domingo, 30 de agosto de 2009

"Do «Estado funcional economocrático»: Algumas reflexões pessoais" [Texto em Construção]

O "Público" de hoje, domingo, dia 30.08.09 fornece, num artigo sobre a as eleições (e, de um modo geral, a situação económica) no Japão (cf. in "Público" de 30.08.09, Sérgio Aníbal, "A economia que não se consegue livrar da deflação") um contributo relevante para o esclarecimento ulterior de dois conceitos que considero essenciais: o de "Estado funcional" (nome que eu próprio dou ao que os diversos capitalismos existentes costumam designar, sem grande rigor, por "Estado social") e o "Economocracia" ou " Inversão" (em termos mais amplos, abstractos e teóricos: "inversionalidade") economocrata" de refrência.
Primeiro item: o "Estado funcional".

Refere o "Público" como o governo liberal japonês foi conseguindo amortecer o que para o articulista constitui claramente uma tendência---um "trend"---de persistente (consistente, pelos vistos) e profundo declínio a nível das dinamias nucleares da "máquina económica" (e "económico-social") japonesa, de natureza muito dificilmente reversível, com recurso a injecções de investimento público que, precisamente, impediram o desabamento ainda mais rápido de todo o sistema.

Ora, isto diz muito sobre o modo como o capitalismo "social" ("à pê-ésse") concebe e interpreta na prática concreta a consigna ou 'cliché operativo' do "menos Estado/melhor Estado".

À revelia das concepções orgânicas verdadeira (e teoreticamente) modernas de Estado, aquilo que o capitalismo "social" (ou 'neossocial funcional') pretende na realidade do Estado é que opere como uma espécie de, ele próprio, "superfuncionário móvel" ou mesmo "operário especializado" da máquina económica como tal.

Quer dizer: o capitalismo dito "social" (ou mesmo em determinados casos de menor escrúpulo e rigor: "socialista") pretende, na prática, aplicar ao próprio Estado o modelo de contratação infixo e instrumentalmente descontínuo a que chama "flexível" (ou mais "modernamente": "flexiseguro"...) desactivando-o, assim, estrategicamente sempre que os "ventos estr(e)itamente técnicos" da economia correm de feição mas reintegrando-o no quadro de funcionários quando o próprio sistema se revela incapaz de reequilibrar-se na sequência de qualquer "crise" mais profunda por ele mesmo provocada, como neste preciso momento (e não apenas no Japão) acontece.

Tão simples quanto isto: o "Estado funcional" dos capitalismos "sociais" está vinculado, não directa, imediata e naturalmente à sociedade que o vota para representá-la mas, na realidade, ao núcleo económico 'motor' dessa mesma sociedade apenas produzindo ou admitindo, na prática, produzir paera esta com0o tal qualquer admissível benefício como efeito secundário daquela "aliança" com um elemento infra-estrutural dela ou nela situado.

Estamos, pois, perante uma deriva objectual e um esvaziamento material (não completamente admitido, embora) a do conceito verdadeiramente moderno de Estado.

Aquilo a que chamo o "Estado-consciência" moderno ('descendente civilizacional' dos modelos teóricos---em si mesmos contraditórios mas dialecticamente interactivos---de Estado hegeliano e, posteriormente, marxista) nasce, como conquista civilizacional, da necessidade sentida por grupos humanos cada vez mais estáveis e auto-conscientes de adequar operativamente os seus próprios desejos e legítimas aspirações individuais mas, sobretudo, colectivas aos próprios paradigmas operantes estáveis, básicos, essenciais, de vida política mas, de um modo que não pressupunha qualquer ideia de "mediação verticial" de um modelo económico fixo, situado angularmente entre ambas.

As versões "funcionais" pós-modernas diastinguem-se (in?) exactamente por introduzirem esse "deflector e retardador institucional" da "economia" entre as sociedades e a sua expressão política natural e concreta.

Ao intrometerem-se---de forma, a todos os títulos apócrifa---entre ambas essas realidades, forçaram aquela deformação tácita do próprio papel histórico do Estado a que atrás faço referência, passando a vincular o Estado primariamente às operações técnicas de servir a manutenção do sistema económico e apenas secundariamente, como disse, o objectivo original e essencial de servir de instrumento político directo à concretização dos anseios das próprias sociedades como tal.

O próprio papel (secundariamente disfuncional) da democracia passou, como tantas vezes tenho dito a ser o de demonstrar institucionalmente a pretensa 'imutabilidade natural' do modelo económico preciso situado no seu centro, forçando, desta vez a democracia, a um papel espúrio e profundamente disfuncional: o de manter a História sólida e artificialmente fixada a si mesma em vez de ser, como era nos projectos teóricos nobres anteriores, o de permitir exactamente, ao invés, que ela se soltasse sempre que o desejasse das sua circunstâncias objectuais concretas e pudesse (volto dizer: exactamente ao contrário) deslocar-se não só livre como também, de modo cumulativo, organizadamente no Tempo, sempre em busca de novas soluções institucionais e de todo o tipo para si própria.

Aquilo que os capitalismos de todo o tipo abominam no socialismo (mesmo nas formas reconhecida e ulteriormente disfuncionais de socialismo praticadas no interior das sociedades ditas 'de Leste', quando estas iniciaram um processo de esvaziamento continuado das generosas concepções originais) foi exactamente a utilização formalmente certa do Estado, ocupando---mal, embora, naquele caso---o lugar que para eles devia "naturalmente" ser o da economia).

Por isso, abominaram, como disse, o verdadeiro socialismo (que, é preciso dizer, não tem nada com aquilo que os partidos que abusiva e atrevidamente usam essa designação para tentar legitimar a sua desarticulação do próprio socialismo) e, por isso, também, durante muito tempo não viram o que quer que fosse de "errado" nas formas concretas de "capitalismo total" visadas pelos autoritarismos dos anos vinte e trinta do século passado até que a consabida e incontrolável voracidade deste forçasse um confronto que acabou, como se sabe, numa guerra mundial (1).

Absurdamente visto como um "irmão gémeo" do socialismo, o fascismo (e o nazismo!) foram o seu contrário integral: em qualquer deles, com efeito, o Estado não opera, em caso algum, como 'vértice operativo' da vida ecnómica, social e política.

Pelo contrário!

Eu sempre disse que o decantado poder absoluto de Mussolini ou de Hitler (ou de Franco ou de Salazar) num certo sentido muito preciso e perfeitamente demonstrável, nunca, na realidade existiu: o poder de Hitler e do Estado nazi nada (ou pouco mais)era na realidade do que a precisamente a exponenciação até um (quase?) limite do poder funcional que têm hoje os dirigentes políticos "democráticos" que lhes sucederam: o de mediar o verdadeiro poder que é o do grande capital financeiro de que eles operam como agentes e mediadores.

Daí, eu usar com frequência a expressão "Estado broker" ou mesmo "Estado... almocreve" para designar o que comecei por chamar "Estado funcional".

Em países e economias como as da extinta União Soviética, quem conduz a Economia; quem dertermina quem dela deve partilhar, de que modo preciso e em que nível ou escalão é, ao contrário disso, mesmo o Estado---e é isso (o imenso valor social que esse modelo em si contém e que a gestão do próprio Estado, no fundo, já pós-soviético e até pós-socialista, não foi, a partrir de dado passo da sua História, capaz de seguir garantindo que chegasse contínua e realmente à prática) que o capitalismo (ou os "capitalismos") nunca lhe puderam perdoar e que, de facto, não perdoaram.

Porque, repito, o paradigma de sociedade e especificadamente de economia que o verdadeiro socialismo propõe e que, enquanto vigorou o espírito original da tomada do poder pelos sovietes, foi seguido nos países de Leste) é exactamente o oposto do modelo "funcional" ambicionado e realizado por eles nas sociedades onde capitalismo permanece o padrão organizacional concreto e a que chamo, pois, por tudo quanto disse, de "Estado" (ou "estaticidade") "funcionais" sendo que as formas de revestimento politiforme respectivas devem, a meu ver, ser naturalmentre designadas, por seu turno de "democracia (meramente) instrumental" ou mesmo "inorgânica".

Dito isto, é fácil de perceber (eu, de resto, já atrás praticamente o disse) como se articulam os modelos de "Estado funcional" e o que designo por "economocracia" ou "deriva economocrata" pura do capitalismo que comecei por referir utilizando, para ionduzir a ideia em causa, o exemplo da economia japonesa actual .

Na realidade, falhada implementação do capitalismo total (cf. a noção luddendorfiana de "Totaler Krieg" ou "guerra total" seguida por Hitler no plano militar que visava, para ele e pra o grande capital financeiro alemão que o levou ao poder abrir o caminho para a Economia, daí o reforço da ideia de "totalidade" que o nazismo e, em geral, os fascismos procuravam, a partrir da consolidação de uma visão específica de economia); na realidade, falhada a tentativa de "totalizar" expressa e institucionalmente o capitalismo, dizia, este virou-se para formas mais subtis que passavam pelo esvaziamento operativo objectual das formas de expressão e organização política---designadamente o modelo eleitoral---levando-o, como atrás disse, a operar na prática como entidade objectivamente bloqueadora da dinâmica histórica mas, também, adicionalmente, como dispositivo de 'justificação teórica e prática' da suposta 'inevitabilidade' dessa mesma ausência de dinâmica e concretamente de mudança da própria História.

Criou-se assim a ilusão (permitam-me o jogo de palavras: não sei se "de óptica" se "de... ética") de que a História (e dentro dela a Economia e a Política que do seu uso histórico concreto, deriva) não mudam porque a sociedade não quer que elas mudem.

Não já porque existem leis para o efeito mas porque livremente as sociedades assim o determinam.

Esta ilusão latencial (Esta ilusão de óptica? De ética políticas?) de que a sociedade poderia mudar tudo se assim o desejasse é, no fundo, o grande instrumento do capitalismo moderno e, sobretudo, pós-moderno---do "democapitalismo neo-moderno"---e o grande suporte do Estado "funcional).

Na verdade, o capitalismo joga, hoje, com a possibilidade pura ou impuramente teórica de mudança onde ontem jogou com a imposição da ausência dessa mesma mudança.

Na prática, ele não mudou: nem ele nem as formas muito concretas, muito precisas de distribuição social e política do poder que dele resultam.

Mudou o seu modo de negociá-las social e políticamentre--ou mais exactamente: de parecer fazê-lo.

Mudou o seu modo de usar secundária e instrumental ou funcionalmente a "política" para consolidar-se e perpetuar-se.

Como comecei por afirmar.


NOTA


(1) Nem precisaria de citar Henry Ford, o Ford do "Judeu Internacional", um dos casos mais extremos (e embaraçosos!) de expressa aprovação do modelo de "capitalismo total" do nazismo.

É certo que Ford viria posteriormente a renegar o que aí disse mas não é menos verdade que o disse e que o disse numa altura em que era significativo que o fixesse porquanto era o momento da História contemporânea em que a luta anti-comunista, no seu afã de resultados, não olhava nem a meios concretos nem a sugestões teóricas para fundamentá-los e guiá-los.

Mas, como disse, nem seria necessário citar o caso limite de Ford.

Bastar-me-iam duas citações que me chegaram quase por mero acaso no próprio instante em que me pereparava para redigir esta 'entrada' extraídas de um romance muito conhecido de Sven Hassel (cf. Sven Hassel, "General S.S." ed. port. Editorial Europa-América, col. "Século XX", 2ª edição s/d, trad. port. de M. Canaveira de Campos, da edição francesa das Presses de la Cité")

Vejamos quais são:

"Nem o pior inimigo de Hitler lhe pode contestar as vantagens já atingidas por uma civilização renovada" (jornal "The Times", Londres, 24.07.33.

"A Alemanha teve a sorte de encontrar um chefe que soube juntar todas as forças do país em proveito da colectividade" ("Daily Mail" de 10.07.33, cf. ibid. loc. cit.)"


[Imagem extraída com a devida vénia de carloscharlesramos.blogspot.com]

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