sábado, 27 de setembro de 2008

"Um monstruoso embuste"

Soren Kirkegaard

Um politicão profissional---desses que a nossa neo-liberal época gosta particularmente de eleger como símbolo da escandalosa teoria de equívocos e mesmo (im!) puras mistificações sobre que assenta---e que ela mesma configura) disse ou escreveu, um dia, qualquer coisa parecida com "o comunismo foi o maior embuste do século XX".

Ora, se o foi, é preciso, ainda assim, dizer que disputa, em qualquer caso, seguramente a "primazia" com o chamado "neo-liberalismo" ou "democapitalismo" de que a figura em causa foi um "teórico" acirrado e, logo que a História lhe depôs nas mãos o ensejo, um denodado (embora muito caracteristicamente frustre) praticante.

O neo-liberalismo, com efeito, assenta, como "teoria" ou difusa "ideologia" no princípio mais ou menos "utópico" (ou mais ou menos "distópico") de que a realidade, mesmo depois de ter sido funcionalmente "verticulada" pela interferência do filo-fenómeno da bio-conscienciação, possui, ainda assim, mecanismos e dinamias naturais de auto-correcção que é vital deixar actuar a fim de que ele conerve a respectiva "saúde epistemológica", se assim é possível dizer.

Não contesto que os possui. O que eu afirmo (a minha... tese) é que a emergência eventual ("eventual", em inglês, como sinónimo de "ulterior") do referido fenómeno da bio-filo-conscienciação (algo que veio, como é sabido, conferir ao real um 'terceiro olho' ou uma terceira dimensão formacional, é verdade, mas obtida à custa do "roubo", do "rapto", da "abducção", por parte de algo que pasou a operar como um espelho fixo virado para a realidade mas situando-se completamente fora da atemporalidade natural ou "instintivamente funcional" da "máquina" do próprio real (da qual passou a dar apenas e só imagens refractadas na tal "consciência" imóvel criticionalmente situada fora da realidade); o que eu defendo, dizia, é que a inteferência persistente, verticializada, deste "objecto criticional imóvel" que é a consciência" nos mecanismos de funcionamento primário e natural da realidade, não veiculando primariamente (ao contrário do que geralmente se crê!) mas sempre e só refractando secundária ou terciariamente esse mesmo real) veio destruir a possibilidade (por isso, de aí em diante, simplesmente utópica) de assentar toda a "máquina do sobreviver" apenas naquele cada vez mais teórico atributo auto-corrector do próprio real.
Fichte
A conclusão de que a "consciência" é o primeiro grande crime ecológico cometido na realidade (com a característica singular de ter sido cometido por ela mesma!...) leva a que, desde o "instante teórico" em que ela emergiu em diante, estejamos como espécie condenados à "consciência" (isto é, a "conscienciar" em vez de viver ou ser---em vez de "esser", como me parece mais apropriado dizer---persistentemente as nossas "ideias" e representações da realidade desta, nuclearmente separados já por inteiro, pois, dela pelo pensamento, pela possibilidade/necessidade de pensar.


Edmund Husserl

O fenómeno da filo-bio-conscienciação veio, pois, em tese (na minha tese, com certeza!) tornar o "esser" e o "pensar" o oposto um do outro, sendo que, num certo sentido muito preciso e como disse, enquanto espécie, nos condenámos a trocar o primeiro pelo segundo, isto é, a pensar que existimos em vez de naturalmente existirmos.

Ao contrário, pois, das restantes espécies e 'objectos' ou 'objectuações' constantes da realidade, as quais dispensam naturalmente a "verticialização" apócrifa (a refracção criticional e possibilitacional) dos respectivos paradigmas objectuais de 'existencialidade' (ficando, assim, livres para "esserem" sem obstáculos ou disfunções interferentes como a demasiada inteligência das coisas a que estão sujeitos os humanos), o "Homem" tem de esperar que a realidade " se converta em (apenas idealmente concêntricas!) desmaterializações criticionais sucessivas de si, cada vez mais distantes do instante original da própria "essência", isto é, que o real mude de estado físico dessessencializando-se em "consciência" para que, para ele, humano, a reralidade assim croticionalmente desfigurada, possa, por fim, "começar".

Claro que os economistas em geral (e, por maioria de razão, os oportunistas e os simplesmente medíocres...) não têm por costume (ou por escrúpulo) assentar as respectivas formulações teóricas em pressupostos de natureza filosófica ou mesmo apenas modestamente filosofante como aquele que atrás enuncio.

Seja como for, é evidente que o "ecossistema economia" tal como o concebem os pensadores geralmente "economocratas" arregimentados sob a designação de "neo-liberais" não passa de um mito que a "consciência" impede e des/estruturalmente impossibilita.

Por imperativos nucleares de natureza filosófica (a economia não é, geralmente, uma teoria da realidade mas, pelo contrário, uma tentativa de "legitimar" argumentativamente aspectos soltos, avulsos, extraídos irresponavelmente da realidade) é impossível (é teórica mas é, em qualquer caso, real e objectivamente impossível) que ela economia se auto-corrija espontaneamente. Fruto do trabalho da "consciência" (quando não do da in-consciência...) ela está condenada a ter de confiar nesta para ter qualquer "retrato" minimamente nítido de "saúde epistemológica". Esta, porém, não surge (NADA surge!) na "consciência" como um verdadeiro retrato.

De facto, aquilo que ela representa na verdade é a ideia que a "consciência" possui de um retrato---o que é bem diferente. A ideia de uma ideia---eis o que não pode, por definição (que é preciso conceder também resulta de uma refracção criticional teórica...); eis o que não pode, pois, dizia, ser realidade.

Jacques Derrida


[Observação final: no decurso destas brevíssimas reflexões optou-se sempre por distinguir entre "ser" (que não corresponde na semântica do texto a um termo "neutro" e desejavelmente "descritivo") mas a um expressão "argumentativa", a um ponto de vista puramente teórico ou teorético e, em qualquer caso, subjeccional sobre uma circunstância possível da "Vida" e a expressão "esser", termo que nos permitimos cunhar exactamente no sentido de recuperar a tal perspectiva idealmente não-inteferida pela subjeccionalidade daquela mesma possível circunstância.]

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