quinta-feira, 4 de setembro de 2008

"Olha quem é ele!..."

Cá está o "Shane"!... Andei "séculos" a ouvir falar do filme sem poder vê-lo! Uma estúpida censura (sob a forma de classificação de filmes por idades) impediu-me, durante um montão incrível de tempo, de vê-lo! Acabei por ter a oportunidade de vê-lo no "Condes", em reposição.

Logo-logo, tive um choque tremendo: não era (estava longe de ser!) um filme "claro" e "limpinho" como aqueles que eu gostava de ver. Aquela sequência do duelo ente o Elisha Cook Jr. e o Jack Palance/Jack Wilson naquela rua inimaginavelmente lamacenta (isto muitos anos antes das "óperas" expressionistas italianas do Leone...) deixou-me confuso durante muito tempo. Gostei ou não?... Completamente, quero eu dizer (tive a mesma dúvida com o "Rio Sem Regresso" do Preminger---a que, todavia, aderi mais rapidamente, tendo-me decidido com muito maior presteza). Hoje reconheço que essa dúvida, um dúvida dessa natureza, é talvez a melhor marca da qualidade e do interesse de um filme. Ou livro. Ou peça de teatro e por aí fora.

Como o Gaudì e a obra dele ou o Miró. Como o Ferreri. Como o Buñuel. Quando a gente vê e, de repente, todas as nossas certezas oscilam e somos forçados a repassá-las, uma por uma, a fim de acomodar o que vimos e as impresões que isso nos causou. É isso a dialéctica, suponho. Ou é isso TAMBÉM a dialéctica.
A Dialéctica foi removida da realidade, como se sabe, pelas telenovelas da TVI ficando nós e a nossa consciência reduzidos às duas dimensões que identificam e permitem identificar classicamente as consciencialidades exclusivamente animais...

Deixo aqui também um fotograma de "Tristana" um fabuloso retrato da "España de charanga e pandereta, de cerrado y sacristia, devota de Frascuelo y de María/De espirito burlón y alma quieta" (como escreveu Machado), dessa Espanha contraditória, paradoxal e insolúvel que Buñuel tão bem captou no mais sadiano dos seus filmes. Um documento prodigioso sobre a ambiguidade do gostar.

António Machado


Sem comentários: