sábado, 1 de agosto de 2009

"«Eurovegetativos, graças a Deus!» ou «La Sacre De L' Abomination»"

Verdadeiramente lastimável (miserando!) o modo como em Portugal (não!) se exerce regularmente a Cidadania!

Até nas mais pequenas coisas do dia-a-dia se verifica uma incúria, um desleixo, um desrespeito pelas obrigações (até pelas que se encontram contratualmente definidas de modo expresso, de modo formal)---as próprias e as alheias; até nessas coisas aparentemente insignificantes e (muito!) supostamente menores, dizia, se confirma e reconsolida diariamente, enfim, a dramática incultura cívica e política nacional: uma pouca vergonha que brada aos céus e que constitui, no limite, aquilo que, sem que disso desgraçadamente nos demos conta (assim como do que está ao nosso alcance fazer para evitá-lo) impede que, como país, possamos alimentar a esperança de virmos, um dia, ("como os outros!") a sair do "quarto ou quinto mundo cívico e político" onde vamos fazendo absoluta questão de seguir alegremente vegetando para podermos aspirar, então, por fim, a "ascender de direito ao século XXI", que é como quem diz: à "1ª divisão da cidadania" que é, já há muito, o lugar natural dos países (verdadeiramente) europeus e não apenas epidermicamente modernos.

Por toda a parte e em todos os âmbitos e domínios onde (não!) se "faz ou (não!) se produz Cidadania" (o condomínio, a condução, o supermercado, a agência de viagens, o posto de saúde---onde e como quer que seja que tenhamos de participar regularmente na vida da "cidade") se verifica, com efeito, a mesma terceira-mundista, fatal aplicação do que chamo "o princípio nacional do pouco-mais-ou-menos".

Somos, de facto, queiramo-lo ou não, como colectivo, um país... "de pouco mais ou menos".

Na estrada, sigo por uma via onde o limite legal de velocidade são 50 km mas eu não tenho o mínimo problema em achar que é a coisa mais natural deste mundo percorrê-la a 70 ou 80 (se não mesmo a 100...) porque aquele limite é "apenas uma referência", um "valor aproximado", "porque eu conheço perfeitamente os meus limites", "porque se o fizer com segurança, não há problema" porque, numa palavra... "a 50, sim, mas... pouco mais ou menos"...

É um "supônhamos", não é? Um simples "supônhamos" que "fáçamos"...

Vou a um centro de saúde, tenho consulta marcada para as 10.00, o médico chega às 11.00 ou às 11.30 (se a consulta é às 10.00, "ele chega sempre às 11.00 ou 11.30: eu já estou a contar..."), vai ainda, primeiro, tomar café ("ele toma sempre um cafézinho antes de começar as consultas...") e eu aceito, conformo-me, nem me passa pela cabeça exigir que os horários se cumpram, que o Estado dê o exemplo, que os cidadãos e, por maioria de razão, os que estão fragilizados por uma doença qualquer, sejam respeitados e que vejam os seus direitos serem respeitados: também, neste caso, é... "pouco mais ou menos".

E (pior ainda!) se alguém se insurge e exige o livro de reclamações, olho-o com desconfiança, sorrio irónico e murmuro em surdina, com sarcasmo, acotovelando com um esgar cúmplice a pessoa do lado, tão lesada nos seus direitos cívicos básicos como eu próprio: "Este tem a mania que é esperto...

Hás-de ter cá uma sorte!..."

Se, no condomínio, sou eleito administrador e me deparo com um morador que não paga (e aqui falo por experiência própria, bem próxima, aliás!) reajo enchendo a boca com expressões do tipo: "eu, se quisesse, até podia processá-lo mas..."

Portugal é "isto", a nossa ideia nacional de Cidadania é "isto" e nada permite supor que deixe de sê-lo um dia.

...A tempo de eu próprio poder constatar em tempo real qualquer significativo (mesmo mínimo!) sinal de mudança, em todo o caso...

É, por isso, que é hoje possível que, a nível mais... "macropolítico", um "figurão" qualquer, indescritivelmente boçal e alarve, ocupe o melhor (o melhor?!!...) do seu "tempo pessoal e profissional" a insultar toda a gente de um lado e de outro do Atlântico e haja quem o ache "um político astuto", "mordaz" e "um pouco irreverente" (quando devia achá-lo simplesmente um inominável labrego sem decoro); que um outro tenha, acossado por ela em resultado de irregularidades e múltiplas imputações criminais de toda a espécie, fugido à Justiça, invocado outra nacionalidade que não a portuguesa e continue, apesar disso, uma vez regressado e condenado em juízo, alegremente à frente de uma câmara municipal portuguesa como se nada se tivesse passado e como se a própria Virgem de Fátima tivesse reencarnado, desta vez, um pouco mais a norte do local onde o terá, segundo alguns, originalmente feito; que outro ainda se ofereça biografias ou currículos "de encomenda" e que o seu nome seja citado expressamente na crónica policial de um país estrangeiro, à mistura com o dos vulgares ratoneiros, dos piores patifes e/ou perigosos terroristas; que outro ainda guarde centenas ou milhares de euros (segundo ele...) "sobrantes de campanhas eleitorais" em contas privadas na Suiça e não consiga ver "onde é que está o problema" e que um quarto (ou quinto ou sexto!) seja constituído arguido, acusado de... e outro de... e um sexto ou sétimo de... e todos possam seguir com a mesma cândida, sã e puríssima alegria e imaculado ar de inocência, candidatando-se aos mais altos cargos de representação política nacional ou local, descartando-se, ao mesmo tempo, como se não fosse nada com eles, das gravíssimas imputações que diariamente lhes são feitas (e que conduziriam, de resto, qualquer um de nós, anónimos cidadãos, provavelmente mais ou menos direitinhos para a cadeia) com lenga-lengas de "campanhas negras" e o "fado do coitadinho", prontamente engolido, aliás, pela generalidade dos que acham (dos que já achavam e hão-de previsivelmente até ao "fim dos tempos" continuar a achar) no dia a dia, que "já são onze horas mas o sr. dr. ainda deve vir, que ele costuma sempre chegar um bocadinho atrasado"; que "o sr. Fulaninho da Silva, coitadinho, tão bom, tão simpático não ia fazer isso às crianças!"; que o "sr. eng. Beltrano era lá capaz de comprar o diploma ou de empochar, pelo meio, um "pot de vin" bem gordinho para aprovar o que quer que fosse onde quer que fosse da parte do País que lhe estava confiadamente entregue ou precisamente confiada: com aquela carinha de santo, isso só podem ser invejas! (Razão tem o dr. Júdice: cuidado com os invejosos que deles não será o reino dos céus!...)" ou ainda, num caso bem recente, que "o hospital não tem culpa de que os doentes sr. Mengano de Tal e sra. Transtagana de Qual tenham ficado cegos em resultado de cuidados (?!) de saúde (??!!) lá prestados porque "aquilo foi, de certeza, sabotagem".

("Coitados dos médicos foram impecáveis e até a sra. ministra cá esteve em pessoa a oferecer-se para pagar a viagem a Cuba, para que nada nos faltasse!...")

Ou que...

Ou que...

E ainda que...

Portugal é assim: fornicam-no de todas as formas e feitios e ei-lo que se contorce, em êxatse cívico e político, abanando a cauda e agitando as lusitanas, pachorrentas orelhas de burro (de "fantoche", como dizia o outro) em puro gozo, como um cãozinho piroso e amaricado de emigrante, entronizando os vigaristas, celebrando em triunfo os aldrabões, carregando permanentemente em ombros um troca-tintas qualquer que jurou levar à glória juntamente com a cautela premiada em que a vida política invariavelmente para ele, vigarista coroado, está condenada a tornar-se---em que invariavelmente se converte a vida, dita "política", neste país de Aldrabões e Chicos Espertos, para qualquer arrivista barato que se chegue "à frente" com as narinas a fremir ao odor da "carniça política e financeira", ávido de cobiça e de luxúria; neste país de "pedreiras e pedreiros" onde só os parvos como eu e vocês todos não têm pão à ceia nem um lugar onde cair mortos porque há sempre um parasita ou um malandrim qualquer mais esperto do que os outros que já reservou um e outro antecipadamente para si e para a corja de mariolas de que os espertalhões "de carreira" a esse nível nunca se separam para terem sempre quem lhes cante loas na televisão ou nos jornais e ajude a gastar o dinheiro tão laboriosamente "sacado" aos tansos e aos papalvos que fazemos questão de ser como país.
Portugal, lugar de desbunda, de falperra e de legal rapinagem...

...De meia dúzia que têm, todavia, a inestimável assistência material e (i) moral de um povo que só tem, por sua vez, realmente, para se orgulhar hoje-por-hoje, o modo como aceita ver na conformação beata com a sua própria abjecção (cuidadosamente procurada e, até, amorosamente desejada!) assim como no servilismo mais torpe e repelente---no "suicídio ético, cívico e político" colectivo nacional---o modelo "ideal" de vida pública.

Foi seguramente a "pensar" num povo como o português de hoje que Pope escreveu o epigrama que ainda não há muito aqui mesmo recordava:
"I am his majesty's dog at Kew.
Pray! Tell me, sir, whose dog are you?"

Eis o que nos resta como paradigma nacional de cidadania: saber de que discutível (e mais que previsivelmente indigna!) "majestade" vamos ser o "cão", nos próximos quatro anos!...

Pelo meio, hão-de valer-nos a Senhora de Fátima para nos irmos "queixando" e o Ronaldo para nos seguir permitindo a ilusão de realmente existirmos...

Para o que nos havia de dar, ham?!...

[Na imagem: "Portugal Profundo", colagem sobre papel do titular do blog, originalmente por este publicada em http://umnaoalexandreonirico.blogspot.com/]

3 comentários:

Gonçalo disse...

É isso mesmo, a mentalidade tuga no seu melhor.E acrescentaria ainda a má educação constante derivada quanto a mim de um sentimento de inferioridade, uma mesquinhez e resignação perante os problemas.

Gonçalo disse...

A mim chamem-me o que quiserem mas se há dois povos que eu admiro e sempre admirei pela sua capacidade de superação às adversidades são o alemão e o japonês. Se pensarmos nos regimes sangrentos que tiveram, na devastação que sofreram com a Guerra e na capacidade que tiveram de se endireitar e de voltarem a ser motores da economia em pouco tempo talvez possamos aprender alguma coisa.

Carlos Machado Acabado disse...

Sim mas...
Eu ando agora a (re) o Sven Hassel (que é um daqueles autores que a gente guarda para o fim: de que ouve falar muito---demais?...---e que aborda sempre com muitas reservas).
Seja como for, ando a ler algumas coisas e a reler uma que tinha começado em tempos (no barco do Barreiro...) e nunca tinha acabado.
E fiquei horrorizado, sobretudo com uma coisa chamada "General SS".
"Aquilo" é o "outro lado" da proficiência---da obsessiva "perfeição"...---germânica.
Eu acho que o mal "ali", no 'caso' alemão, designadamente, é precisamente a perfeição: a capacidade (inata?) para separar a eficácia das considerações de ordem moral, do(s) sentimento(s).
Eu prefiro, francamente, menos eficácia e mais ética...
Eu vivi um tempo numa certa... "periferia da germanicidade" (norte da Bélgica e Holanda) e tive um cheirinho desta frieza firmemente instalada que facilmente se converte (ou se "muta") em mecanicismo puro.
O ideal seria uma (impossível!) fusão da recuperação alemã com a truculenta loucura de uma Itália (sem o "Berluscas"...) ou até de uma França (com o Zola e o Sartre ainda vivos...).
De uma França mediterrânica, ham?..
Seria a quadratura do círculo...
A eficiência germânica e uma certa loucura do Sul...
Isso, eu pagava para ver!...

Um abraço!