"Fala-se tanto em "fim da História" que pode acontecer que não seja só publicidade!
..."
É essa a minha suspeita... De facto, é muito mais do que suspeita: começa a ter tudo para se converter, a prazo, e numa sólida convicção.
A minha tese nesta matéria pode ser asim enunciada, por pontos:
Primeiro ponto: a distopia (para não dizer o embuste) de um Estado economocrata puro chegou ele mesmo a um limite de irreversibilidade material que já deixou de poder ser negado.
Não será (ou talvez seja...) um caso típico de uma "I-told-you-so-circumstance" mas a verdade é que há muito que venho contendendo que a própria (i) lógica completamente inversional do sistema económico-político vigente no "Ocidente"---susceptível de ser descrito como 'uma economia com um "Estado funcional" a toda a volta' (na realidade, a reboque dela e constituindo, em última e verdadeira instância, um mero 'revestimento politiforme móvel' do núcleo activo, económico, economaníaco, do sistema; 'revestimento politiforme' esse deliberadamente confundido pela variada propaganda do 'regime' com uma autêntica "Democracia'); há muito que venho contendendo, dizia, que essa mesma (i) lógica inversional havia fatalmente de conduzir a prazo senão directamente à morte física total e definitiva do próprio sistema, seguramente a crises profundas relativamente fáceis, aliás, de prever assim como, numa segunda ou teerceira ou quarta fases igualmente previsíveis, à necessidade de uma radical revisão de uma série enorme de coisas hoje ainda tidas por inquestionáveis a começar pela ideia referencial, pela ideia cultu(r)al totémica de 'propriedade'.
Uma "democracia" com efeito, concebida com o único propósito de "fixar e manter solidamente fixada" a economia, um determinado paradigma economocrata preciso, à História só poderia acabar por introduzir deformações possivelmente irreversíveis no curso da própria realidade. ...Deformações essas que (ao contrário do que defendem certos ideólogos mais cândidos ou mais... "cingidos ao regime") não são (a) exclusivamente de ordem ecológica nem (b) restritos aos países "pobres" do Terceiro Mundo onde a ideia de múltiplas "reformas agrárias" paira sem cessar...
Aquilo que a actual "crise" nos revela é que a disfuncionalíssima relação entre o núcleo económico do 'sistema' e a sua 'periferia funcional' politiforme se complicou e, em seguida, se agravou (e des-integrou!) a tal ponto que se tornou completamente impossível esconder a impotência final da "política" para desempenhar a sua função (in) essencial de tornar a economia não apenas já "genericamente habitável" mas de torná-la literalmente possível.
O que isto quer dizer é que, se antes "tínhamos de ter", por "sistema" um povo (ou povos e classes sociais) para uma "economia" e se aquilo que ia "tant bien que mal" assegurando que o paradigma (económico, social, político, civilizacional) em causa operava era uma deformação inevitável da própria ideia cultu(r)al de Estado, o espaço, o "gap", que as circunstâncias criaram entre as componentes inorgânicas do sistema deixou de poder ser colmatado nos moldes tradicionais e vai obviamente ter de ser a curto prazo revisto.
Estaremos, pois, neste caso, perante o que designo por um autêntico "ângulo" ou "esquina da Civilização" definível, em última instância, como um momento decisivo caracterizado pela necessidade ingente de retirar aos políticos e à política tal como hoje a concebemos a autonomia na condução do processo ou processos históricos.
É, em tese pelo menos, o momento ideal para se fazer uma "revolução" democrática no "Ocidente".
Uma "revolução" democrática que inclua, desde logo, os projectos de redefinição da própria "Europa" que não pode, em caso algum, e por maioria de razão no momento histórico, social e político corrente ser deixada nas mãos de quantos por inépcia ou (im) pura cupidez deixaram que as coisas chegassem ao ponto a que chegaram.
É preciso que as pessoas se envolvam activa e também centralmente no projecto global urgente de redefinir a partir da base a relação cultu(r)al e civilizacional entre "economia" e "política".
É preciso libertar a Política da sua condição disfuncional de refém" instável da 'economia'.
É preciso voltar a entregar-lhe a definição básica do próprio modelo político e (volto a dizer:)civilizacional de economia (e de propriedade!) libertando-a do encargo completamente espúrio de ser um mero "argumento" em defesa da legitimidade (melhor dizendo: da sacralidade!) de um certo modelo de relacionalidade económico-política e apenas dele, artificialmente obrigada a manter não só, como atrás digo, a "política" solidamente presa à "economia" mas, em termos mais amplos, a História presa a si própria e proibida de se mover...
É, numa palavra, essencial que o próprio paradigma de determinação de uma qualquer "Europa" passe nuclearmente por todos quantos nela vivem, uma vez que "desenhar" qualquer "Europa" não é uma tarefa que diga apenas respeito a esse limitado objectivo: é um propósito que diz respeito, no limite, à própria sustentabilidade de todo um paradigma de apropriação e organização objectiva da realidade cujos limites parecem cada vez mais próximos de terem sido atingidos.
É, por outro lado, vital que compreendamos todos (e que tenhamos essa circunstância sempre presente) que a relação do chamado "Ocidente" com os restantes mundos do planeta foi caracteristicamente um modelo apropriativo e de contínua (e não-raro trágica) "agressão funcional".
O colonialismo tradicional é um exemplo eloquente do modo de o "Ocidente" se relacionar não apenas consigo próprio (em termos sociais e políticos, desde logo) como, no plano externo, com os outros.
Com a "outricidade geopolítica", digamos assim.
O objectivo era ainda a sempre o de acomodar esses outros "mundos" à missão de assegurar a sobrevivência do "modelo" ou "paradigma inversional" atrás descrito.
Ora, aquilo que eu contendo, neste âmbito, é que o novo padrão de intervencionalidade das comunidades na definição do modelo económico-político imediatamente futuro imposto pela situação de "crise" agudíssima do 'sistema' demasiado tempo deixado fora do alcance das tarefas de vigilância cívica atenta que é aquilo que permite manter realmente o próprio 'sistema', no seu todo e na sua essência, a "respirar democracia"; aquilo que eu, neste domínio particular contendo, dizia, é que o novo olhar a idealmente lançar sobre a realidade (sobre a realidade social e política mas também e necessariamente geopolítica) só pode, em tese, gerar um modelo civilizacional que vai, de um certo modo muito reconhecível, "virar a História do Ocidente ao contrário", no sentido preciso em que vai, em tese, fazê-la seguir na direcção não só de um simples pós-colonialismo mais ou menos inerte mas de um "anti-colonialismo funcional" que nega toda a História anterior das relaçõe entre "mundos" assim como o modelo usado para gerir económica e politicamenre as relações entre as pessoas.
Ou seja: é, em tese, fatal (é inevitável, em todo o caso) que a generosidade tenha de converter-se em "egoísmo esclarecido" ou em "educada e disciplinada iliberalidade" a fim de manter o mundo em geral possível.
Quero eu dizer: a História das relações coloniais (não apenas delas mas delas seguramente!) tem sido na (in) essência, uma relação unidireccional consistindo na "recolha" local de matérias primas e no reenvio ulterior de "produtos".
Com a "abstractização" contínua do paradigma capitalista, o conceito de matéria-prima alargou-se de modo a passar agora a incluir a "inteligência" humana. Só que a inteligência humana, sendo continuamente importada do segundo e terceiro "mundos" para o primeiro cria, no plano da própria possibilidade material de aqueles sobreviverem como entidades minimamente auto-suficientes condições de gravíssimo impedimento susceptíveis de tornarem todos os mundos, afinal, inviáveis.
A sobrevivência de África e de muitos povos da Ásia depende, com efeito, da possibilidade de agirem como entidades com vida (económica, desde logo) própria. O que eu digo é que não é apenas a sobrevivência desses povos que depende de tal possibilidade senão que dela depende, de igual modo, a do próprio primeiro mundo.
De que maneira e em que sentido? O que eu digo é basta considerar o magno problema das migrações na sua forma actual para se perceber---de imediato, penso eu---como apenas uma repolarização educada mas global do Mundo (no sentido contrário ao do colonialismo tradicional); isto é, uma espécie de "regionalização" à escala global pode garantir que todo o Mundo é e permanece muito mais tempo possível.
É nesse sentido que eu digo que a "generosidade" passou a (ter de) confundir-se, de forma inextricável, premeditada mas, também saudável, com o próprio egoísmo no sentido exacto, pois, em que ela passa a ter (deve passar a ter!) um papel estritamente funcional em relação à própria possibilidade de sobrevida a todos os níveis e, por conseguinte, também no âmbito físico, material, concreto, do antigo colonizador a quem se pede, no fundo, que perceba que apenas uma atitude consistente de 'flexibilidade funcional' para a mudança no sentido dessa atitude de um "conveniente e calculado altruísmo" pode assegurar a sua sobrevivência material a prazo.
No fundo (é outra antiga tese minha) trata-se, na realidade, de fazer reportar, no sentido de refundamentá-los consistentemente, os padtrões civilizacionais e abstractamente "morais" de "generosidade" e de "altruísmo" à própria realidade filo-bio-mórfica onde eles por desmodelação consciencial se originaram e onde têm as suas raízes epistemológicas e o seu último fundamento.
Mas isso, a consideração mais detalhada desse lado mais... "filosófico" da questão fica para outro dia...
[O material iconográfico ilustrativo representando Kant e Frantz Fanon provém, respectivamente de artemis.austincollege.edu e de http://www.hatif.org/. Com ele, pretendeu-se no caso do autor da "Crítica da Razão Pura", homenagear um enorme pensador com a totalidade de cujo pensamento o titular do blog não se identifica, valorizando, sobretudo, o sonho ou, mais exacta e mais rigorosamente: o projecto deliberado de "olhar orgânico" que ele quis ensinar-nos a lançar sobre a realidade; no caso de Fanon, manifestar o profundo respeito por um pensamento autónomo de africanidade que, de algum modo e em certo sentido ecoa o anterior na exacta medida em que, por exemplo, contribui para uma efectiva maior universalidade da necessária reflexão que há que, cada vez mais fazer sobre aquela mesma realidade.]
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