De um primarismo verdadeiramente confrangedor o texto de [Pri?] Mário Soares no "D.N." de hoje, 14.09.10 intitulado "Sondagem e Orçamento".
Devo dizer que a mim, pessoalmente, sempre me incomodou [e inquietou!] profundamente o modo como de um homem que nunca passou na realidade de um intelectualmente obscuro e Politicamente inexistente [falo de "Política" com maiúscula, obviamente!] especialista... em coisa nenhuma; de um fastidioso repetidor de banalidades e lugares-comuns como este ex-primeiro ministro e ex-Presidente da República [ainda hoje me parece impossível como é que tal foi... possível mas enfim!...] confrangedoramente superficial e nacional-porreirista, vago Kerenski 'de Feira da Ladra' ou Bernstein em quarta ou quinta mão, sempre se pretendeu fazer, por parte do poderoso establishment económico-político e mediático matreiramente "pós-ideológico" e "pós-político" dos nossos dias, um ícone "papal" de um país e, sobretudo, de um espírito cívico e social; de um espírito de renovação e regeneração histórica e política com o qual a figura em causa, muito por força precisamente da sua escassíssima espessura intelectual e dimensão ideológica, pouco em comum, na realidade, tem, seja qual for o ângulo por que se analise a sua acção, antes e depois do 25 de Abril.
De um espírito de regeneração tardio e frustre que o foi---frustre e, se calhar também, argumentativamente, pelo menos, em parte, tardio---em larga medida, devido ao papel desempenhado por Soares, primeiro, com a famigerada C.E.U.D. que veio, ainda em ditadura, desferir um rude golpe na unidade oposicionista ao regime e, depois, já após a queda desta, em singularíssima "aliança estratégica" com as forças mais reaccionárias dentro e fora das fronteiras do País, nos anos de '74 e '75 [as do grande capital financeiro nacional aliadas aos poderosíssimos interesses geo-políticos e geo-económicos dos E.U.A. e da Alemanha, então, Federal, as relações com a qual Rui Mateus esmiuça, tão minuciosa quanto inquietantemente, nos seus "Contos Proibidos"].
É um desabafo que não consigo deixar de fazer, profundamente escandalizado!
Do meu ponto de vista pessoal, Soares, suposto representante de um Portugal verdadeiramente democrático que nunca, de facto, existiu e que muito poucos em Portugal [e nenhum, deles "pê-ésse"...] quiseram que efectivamente existisse, corporiza, exactamente ao contrário, o Portugal profundo, residuante de um medievalismo boçal e persistente, viscoso, estólido e bovino, astuciosamente campónio mas, no fundo, fácil de manejar, de que a sociedade portuguesa nunca se libertou, sobretudo, fora das grandes cidades, movido ainda hoje por instintos atavicamente primários e arraigadíssimos preconceitos [Fátima, um fatalismo saturnino e ronceiro ou um nacionalismo 'de plástico' ou 'de barro' aparentemente frágil, todavia, suficientemente forte para levar, por inércia, aos ombros, durante décadas, toda uma ditadura como a de Salazar]; aspectos que, volto a referir, manipulados com destreza pela oficina de um demagogo hábil, dispondo de uma máquina multibanco "europeia" astuciosamente disposta, por razões que ela conhece muito bem, à "generosidade" episódica que compra consciências e inteligências e atordoa em definitivo esclarecimentos e vontades, mais de uma vez mostraram ser não muito dificilmente manipuláveis e propensos, pelo contrário, a levar os seus portadores a serem "democraticamente" conduzidos a advogar continuamente a própria sujeição a um sistema económico-político que lhes é, sempre, habilmente uma e outra vez re/apresentado como, num apólogo famoso do cineasta espanhol, Garcia Berlanga ["Bienvenido, Mr. Marshall"] o conhecido "Plano Marshall" [de que esta "Europa" teleguiada de Berlim e seu compadre o eixo Estrasburgo-Bruxelas é, no fundo, sob inúmeros aspectos, uma espécie de réplica reconhecível] o foi aos anónimos camponeses do franquismo: na forma de uma chuva de tesouros descendo providencialmente do céu em... pára-quedas...
O texto de hoje do "D.N." é uma desoladora comprovação da incapacidade de Soares para ser minimamente original apresentando-se em vez disso como um eco dócil do 'regime' documentando, de passo, os vários aspectos da sua personalidade política que comecei por referir: começa pelo suposto papel senatorial ou papal de Soares que, repito, não vai ainda uma vez aqui além da monótona repetição das costumeiras vulgaridades e obsessões [das mal-cosidas---e invariavelmente falhadas---"soluções"] de sempre: o Bloco Central [aqui um... "bloquinho" de circunstância para aprovação do Orçamento; a "importância" vital deste para a "estabilidade" de um governo que continua, porém, completamente incapaz de encontrar soluções para os gravíssimos problemas económicos e sociais do País e os usa mesmo como ensejo conveniente para aprofundar ulteriormente os desequilíbrios e as disfunções de todo o tipo já existentes na sociedade portuguesa e que ele ajudou, de resto, a criar; a necessidade de "os partidos" [leia-se: "pê-ésses" e "pê-ésse-dês"...] serem "responsáveis" e "patrióticos" a fim de evitar, diz ele, situações de "fiscalização do Banco Central Europeu e talvez do Fundo Monetário Internacional" [não o preocupa aparentemente a norma que passa a obrigar tão estatutária quanto abusivamente os parlamentos dos diversos países "europeus" a submeterem a respectiva orçamentação nacional ao escandaloso "exame prévio" e necessário aval da "Europa"...] prossegue com a habitual lamúria dos "sacrifícios" serem "para todos" e culmina numa coisa a que falta muito pouco para constituir franca desonestidade intelectual: a que imputa perigosidade para "a estabilidade das nossas instituições democráticas" não à má cabeça dos políticos e ao clamoroso [e, aliás, justificadíssimo!] descrédito da classe política por eles formada assim como à sua gritante incapacidade para assegurarem a sustentabilidade económica e social do próprio 'regime' mas aos partidos que "reclamam aumentos de salários e mais facilidades [?] do Estado" e que "ameaçam com manifestações e protestos aos quais se podem juntar os mais desesperados---sem meios e com fome [sic] aos quais faltam os bens mais elementares" [sic] [!]
E aponta expressamente o fantasma das revoltas populares recentes na ex-colónia portuguesa de Moçambique onde as desigualdades económico-sociais e a fortíssima pressão do F.M.I. ao qual, aliás, Soares recorreu em tempos, conduziram as populações ao desespero.
Fica-se [e essa é um pouco---ou um... muito?---afinal, a história do próprio mito Soares, desde há muito] sem perceber o que "devem" fazer os tais "desesperados e com fome" e "a quem faltam os bens mais elementares" se não podem "juntar-se" [??] aos tais outros que reclamam, num país em que sem o apoio do Estado segundo números recentes cerca de 40% da população viveria na pobreza ou perto do limiar da pobreza [!!!] "aumentos de salários" para evitarem continuar "desesperados e com fome" e privados "dos bens mais elementares": aceitar "democrática, patriótica e responsavelmente", ainda assim, permanecer nessa social e politicamente intolerável abjecção e indigna condição parece ser a... "solução" implicitamente proposta...
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Como disse atrás, isto [tudo "isto"] é um pouco a história do soarismo [ou "situacionismo de esquerda"] em Portugal, desde Novembro de '75 período em que o próprio Soares aceitou fazer o papel do "polícia bom e humano" de um 'regime' economocrata e peseteiro de que Cavaco Silva se prestou, pelo seu lado, a fazer o de "polícia mau".
O que espanta [e escandaliza!] diria eu para terminar, não é que o capitalismo português [encalhado longos anos na História pela mão de uma ditadura que imaginou, no fundo ingenuamente, poder continuar indefinidamente a iludi-la, a ela, História] se tivesse, por fim, através do triunfo novembrista de '75, "aggiornado", "europeizado" e, portanto... "funcionalmente democratizado" como projecto estratégico de sobrevivência a médio prazo.
O que espanta [e escandaliza, volto a dizer!] é que isso continue a passar por defesa do interesse realmente nacional e [mais grave ainda!] por prossecução do espírito de Abril o que na realidade não passa de um astucioso plano de controlo e manipulação da opinião com objectivos bem definidos e, em última instância, nem sequer muito difíceis de perceber...
[Na imagem: José "Pepe" Isbert num fotograma de "Bienvenido, Mr. Marshall" do cineasta espanhol Berlanga]
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