte-americano e antes pelo sueco (ainda segundo o mesmo jornal) do erário público para salvar bancos privados.

Esta não é, segundo o jornal citdo, aliás, apenas a minha opinião. De acordo com a publicação, um ex-conselheiro de Ronald Reagan terá mesmo dito, textualmente (e cito) "São tácticas de terror para tentar fazer uma coisa que é do interesse privado, mas não é do público".

Mais: sempre segundo o jornal, o prémio Nobel Joseph Stiglitz terá mesmo afirmado (e volto a citar) que "estamos simplesmente a forçar os contribuintes a investimentos arriscados" e que "isso é monstruoso" (sic).

Quer dizer: quando são os prémios Nobel e os ministros do próprio Estado neo-liberal na sua expressão geopolítica máxima que vêm, com todas as letras, dizer-nos que têm razão todos quantos, como eu próprio, pensam que uma das caracteísticas mais perveras mas também mais patentes do Estado neo-liberal consiste (in!) justamente na possibilidade de utilizá-lo, ao que tudo indica sem verdadeira oposição ou sequer possibilidade efectiva e institucional dela, em escandaloso auxílio de uma economia que, a todo o momento, se gaba de passar "muito bem" sem o Estado que se há-de pensar?

Quando são os próprios quem objectivamente nos revela toda a extensão do ludíbrio que consiste em desdenhar publicamente do Estado para mantê-lo, apesar diso, cuidadosamente guardado... no congelador e usá-lo logo a seguir a ter-se truculentamente defendido que o Estado "só atrapalha" e devia ser "funcionalmente reduzido à expressão mais simples ou até 'idealmente' nula, como não ver o gigantesco embuste teórico e prático que está configurado no desumano projecto economotópico neo-liberal?

Se gente desta o diz, como duvidar?

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