segunda-feira, 16 de março de 2009

"As próximas eleições"


"As próximas eleições" é o título de um artigo de António Barreto vindo a lume no "Público" de 15.09.09.

Cito-o aqui, não porque contenha propriamente qualquer novidade particular (o texto de A. Barreto limita-se, de facto, em última instância, a repetir aquilo que toda a gente já sabe--ou que se não sabe, devia saber!--i.e. que aquilo a que chamamos comummente "democracia" é, na verdade, uma mera "demomorfia instrumental" configurando, na realidade, um modelo de "argumentação" superficialmente política primariamente orientado para a defesa da firme imutabilidade (da in/essencial imutabilidade) da base ou infraestrutura económico-financeira do 'regime').

Apenas e só isso.

E essa, sim, representa a in/essência ou «específico determinacional» estável do 'regime'--pelo que não deve constituir surpresa seja para quem for o facto de que toda a arquitectura formalmente democrática que o reveste (e suporta!) deva sempre funcionar como um mero dispositivo de suporte, des/estruturalmente móvel, insubstantivo e permanentemente in-fixo cujos "movimentos" e contínuos repreenchimentos de pura ou impura circunstância obedecem, naturalmente, aos próprios impulsos e necessidades da "base" ou infraestrutura sobre a qual assenta e ao serviço da qual se acha sempre--e daí obviamente a sua infixidez e a sua constante volubilidade.

O que diz Barreto (ou aquilo que ele lembra) é algo que se encontra também, ao lado de quanto já aqui disse (ou que eu próprio recordei) no próprio cerne de toda esta construção, realmente económico-financeira e apenas pretextualmente política.

A saber: que, apesar de aquilo que chamamos "democracia" estar, na realidade, vinculado e, por consequência, realmente ao serviço da "legitimação política" exterior de uma "ideal" imutabilidade sistemática (de facto, sistémica!) de um certo modelo de exploração económico-financeira (que todos sabemos, aliás, perfeitamente qual é); apesar, portanto, de a tal "democracia" operar na verdade como uma âncora disfarçada cuja função real é prender a economia à História e conservá-la, com, repito, uma certa forma muito precisa, a ela solidamente presa; apesar disso, dizia, não dispomos, como sociedade ou como Cidadania, dos meios (objectivos--institucionais--mas, de igual modo, subjectivos, de consciência ou inteligência da realidade--para mudar o que quer que seja de realmente fundamental e determinante num status quo constituído para beneficiar sectores muito definidos e localizados no contexto do todo social e político.

E esse é, diria eu (digo eu!) o drama senão mesmo, a... "tragédia biológica e genética" das chamada "democracias" parlamentares "ocidentais": o de operarem, no concreto da História, como autênticos travões objectuais, firmemente institucionalizados (por absurdo, ao menos) aplicados à própria possibilidade objectiva de mudar essa mesma História sempre que o interesse colectivo o exigisse--ou efectivamente exija.

Mas isso--essa in/acção de travagem "estratégica" da História "a todo o comprimento e largura desta"--não representa, em meu entender (está mesmo muito longe disso!) um mero acidente no processo de emergência e consolidação da "demomorfia" senão que configura um pressuposto primário dela. A ponto de ser adequado e correcto dizer que o papel histórico das demomorfias vulgarmente confundidas com democracias é precisamente esse de impedir que a História "se solte" e desate a "pensar e a agir por si", como se... a economia não existisse e não fosse a substância e fundamento da História e da própria realidade, em geral.

Se ela permitisse, com efeito, mudar realmente a História sempre que o interesse colectivo o exigisse, só poderia passar a desempenhar, por definição mesma, um papel objectivamente subversor--e, portanto, subversivo!--do 'regime' pelo que desta "democracia" pouco haverá, em última instância, de facto, a esperar em termos da organização de estratégias verdadeiramente saudáveis e eficazes de combate às "crises" como aquela que atravessa actualmente o capitalismo 'global' assim como, sobretudo, de estratégias realmente sustentáveis e eficazes para lidar com as diversas circunstâncias que vai revestindo a realidade (económica, social, política e até ambiental) nos tempos que correm.

Do texto de Barreto retiro, pois, sobretudo (e retiro-a porque confirma quanto venho hà muito afirmndo sobre a inexistência real de uma verdadeira Democracia entre nós, no contexto do "nosso" sistema de exploração económico-financeira da realidade--assim como da própria fortíssima!--improbabilidade teórica e sistémica de ela vir em condições ditas "normais" de fuuncionamento do "sistema" a apresentar-se-nos); do texto de Barreto, dizia, retiro, pois, sobretudo, uma frase. Concretamente aquela que diz expressamente que "Todos terão [quando chegarem as eleições e, com elas, mais uma das inefáveis "campanhas" eleitorais tão típicas dos partidos entre nós] argumentos marialvas para ecusar dizer o que pensam e o que querem. Infelizmente, o eleitorado não tem meios de o exigir" [sublinhado meu].

Pois não--e aí precisamente é que bate o ponto, na incomunicabilidade estratégica entre os eleitorados (a Cidadania) e os agentes políticos efectivos em tempo real.

Eu diria mesmo que a desintegração (chamemos-lhe: astuciosa e muito "disfarçada", muito manhosamente "estratégica") da temporalicidade democrática; i.e., a hábil, estratégica des-integração do "tempo orgânico da Democracia" representa a própria chave da deriva in/essencialmente anti-democrática do 'regime'.

É, aliás, por isso mesmo que o texto de Barreto é contraditório--e nessa condição eco, de resto, a maioria dos publicistas formal ou circunstancialmente críticos do 'regime', entre os quais contradições deste tipo são comuns.

Porque assim penso--e afirmo?
Porque, reconhecendo embora (e confirmando-o nas suas reflexões) a presença estável do hiato disfuncional aberto entre a Cidadania e os agentes políticos, defende, em seguida, com toda a naturalidade a intensificação ulterior desse não-espaço de desintegração e disfuncionalização do sistema dio "democrático" através da defesa que paradoxalmente faz da "necessidade" das maiorias "absolutas" para (diz ele e dizem os tais publicistas) "reformar idealmente" o 'regime'.

Ora, se sem elas já a vinculação em tempo real dos agentes às massas é o que se sabe, imagine-se (imaginem quantos não tiveram a pouco invejável "privilégio" de passar alguma vez por uma dessas maiorias...) o que ela não será (o que ela não é!) naquelas situações em que o 'regime' pode por sistema legalmente eximir-se da imprescindibilidade de ter de colocar a persuasão (na realidade, a chave do próprio específico democrático!) onde, nos casos de maiorias absolutas, os 'regimes' colocam (pura, simples e quase sempre alegremente!) a imposição...

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