segunda-feira, 17 de agosto de 2009

"De L´Esprit Des Lois"...


O "Público" de hoje inseria um editorial subscrito pelo director, José Manuel Fernandes.

O tema (mais ou menos directamente indiciado logo pelo próprio título (é para isso, justamente, que servem os títulos, não?); o título, dizia, "Nem sempre é justo o preço de vivermos em democracia") suscita-me várias reflexões.

...a começar pela ideia implícita ("taken for granted"...) de que estaríamos hoje-por-hoje, em Portugal, a viver em democracia.

Ora, de acordo com aquilo que penso, não estamos!
Estamos, sim, a viver uma espécie de fluído (muito des/estruturalmente infixo) sistema mais ou menos inerte, mais ou menos formalmente "demomórfico" (versão engenhosamente "updated" da famosíssima "democracia orgânica" com a qual o anterior regime "inaugurou" a sua vivência política, chamemos-lhe: teórica no período do imediato pós-guerra) por conter alguns dos mais (como dizer?) 'ostensivamente irrecusáveis' (ainda que não necessariamente bastantes!) órgãos do que comum e nem sempre reflectidamente designamos por democracia.

Fundamento, afinal, insuficiente esse (que serviu, aliás---e isso deveria bastar para demonstrar precisamente essa, para mim óbvia, in-suficiência---ao salazarismo para se legitimar politicamente quando os seus modelos conceptivos internacionais, a Alemanha, a Itália e o Japão fascistas) se viram confrontados com a derrota do "capitalismo total" que, a dado momento, se propuseram implantar de modo global em todo o mundo).

Ter os órgão---alguns órgãos---da democracia não basta, com efeito, para que um sistema político o seja e aí reside, numa palavra, o primeiro (e grave!) equívoco do editorial de hoje do "Público".

Não vou aqui repetir aquilo que entendo ser essencial plantar no sistema para que este possa começar a operar de modo realmente representativo e (lá está!) efectivamente democrático.

Já o disse noutros lugares deste "Diário", é só quem quiser sabê-lo dar-se ao trabalho de pesquisar.

Aquilo sobre que vale a pena que nos detenhamos um pouco neste ponto é o seguinte: José Manuel ernandes acha que (e cito) "a política [...] não se resolve com leis".

Falando de um tal António Preto, candidato do P.S.D. às próximas eleições nacionais, ainda que pronunciado por vários crimes graves que, queira-o ou não quem o aceitou como candidato, afectam consideravelmente a sua imagem pessoal e política mas, mais grave ainda, o próprio sistema político a quem, pelos vistos, não bastavam já todos os Loureiros, Felgueiras, Isaltinos e quejandos, foi ainda preciso ir buscar mais este para se descedibilizar um pouco mais naos olhos de, pelo menos, alguns dos eleitores nacionais já profundamente incomodados com a prolferação de sujeitos duvidosos que lhes entram pela casa (e pela Política!) dentro, praticamente todos os dias.

Ora, segundo o director e editorialista do "Público" isto, este verdadeiro carrocel de cidadãos de moralidade objectivamente (em alguns casos, comprovadamente) duvidosa «não vai lá com leis».

Vai, segundo ele (e volto a citar), com "sentido político e sentido ético".

O perigo é, argumenta ele, desde logo, o que designa pela "judicialização" da vida política nacional.

Francamente nunca percebi muito bem (dito de outro modo, mais exacto e rigoroso: nunca tive pachorra para lidar com) os prúridos mais ou menos instintuais de um certo vago pan-liberalicismo militante) relativamente a tudo quanto, directa ou indirectamente aos seus cultores cheire a Estado.

É, ainda e sempre, o velho (e enganador) "Menos Estado, Melhor Estado" com que uma certa Direita sobretudo anterior à actual "crise" adorava "encher a boca" (e "encher-nos os pòs-socialistas ouvidos", como diria um espanhol "por si acaso" que é como quem diz: "não fosse a gente sentir a tentação de "se meter" outra vez com o mercado e a "economocracia" triunfante após a "queda do muro"...).

Ora, Justiça "cheira demasiado a Estado", cheira demasiado a organização autónoma, a obstáculo, a... "anisotropia politiforme", isto é, a foco de (demasiada) resistência à apoteose economocrata pura que está sempre, de um modo ou de outro presente---subjacente---à argumentação expressa dos "teóricos mercadomaníacos de carreira" que começaram entre nós a proliferar como autênticos cogumelos com a "globalizotopia ou "obsessão globalizotópica" "europeia" (pós) moderna; apoteose essa que era, aliás, é preciso recordá-lo, suposto precisamente, fomentando ao que se dizia a autoregeneração funcional contínua do "sistema", impedir as crises do tipo daquela que, apesar disso, se abateu recentemente sobre a "Globalizotópolis" mundial.

Ora, como tantas vezes tenho dito, nós não temos em Portugal maus políticos: temos é péssimos cidadãos.

Dito de outro modo: os maus políticos não passam, afinal, na realidade, de um incidente menor na vida política do País.

O grande problema são os que se revêem neles e os "empurram" tão estouvada quanto irresponsavelmente para os cargos que ocupam---e que alegremente degradam ao ocupá-los.

Esse, sim, é o problema---o de vivermos num verdadeiro círculo vicioso da Política e da Cidadania que consiste em seguirmos condenados a ter, em alguns casos, verdadeiros escroques e burlões em cargos chave da República porque quem neles vota não consegue manifestamente descortinar o que quer que seja para além do regionalismo bronco, limitado e quantas vezes alvar e de seguir, por outro lado, tendo nessa espécie de caricatura alabragada, boçal e completamente acéfala de uma Cidadania que 'nunca mais chega' exactamente porque quem se instala no poder faz (literalmente!) tudo quanto pode para conservá-la em tal estado larvar da existência política porque é precisamente nesse analfabetismo cívico e político astuciosamente alimentado "de cima" que se situa a chave da sobrevivência material do seu indecoroso e degradante modelo de "poder".

Ora, isso, resolve-se com leis!

É mesmo, não hesito em dizê-lo, o único modo possível de romper o círculo vicioso que nos mantém há anos persistentemente atrasados da Europa e do mundo inteiro.

Com leis que permitam que a Educação nacional não permaneça indefinidamente condenada à trágica situação de refém inerme de toda a espécie de tarefeiros medíocres e de incompetentes "de carreira"; com leis que acessibilizem a Justiça (por definição, uma das chaves essenciais do Estado de Direito!) aos Cidadãos e fomentem assim o seu uso consciente e responável pela sociedade em geral; com leis que expulsem de vez da Política os aldrabões encartados, os autênticos "saqueadores profissionais" que amiúde por lá vagueiam, eternamente, como indecorosos Ulisses da rapinagem em busca de uma Ítaca de privilégios e mordomias de que o Estado é mero instrumento ou simples alfaia.

E por aí adiante.

Não há, repito, senão as leis que possam regenerar um País que perdeu a vergonha e não vai previsivelmente reenconttrar-se com ela sem intervenção de uma coisa a que muitos chamam (sem curar exactamente de saber por que precisas razões e com que exactos fundamento o fazem!) o Estado de direito e que eu pessoalmente prefiro designar pela expressão original de o "Estado consciência".

Não é com leis que se fazem a Democracia e a própria Ética se torna exigência básica de Cidadania?

Vão dizer isso ao Montesquieu, ao Rousseau---a todos aqueles que ajudaram a fundar a Modernidade Cívica e Política e que hoje, "lá do assento etéreo onde subiram", a vêem estrondosamente naufragar entre reflexões eufónicas mas vãs de jornalistas bem-pensantes distribuindo retórica num mundo onde o esclarecimento há muito se retirou para parte incerta e dignidade acabou agora mesmo, ela mesma de "meter os papéis para a reforma", canada de remar sozinha (ou pouco menos) contra a maré...


[Imagem extraída com a devida vénia de marklevinfan.com]

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