domingo, 19 de setembro de 2010

"Metade da História Chega Perfeitamente Para Se Ser Feliz..."


Sejamos sérios: não existem "meias Histórias" nem "três quartos de" Política ou de Civilização"...

A História [como a Política e as Civilizações] resulta necessariamente de circunstâncias humanas, muitas vezes imprevistas porque imprevisíveis, outras, por outra razão qualquer, algumas, exactamente ao contrário, extremamente fáceis de antecipar e de prever mas nem por isso menos determinantes que as anteriores.

Todas elas com as respectivas consequências objectivas e subjectivas entram no Tempo juntamente com todo um conjunto mais ou menos preciso e demonstrável, de decorrências e responsabilidades de natureza material e cultural, eticamente ao menos, indissociáveis da realidade [e da identidade] dos povos e dos indivíduos que as corporizaram e lhes deram rosto e existência concretos.

Essa é, quanto a mim, aliás, uma das características mais importantes da visão marxista da História de que, devo dizer, conscientemente me reivindico---essa de que que não há "metades de História" ou de que esta é, como já não sei que distante entidade mítica, perdida algures no fundo de uma já frágil memória dos meus remotos tempos de liceu, "una e indivisível" e [acrescento eu, agora] "intrinsecamente insusceptível de redução ou... atenuação".

É certo que há em toda a parte e em todas as épocas quem acredite ser possível precisamente "atenuar" ou "amortecer a História", o seu impacto nas sociedades e nos povos, "afofá-la" ou "abrandá-la", talvez até, muitas vezes... "enternecê-la" a fim de "bolear-lhe as arestas" demasiado vivas, tornando-a globalmente mais "cómoda" e mais facilmente habitável.

Há, de facto, sempre gente caridosa e, algumas vezes, bem intencionada que acredita ser possível "comover a História" e, de um modo mais lato, a realidade e levar mesmo, no limite, uma e outra a cederem aqui-e-ali onde os utópicos "reformadores" entendem que ela "fica demasiado justa aos povos" tornando-se o seu uso, individual e colectivo---o seu "uso social, cultu[r]al e político"---excessivamente... desconfortável e, por isso [para muitos essa constitui mesmo a consideração fundamental] potencialmente "perigoso".

Para o marxismo trata-se pois de "substituir a História" onde ela funciona mal ou, como é o caso dos tempos que vivemos, tende mesmo a deixar definitivamente de funcionar.

Aquilo que aqui proponho, agora, como projecto de reflexão é precisamente que todos quantos partilhamos deste olhar global e real---epistemologicamente!---redentor que o marxismo lança contínua mas, sobretudo, estruturalmente sobre a realidade nos dediquemos a um brevíssimo exercício de análise e reflexão incidindo sobre as observações que Campos e Cunha produziu no "Público" de 17.09.10, num texto intitulado "Visto prévio".

Neste debruça-se o ex-ministro de Sócrates sobre a recente "questão" do "visto prévio" a apor pela chamada Comissão Europeia aos orçamentos nacionais dos não-sei-quantos países que compõem o actual "catálogo" de nações constituindo a "Europa institucional".

Sintetiza Campos Cunha, a dado passo---a meu ver com a dificilmente refutável lógicas das evidências: "Quem está contra o chamado visto prévio por Bruxelas das intenções orçamentais de cada país é estar contra a nossa participação na União Europeia".

Está a ideia aí contida expressa num português "esquisito", macarrónico mesmo, que surpreende por constar do discurso de um professor universitário?

Pois está mas é preciso reconhecer que é absolutamente correcto como ideia.
Ao lê-lo, pensei num episódio ocorrido comigo numa escola onde leccionei e onde era forçado a ouvir constantemente referências "cordialmente condescendentes", chamemos-lhes assim, "lá aos teus camaradas", sempre que um tópico qualquer de política educativa entrava nas nossas discussões profissionais.

"Cá os meus camaradas" [não vale a pena identificá-los: nunca escondi onde politicamente me situava e continuo, de resto, a situar...] serviam [à mistura com um brumoso e mítico, muito convenientemente vago, "depois do 25 de Abril"] nesse contexto... "amigavelmente distanciador" para situar muitos dos males, dos erros, dos absurdos e até das genuinas aberrações de política educativa com que, a cada passo, nos íamos deparando, com a curiosidade [dificilmente explicável, aliás] de esses e essas terem invariavelmente sido cometidos e cometidas por outros: obviamente por aqueles que, instalados no poder, dispunham da possibilidade efectiva de cometê-los o que estava longe de acontecer com tais "os meus camaradas"...

Um dia, porém, chegou ao grupo pedagógico por nós formado a informação de que "uma tal C.E.E." que, de supetão e sem perguntar fosse a quem fosse se a queria [como é, de resto, seu apanágio---não se afastaria, aliás, como é sabido, um milímetro dessa linha autocrática e impositiva depois de ter sofrido a brutal mutação de laboratório que a tornaria de "comunidade económica" que nunca deixou de ser numa suposta "União" que dificilmente, por esta via, chegará alguma vez a constituir---e isto é ser optimista...]; um dia, porém, dizia, então, chegou ao grupo a informação de que, de acordo com as leis dessa "tal C.E.E." que assim fazia a sua aparição na vida concreta de todos nós, professores de outras nacionalidades passavam, ao abrigo da política de livre circulação no espaço da mesma, a dispor da possibilidade legal de leccionar em Portugal.

Ora, sendo nós, professores de Inglês e Alemão, a nova legislação vinha [como dizer?] embater de frente no futuro profissional de cada um de nós, como era evidente.

Se, de repente, os corpos docentes das escolas portuguesas se enchessem de alemães e alemãs ou de ingleses e inglesas, a leccionar em igualdade de circunstâncias connosco os respectivos idiomas, que iria ser de nós profissionalmente?


Podíamos, claro, aspirar a ir, em... "troca", ensinar portugês para Berlim ou Londres mas... quem honestamente podia acreditar que alguém, fosse quem fosse, em Londres ou Berlim estava realmente interessado em aprender português?...

E, de súbito, quem passou, bruscamente, a "ter razão" foram , nem mais nem menos, do que "cá os meus camaradas" e, não menos de repente, "tornou-se urgente" fazer qualquer coisa para proteger o sector particular, "específico", da docência das línguas vivas e evitar que a tal livre circulação fosse válida no âmbito delas...

Por outras palavras: "não mais de metade da História [dois terços dela, vá lá!...] era a quantidade certa da mesma", ou seja, "metade da realidade chegava-nos perfeitamente para sermos completamente felizes"...

Dito isto, volto um pouco atrás, ao início destas notas, para concluir que, por tudo quanto disse, por uma vez, ao menos, não posso honestamente deixar de dar razão a Campos e Cunha e às observações que produz no seu artigo, designadamente às que constam da [mal-enjorcada, embora] frase que citei.

Ou seja, dito de outro modo: eu sou um fulano normalíssimo que, como qualquer outro, não gosta que o intrujem, impingindo-lhe por todos os meios [e alguns deles francamente indignos de gente séria, como o tal Tratado de Lisboa que constitui demonstravelmente um dos mais gritantes e escandalosos exemplos de ilegitimidade democrática e de indignidade política e até pessoal de uma série de gente, infelizmente grande parte dela portuguesa]; impingindo, dizia, uma "Europa" feita "por medida", i.e., à medida dos grandes interesses económico-financeiros que não mudaram um milímetro de objectivos desde que, há meio século, estavam a tentar alcançar os mesmíssimos resultados que hoje visam---por uma via, que, por sua vez, conduziu à emergência histórica das 'ditaduras tópicas' dos anos '20 e '30 do século passado e, no limite, a uma segunda guerra mundial, duas décadas apenas após os "unfinished businesses" que, nessa área da afirmação histórica e política de um determinado modelo de organização sobretudo económica, resultaram da primeira.

Mais ainda: discordando, de forma assumida, dessa "Europa a martelo", reservo-me o direito de me opor a ela pelos meios que entender serem os justos e adequados, aceitando naturalmente assumir as respectivas consequências, seja a que nível for.

Agora, aquilo que honestamente não posso deixar de reconhecer é que, insisto, não é, de facto, possível ter uma História "para os dias de semana e outra para os feriados" que é como quem diz: ter uma moeda "única" comum a todos os países da "Europa" para, logo a seguir, agir como se isso não fosse, afinal, verdade e a tal moeda de "única" tivesse tão somente a [tão pomposa quanto desgraçadamente ilusória...] designação oficial.

Uma moeda "única" com "descentralidade" e até eventualmente "policentralidade económica" total, ou seja, com múltiplas i/lógicas de política económica meramente sobrepostas e não-organicamente de facto inter-referenciáveis faz tanto sentido quanto pretender alcançar, segundo o proverbial anexim popular, uma situação em que haja "sol na eira e chuva no nabal", de acordo com uma formulação bem conhecida.

Isto é: não é o tal 'visto prévio', com esse ou outro nome, que está errado: é todo o modelo, toda a i/lógica que lhe subjaz e que o torna objectiva e materialmente imperativo, inevitável.

E nem sequer são nem o "rigor" nem um cada vez mais perceptível "distanciamento" alemão e eventualmente francês relativamente aos esforços de "solidariedade intra-europeia" que estão em causa: é o bom velho pleno senso comum que assim o determina---e exige.


Dito de outro modo: porque a História "não são... iogurtes que se vendem à unidade", quem quiser 'ficar com ela' tem de estar preparado para comprar aos "grossistas" do eixo Bruxelas- Estrasburgo e levar [com] o "produto" todo por atacado, goste ou não de cada uma das embalagens e produtos avulsos que o compõem...

[Imagem ilustrativa extraída com a devida vénia de sideshowworld-dot-com]

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