A já por mim aqui diversas vezes referida "Semana do Diálogo Social" onde tive ocasião de participar recentemente, como também penso que já disse, a convite da minha ex-colega e Amiga Maria Reina Martin forneceu-me o ensejo imediato para intervir, mesmo se num âmbito muito limitdo, no contexto de um aspecto da "questão cívica" (e também "civilizacional") respeitante ao papel concreto de cada um de nós na definição de um paradigma verdadeiramente human(izad)o de "Desenvolvimento" ou de "Progresso".
Nem de propósito, no dia 01.09.08, o jornal "Público" integrava um texto do Prof. Santana Castilho onde discorria, com a determinada frontalidade de sempre sobre o famigerado computador "Magalhães" contextualizando-o num quadro de investimento assumido na forma das coisas em detrimento do respectivo (e essencial) conteúdo.
Ou seja: quando me foi proposto pela Reina que seleccionasse um acervo concreto, particular, específico de filmes destinados a "ilustrarem cinematograficamente" com eficácia demonstrativa o projecto básico da "Semana" (que era, como o próprio nome indica, potenciar a múltiplos níveis o "diálogo social", a minha preocupação fundamental foi a de "demonstrar" (foi, se se quiser: a de alcançar um paradigma básico e minimamente fiável de "demonstração"---ou de "demonstratividade") do princípio fundamental de que não pode haver "progresso" sem uma reflexão individual e colectiva constante estrutural e, ao mesmo tempo, realmente, democrática, sobre ele que é como quem diz: sobre os diversos paradigmas que, tendo-o em vista, podemos como comunidade(s) a proósito dele formular.
Recuperando concretamente o texto do sempre esclarecido Prof. Castilho, eu diria que "não é com Magalhães que se apanham moscas", isto é, muito claramente é tonto pretender que um reforço puramente instrumental no papel (aliás, profundamente abusivo e disfuncional) do "Estado broker" ou "Estado almocreve" tão do agrado dos neo-liberais pós-sociais do socratismo que se promove qualquer modelo minimamente saudável e democrático de "Desenvolvimento". É o caso da Escola Secundária da Brandoa (onde leccionei durante um saudoso triénio) que tinha umas instalações completamente impróprias mas dispunha, por outro lado, de um número significativo de gente disposta a empenhar-se a fundo em prol da Educação, concebendo continuamente projectos destinados a compensar esse tipo de carência (no fundo, imaterial e em última instância irrelevante ou não decisivamente relevante, pelo menos) com um investimento determinado em inteligência dessa mesma situação e, por conseguinte, não apenas das limitações por ela impostas como, sobretudo, das estratégias necessárias para superá-las e que eram objecto de ampla discusão colectiva.
Ou seja: o segredo ou, pelo menos grande parte dele encontrava-se, na realidade, naquela 'educada inteligência' da realidade que se procurava na base de tudo promover, diria eu, como parte essencial, estrutural, elemental do próprio projecto educativo.
Quando, na "Semana" decidimos incluir um documentário (aliás, interessantíssimo, esclareceder) sobre a linha-de-montagem fordiana dos anos 20, quisemos que não ficasse pela simples exposição, pela mera "contemplação" passiva a apresentação de uma situação, de resto, reconhecidamente desumana e humanisicamente disfuncional. E agregámos-lhe dois outros filmes que permitiam representar de uma forma (que era, idealmente, muito mais do que meramente retórica e "simbólica"): "Tempos Modernos" do génio Chaplin e um 'objecto cinematográfico' simplesmente fabuloso, realizado por Mark Harmon (sobre o qual voltarei, de resto, muito brevemente a falar) intitulado no original "Purely Belter", um 'objecto fílmico' soberbo e pícaro onde a imensa 'calamidade civilizacional e política' que foi o funestíssimo "thatcherismo/reaganismo" da década de 80 fica, como um murro no estômago de uma sociedade que se obstina em ser idiota e seguir sempre iditoticamente atrás de outros idiotas ainda maiores, tão dramática quanto definitivamente expressa.
Quero dizer: pensar o Progresso é parte instrínseca dele. Não são os utensílios que fazem a função: é a função que deve conduzir natural (e democrática e inteligente e humanisticamente!) aos utensílios.
A única maneira de assegurar que o continuum técnica ou tecnologia (leia-se: o Conhecimento de que a "nossa" se reivindica) e os respectivos usos permanece uma realidade é não "dividir o progresso" nesse mesmo Conhecimento, i.e. na sua propriedade efectiva (que deveria permanecer sempre social) e nos produtos que nesse quadro disfuncional nos separam do Conhecimento.
Eu sempre disse (e já tenho escandalizado algumas excelentes pessoas com o meu... "radicalismo" na matéria...) que o "paradigma societário-civilizacional neo-moderno" trouxe para dentro de si, ou seja, para dentro do espaço específico do antigo colonizador o padrão colonial em abstracto (como modelo teórico estável de apropriação e tratamento ou reprodução contínua de/da realidade) no sentido em que onde antes havia colocado as matérias-primas essenciais à re/produção contínua de capital introduzia agora a componente do Conhecimento que usava, de resto, exactamente como antes o próprio capital de investimento: como uma propriedade estr(e)itamente privada que se destina a servir de utensílio à sua própria duplicação ou multiplicação contínua em espiral (neste sentido, eu afirmo em tese que o colonialismo/industrialismo expandiu e abstractizou, subtilizou, o processo material original das "enclosures"); onde o colonialismo industrial (ou industralismo colonial...) colocava os "produtos" da "transformação significada" das matérias-primas em causa, colocava o neo-liberalismo aqueles que resultavam da "transformação industrial" do Capital Conhecimento em "benesses" do "Desenvolvimento" que desenhavam civilizacional, cultu(r)al e politicamente o "consumo" (a compra dos objectos dispersos do Progresso; a aquisição de um conjunto de 'produtos inertes' de Conhecimento que representavam simbólica mas não de facto activamente o próprio Conhecimento que lhes servira de mastéria-prima original) passando a sociedade no seu todo a operar como mercado de um "endo-colonialismo" imposto pelas próprias circunstâncias históricas associadas ao fim histórico dos impérios coloniais tradicionaispelo que é perfeitamente, a meu ver, legítimo concluir que onde antes estavam os povos das colónias, figurava, agora, no quadro de um neo-colonialismo "enquistado" e/ou retraído sobre as antigas potências coloniais as próprias sociedades destas, ou seja, aquelas que deveriam achar expressão própria, nobre, democrática e politicamente isenta, no chamado "governo representativo" democrático.
Dito de outro modo: não é por acaso mas por estratégia que as sociedades neo-modernas e ultra-liberais confundem "Progresso", "fazer progredir" com os utensílios (com o mercado dos utensílios!) avulsos de Progresso.
Fazem-no, repito, por imperativos de estratégia neo- e endo-colonial.
Trata-se, na base de tudo, de evitar a todo o custo que o Conhecimento se democratize por sua vez sistemicamente levando ao colapso inevitável de uma economia (isto é, de um paradigma económico... economocrata) que o é (im) precisamente porque assenta todo ele na (in) essência na produção generalizada (na produção sistémica) de níneis instrumentais ou "funcionais" muito amplos de "carencialiade orgânica" que é o que cria, em regra, a ilusão genericamente acreditável da necessidade natural que deveria estar na base de todo o modelo producional e não está exactamente porque é artificialmente criada invertendo toda a ordem, essa sim natural, do sistema.
Trata-se de manter a ilusão civilizacional de que os produto do Saber privado ligam as sociedades ao Progresso quando na verdade demonstravelmente as separam cada vez mais (e cada vez mais solidamente!) dele.
De qualquer possibilidade estrutural e estruturada---orgânica---dele.
O tal "Magalhães" é apenas um incidente no quadro de um processo regular de privatização consistente da realidade a que os neo-liberais "sociais" no poder alegremente continuam a dar (tristíssima!) sequência...
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