quarta-feira, 19 de agosto de 2009

"Por Um «Sindicalismo Cidadão», Já!"


Do "Público" de 12.09.08 extraio desta feita um texto que juntei oportunamente ao meu infindável 'arquivo' de recortes.

Trata-se de texto assinado António Marujo e intitulado "Manuela Silva defende uma provedoria dos pobres".

É, no fundo, algo semelhante ao que venho, há muito, defendendo eu próprio e que nem sequer é novo.

É mesmo uma das famosísimas (e cada vez mais distantes e saudosas!) "conquistas (fulcrais!) de Abril": essa ideia de que um sistema político verdadeira (porque organicamente!) democrático deve começar 'de baixo' ecoando ou reportando esse movimento, essa dinâmica organizacional, gradualmente no sentido institucionalmente ascencional até chegar ao topo daquilo a que chamamos em geral a "sociedade civil" organizada, institucionalizada e a que eu, pessoalmente, prefiro chamar Cidadania (com maiúscula).

Uma das grandes "descobertas" sociais e políticas de Abril (não de "Novembro": aí, foi o inverso! De Abril!) foram, com efeito, as "comissões".

Houve-as de moradores, de utentes dos serviços de saúde, de estudantes, de inquilinos, de tudo.

Uma democracia, na realidade (e aí começou-se efectivamente a fazer democracia embora, desgraçasdamente, tivesse sido impossível concluir o processo ou, no mínimo, aprofundá-lo o suficientemente para que ele ganhasse consistência efectiva como paradigma estável, referenciador, de organização social e política); uma democracia, dizia, não é um sistema em que um colectivo negoceia o poder com um núcleo organizado de cidadãos reunido no que chamamos comummente 'governo'.

Mesmo que nessa sociedade vigore um paradigma electivo consolidado de escolha desses 'governo'.

Isso não basta, de facto, para que possamos falar em sistema democrático porque num sistema reconhecívvel e demonstravelmente democrátioco não é, como tantas vezes tenho dito, o poder que se negoceia mas o seu exercício funcional.

E isso, por sua vez, só se alcança se aquilo a que chamo "os tempos" da Democracia (o "tempo decisional" e o "tempo reflexional ou crítico") tenderem contínua mas, sobretudo, sólida---consistentemente---para a objectiva e efectiva coincidência material.

Para que tal aconteça, nas sociedades em que a dimensão física da própria sociedade e a complexidade estruturacional que daí (também) deriva excluem à partida a possibilidade de um institucionalização de um modelo de democracia directa) é essencial que a arquitectura organizacional específica, concreta, da sociedade ache modos de estabelecer canais de contínua ligação entre a base e o topo operacional da própria sociedade de modo a que se evite o risco de cindir, disfuncionalizando na prática, o vínculo indispensável entre aqueles "tempos".

Ora, aquilo que sucede nas nossas sociedades não realmente democráticas mas "demoformais inorgânicas" ou "emomórficas" é que, na prática, a negociação social e política incide sobre a partilha daquele Tempo global sucedendo, na realidade, que há um tempo, o "decisional" que é realmente cedido ao 'governo', ficando, em "contrapartida", um tempo "reflexional" (que é democraticamente absurdo conceber e representar como uma 'coisa' em si, i.e. fora de qualquer efectiva acção, em tempo tão real quanto possível, sobre o outro tempo, como única "regalia" ou "prerrogativa institucional" efectiva do todo social.

Da 'sociedade'.

Há, pois, no paradigma demomórfico uma dialéctica entre "tempos do poder" (e "tempos de poder" que pura e simplesmente não se faz, não se realiza.

Não há dialéctica: há mera esquizofrenia organizacional.

Ora, como sabemos, na dialéctica, num quadro dialéctico efectivo, genuíno, a realidade 'resolve-se' sempre "mais adiante", isto é, o espírito mesmo, o específico "de episteme" da dialéctica, consiste, em última instância, em abrir continuamente a História ao futuro i.e. no sentido de uma genuína e aberta futuridade---o que é exactamente o oposto do modo como opera de facto a "nossa" realidade política específica, institucional, cuja lógica (cujo propósito real!) consiste precisamente em utilizar, contínua e,sobretudo, instrumentalmente o futuro para demonstrar teórica e sempre anti-dialecticamente um presente (um presente económico, social e político) que, exactamente, se pretende, a todo o custo, que se conserve primariamente imutável, que não mude a não ser em aspectos instrumentalmente não-relevantes para a sobrevivência (in) essencial do modelo.

Dito de outro modo, o que na realidade se passa é que o poder está dividido, está dissociado, está des-integrado entre ele mesmo e um conjunto de imagens teóricas puramente "simbólicas" ou "simbológicas" e inoperantes dele---que o são (objectualmente inoperantes) exactamente porque a montante se organizou, de facto, a des-montagem (eu chamar-lhe-ia, julgo que se percebe facilmente porquê: estratégica) do "Tempo teórico orgânico" da Democracia e a sua distribuição desigual, descentral, pelas classes que compõem a sociedade.

O que acontece (e se confunde correntemente com funciobnamento genuinamente democrático da sociedade) é a validação periódica do mdelo desigual de negociação do próprio poder entre aqueles as classes.

Isto feito de tal modo que na realidade o poder dimana de cima e confirma-se em baixo quando devia ser (e seria, se a sociedade tivesse consolidado ai, sim, de facto democraticamente o processo esboçado de institucionalização de um paradigma de "produção efectiva e consistente de poder" assente numa rede estruturada de "comissões") exactamente ao invés, o poder vir de baixo e demonstrar-se ou "operativizar-se" 'em cima'.

Ora (e o artigo do "Público" vai, de algum modo embora de uma forma muito própria que não é excatamente aquela que eu mesmo proponho); ora, dizia, cada vez mais "os pobres" tendem a emergir do funcionamento desigual e socialmente des-equilibrado da sociedade tal como a concebemos genericamente hoje (na "nossa" "sociedade descentral e inorgânica") uma (não?) classe social em si mesmos.

Em países como o Brasil há já esboços de "sindicalização cidadã", nos Sem Terra, por exemplo.

Ora, aquilo que eu digo é que, recuperando no essencial o "espírito" de Abril no que ele teve de mais fecundo e radical em termos de proposta de organização social e política, é vital que redescubramos as potencialidades revolucionárias da re-radicação do poder na base, não no topo, de toda a estrutura ou máquina do social.

Tem de ser esse o "ângulo teorético" determinante, a perspectiva especificamente direccionante do pensar político de Esquerda, hoje---uma "Esquerda" que pode (e, num certo sentido muito preciso, deve mesmo!) legitimamente, incorporar quantos, como parece pretender a presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, citada no título do artigo do "Público", considerem exactamente como eu aqui considero, que a Histíoria (e a Política como instrumento objectivo, material, de "produção social de História") deve começar naturalmente de baixo e (como dizer?) ir, então, subindo gradualmente a escadaria institucional das sociedades, sendo que para que haja uma distribuição harmónica do movimento social e político assim organizado ao longo daquela "escadaria", se revela essencial, como é óbvio, que as referidas comissões passem por um processo muito sério de definição e estruturação, como não houve tempo para que acontecesse no período essencial que medeia enttre 25 de Abril de 1974 e 25 de Movembro de 1975.


[Na imagem: "Puppets", colagem sobre papel do titular do blog]

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