quinta-feira, 4 de setembro de 2008

"O meu primo Luís"

Conheciamo-lo lá em casa como "o primo Luís"!

Era para nós uma espécie de mito que a distância (e os péssimos transportes da época) potenciavam. Sempre que alguém dizia, assim tipo pregoeiro de outros tempos e invariavelmente com uma excitação inescondível na voz, qual sistema de comunicações interno familiar: "O primo Luís vai cantar à televisão!" saltávamos todos literalmente, mortalmente angustiados com a dúvida que imediatamente se nos punha todos, membros das duas famílias directamente interessadas, os Piçarras e os Acabados: "Onde é que a gente há-de ir ouvi-lo?!")

Nessa altura, vir de Moura a Lisboa (ou vice-versa) demorava um dia. Recordo-me de ir com o meu Tio José da Costa e a minha Avó a Moura de carro (no Isabella da minha Avó), sairmos de manhã e chegarmos noite fechada. Recordo-me em particular da iluminação que NÃO havia nas terras e da emoção do esforço que nos era pedido para vermos se "aquilo" já era alguma terra. Alguma terra (Pias, Safara, etc.) de cuja presença apenas nos apercebíamos quando já estávamos lá dentro, de tal modo era escuro o campo na época. Viajar de noite era como atravessar um limbo emocionantemente insituável e etéreo, onde todo o imenso potencial de excitação infantil tinha pasto ilimitado...

Até o Hotel de Moura era emocionante com as suas salas imensas e nuas, o restaurante meio imerso na sombra quando chegávamos, a negociação da refeição improvisada, a ida às ecuras para os quartos de um dos quais se via o cinema ao ar livre...
Moura: portal manuelino da Sé

Moura era a pátria do "casão" da Rua das Molejas (onde brincávamos na charrette do meu Avô com a espada do meu outro Avô); da casa da Rua Garcia Peres (em cuja adega o meu tio se ia afogando um dia, salvo à justa pela minha Mãe) mas era sobretudo, o território do meu "primo Luís" onde as espantosas e míticas "aventuras" dele tinham lugar: as refeiçõe pantagruélicas, os luxos dificilmente inmagináveis da minha Tia Luísa (que, dizia-se, quand o tédio a atacava, vinha a Lisboa, ao Chiado, gastar "quinhentos escudos" em bibelots...); a imensa bonomia do meu Tio Luís, para quem a vida era, apesar de tudo, como para Calderón, "sueño"...

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