domingo, 15 de março de 2009

"La Grande Illusion" de Jean Renoir

Configura um verdadeiro truísmo dizer que se trata de um dos poucos filmes que pode legitimamente aspirar aos qualificativos invejáveis de "definitivo" "imortal" e "único", na História do Cinema de todos os tempos.
Escassos outros haverá, com efeito, tão modelar e tão emblematicamente nacionais (tão paradigmaticamente francês, no caso vertente) e, ao mesmo tempo, universal e prodigiosamente humanista e tolerante, desprovido, pois, do mínimo ponto de contacto com qualquer ideia--mesmo apenas remota e secundária--de chauvinismo e/ou de sempre perverso "nacionalismo".

Vendo-o, percebem-se sem dificuldade os motivos pelos quais Vichy e os nazis o odiaram: nele, com efeito, tudo transpira ou ressuma pacifismo mas um pacifismo viril, digno e profundamente lúcido, indelevelmente marcado pela ideia, sempre muito clara e muito viva, de uma genuína solidariedade entre os homens (e mulheres!) de todas as nacionalidades e até de todas as cores ou raças (há, no filme, de facto, entre os franceses, um negro que com os restantes personagens partilha do "projecto" genuinamente popular e natural de resistência à brutalidade e à desumanidade aqui simbolizadas pela guerra enquanto facto histórico, social e político des/estruturalmente dissolutor e intrinsecamente desumanizante).

Além desse aspecto, de algum modo (como dizer?) mais interventivamente "para-teórico" ou até 'ideológico' e mesmo (quase?) militante, o (belíssimo!) filme de Renoir constitui também (algo que partilha, de resto, com essa outra obra-prima absoluta do mesmo realizador que é o também genial "La Règle de Jeu") uma lúcida reflexão sobre a História, designadamente sobre o fim de toda uma 'era civilizacional' representada pelos aristocratas Boeldieu--que significativa (e resignada--quase?--ritualmente) se "suicida", sacrificando-se pela "nova França" ou pela "nova Europa" que surge das ruínas da "velha ordem"--e pela personagem fabulosamente re/criada por esse verdadeiro «monstro sagrado do Cinema» que foi o truculento e desmesurado Eric von Stroheim (a truculência, aqui, aparece soberbamente caldeada com uma contenção e um fatalismo tragicamente ritualizados) e a ascensão de uma outra classe que vem definitivamente substitui-la (para o bem e para o mal implícitos nas múltiplas contradições--e dilacerações, individuais e colectivas!--que o processo traz consigo) na "propriedade" e na condução modernas da História.

Sem deixar de glorificar a necessidade (premente, central, essencial, repito!) da solidariedade e do humanismo na relação entre as pessoas e os povos, o filme não deixa de, apesar disso e de um modo, aliás, sempre muito inteligente e esclarecido que começa no próprio título, reflectir sobre as vicissitudes e a contínua falibilidade da lucidez histórica e política, algo, com efeito, afinal, tão frágil e vulnerável que faz com que, aquela que terá, de algum modo, começado por ser a grande esperança de um certo mundo económico, social e político moderno de ver (e de organizar!) a relação entre as pessoas e, de um modo mais amplo e genérico, entre as nações (envolvendo especificamente a ideia de uma guerra final que acabasse com todas as restantes) acabaria, afinal, por se revelar, em última instância, o enorme fracasso (ou "grande ilusão") de que fala o título do filme.

Neste e no âmbito especificamente cinematográfico, Gabin está perfeito no seu "Maréchal" tão humano e tão caracteristicamente parisiense; Pierre Fresnay com uma composição extremamente digna, sóbria e eficacíssima não desmerece--longe disso!--dos restantes; Dita Parlo compõe com extrema eficiência a figura humaníssima da mulher que a guerra deixa na situação da mais completa solidão e vulnerabilidade mas von Stroheim, no prussiano cujo corpo em ruínas carrega consigo um espírito tragicamente desencantado, não menos mutilado e sem esperança que se sabe antecipadamente morto está, como disse, incrivelmente próximo da perfeição.

Verdadeiramente fabuloso!

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