sábado, 25 de setembro de 2010

"A Crise do Sistema, Tentativa de Releitura Não-sintomática"


Uma expressão a que, por sarcasmo, recorro com frequência sempre que abordo a magna questão da "crise" moderna do Estado dito 'social' é a de que sai tão caro hoje ter um povo, uma sociedade, que provavelmente dentro de meia-dúzia de anos teremos de vender os nossos.

Mais: que já estamos, de facto, há muito, a "vender para fora" povo e sociedade na forma de fluxos migratórios estáveis, permanentes [cujos valores, segundo as estatísticas, estão já--ou ainda?...---ao nível dos dos anos '60 do salazarismo] exactamente porque o modelo económico-financeiro, social e pretextualmente político por que como sociedade optámos faz com que o povo se tenha a breve trecho tornado num luxo literalmente incomportável para uma economia como a "nossa"...

A causa está, também o tenho dito, no modo como paradigma político e civilizacional decidimos que o Conhecimento devia ser integrado na História: como uma propriedade privada e um proto-capital cuja acção a prazo vai inevitavelmente levar à implosão e à desfuncionação nuclear da "ecologia da própria História", digamos assim.

Desde logo, através da ruptura do equilíbrio funcionante entre as componentes ou valências capital constante vs. capital variável que era em última [mas verdadeira] análise o que permitia recapitalizar continumente o modelo ou o sistema, ainda que muito rapidamente isso apenas fosse possível exactamente com recurso nuclear às valências erradamente ditas "sociais" do Estado.

Ora, nestas matérias, a minha tese é que a actual "crise" de que tanto se fala [e que hoje-por-hoje, tanto se sente!] não representa, na realidade, uma crise mas um estado e além disso um estado que só seria, em tese, possível corrigir com recurso a formas muito determinantes de "destecnologização" que, teria, de passar [e francamente não vejo que sem intervenção determinada e organizada das sociedades civis dos vários países capitalistas ou, pelo menos de alguns, tal seja, a curto prazo, previsível] por profundíssimas inflexões na estrutura política ou "politiforme" do 'regime'.

O grande sonho do capitalismo actual é o de que a sociedade civil "se pague a si mesma" sem intervenção [e sem "sacrifício"] portanto, do capital privado que permanece numa posição teórica e prática de obstinada indisponibilidade para envolver-se no refinanciamento autónomo do seu próprio mercado [e da sua própria, dele capitalismo, repossibilitação ulterior contínua]; isto é, indisponível para ceder parte de si próprio, "socializando-se funcionalmente", de modo, chamemos-lhe: espontâneo [perante o efeito gravíssimo de uma das mais sensíveis disfuncionações do modelo de integração política do Conhecimento ou "capitalicização contínua estrutural" deste que é o que resulta no aumento drástico da esperança de vida] a fim de dar resposta à necessidade de recapitalizar um sistema económico-político que o "social" alimentou satisfatoriamente durante décadas.

Agora, porém, na fase actual da evolução dos saberes e da sua capacidade para transformar-se, de forma aparentemente infinita e ininterrupta em tecnologia e esta numa classe trabalhadora "paralela" [mas cada vez menos paralela e mais central] que não alimenta já satisfatoriamente com os seus impostos e estes convertendo-se secundariamente em Estado "social" o mercado; agora, porém, dizia, na sua fase actual, o capitalismo acha-se naquilo a que os anglo-saxónicos designam por um "conundrum", um beco sem [pararente?] saída sistémica: como dispensar um proletariado humano conseguindo, todavia, mantê-lo como um indispensável mercado?

Como vai o sistema produzir; melhor: como, para quê [e, sobretudo, para quem?] vai ele produzir barato utilizando para tanto sem freio, i.e. sem limites e sem... "disciplina funcional" a "aptidão sistémica" do saber para converter-se em propriedade e a sua "vocação política" para transformar-se em capital?
Como vasi ele subreviver-se sem mercado?

Semptre chamei a atenção para essa espécie de disfuncionalidade sistémica nuclear teórica que consiste em des-integrar a figura igualmente teórica do "cidadão funcional" do capitalismo.

O que caracteriza a representação de episteme deste é o facto de o capitalismo tecnológico [0 "tecno-demo-capitalismo"] ter como projecto central dispensá-la [àquela cidadania a que, por essa e outras razões similares chamo "funcional"] por completo ou tendencialmente por completo num primeiro momento do processo produtivo [substituindo-o por máquinas por imperativos de economia] encontrando-se, todavia, "condenado" a "recuperá-lo" mais à frente na forma in-orgânica de um mercado, sem o qual o sistema fica obviamente por completo inviabilizado.

A minha tese é que é exactamente o resultado inevitável desta "esquizofrenia" na episteme localizada nos genes teoréticos do "tecno-demo-capitalismo"; o estado de coisas que daí resulta aquilo que passa hoje comummente por mais uma "crise" do mesmo.

A verdade, porém, é que, tal como vejo as coisas, não é, como disso, nem de longe disso que se trata e sim, nunca será de mais repeti-lo, de uma tipo de "estádio supremo", dificilmente regressível, da "volução" pós-industrial e "pós-moderna" do próprio sistema capitalista.

Sistema capitalista que deixou de conseguir encontrar formas eficazes de recapitalizar o mercado exactamente porque as mesmas circunstânciass e causas que lhe permitiram prosperar até um dado momento, foram as que o tornaram inevitavelmente disfuncional roubando-lhe, de dentro de si próprio, a possibilidade de ter à disposição um mercado "comprado" com dinheiro que não precisava de sair do seu próprio capital.

Fala-se muito, em termos pelo menos de debate teórico, hoje em dia [tal como aconteceu antes no período anteruior à II Guerra Mundial não conseguindo, porém,evitá-la...] em "desindustrializar"; ora, sucede que, de facto, o sistema já está a desindustrializar.

Como?

Desde logo, por exemplo, tornando impossível, através dos "usos significados" [económica, social e politicamente "significados"] da sua produção o acesso de grandes sectores da população aos próprios produtos que permite gerar.

Quando, com efeito, uma grande parte da população não consegue, por exemplo, comprar medicamentos, estudar em universidades ou até simplesmente alimentar-se convenientemente, de que se trata senão de "desindustrialização" [ou mesmo "destecnologização"] "significadas", isto é, "desindustrialização" e "destecnologização" num estádio apenas político?...

Concluindo: o grande problema do capitalismo actual está longe de ser uma questão circunstancial ou pontual e consiste, de facto nisto, no tal "conundrum": como alimentar, recapitalizando-o continuamente, um sistema económico inteiro, sem mexer nos lucros, conservando ao mesmo tempo uma aparência [que é cada vez menos só política e mais objectiva, mais real, mais estrutural e mais intrínseca] de utilidade orgânica para as pessoas em geral para substituir as quais como mercado ainda não se inventou qualquer máquina?...

À excepção talvez da guerra?...



[Na imagem: "Un Homme, C' Est Rare", colagem sobre papel de Carlos Machado Acabado]

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