Configura um verdadeiro truísmo dizer que se trata de um dos poucos filmes que pode legitimamente aspirar aos qualificativos invejáveis de "definitivo" "imortal" e "único", na História do Cinema de todos os tempos.
Escassos outros haverá, com efeito, tão modelar e tão emblematicamente nacionais (tão paradigmaticamente francês, no caso vertente) e, ao mesmo tempo, universal e prodigiosamente humanista e tolerante, desprovido, pois, do mínimo ponto de contacto com qualquer ideia--mesmo apenas remota e secundária--de chauvinismo e/ou de sempre perverso "nacionalismo".
Vendo-o, percebem-se sem dificuldade os motivos pelos quais Vichy e os nazis o odiaram: nele, com efeito, tudo transpira ou ressuma pacifismo mas um pacifismo viril, digno e profundamente lúcido, indelevelmente marcado pela ideia, sempre muito clara e muito viva, de uma genuína solidariedade entre os homens (e mulheres!) de todas as nacionalidades e até de todas as cores ou raças (há, no filme, de facto, entre os franceses, um negro que com os restantes personagens partilha do "projecto" genuinamente popular e natural de resistência à brutalidade e à desumanidade aqui simbolizadas pela guerra enquanto facto histórico, social e político des/estruturalmente dissolutor e intrinsecamente desumanizante).
Além desse aspecto, de algum modo (como dizer?) mais interventivamente "para-teórico" ou até 'ideológico' e mesmo (quase?) militante, o (belíssimo!) filme de Renoir constitui também (algo que partilha, de resto, com essa outra obra-prima absoluta do mesmo realizador que é o também genial "La Règle de Jeu") uma lúcida reflexão sobre a História, designadamente sobre o fim de toda uma 'era civilizacional' representada pelos aristocratas Boeldieu--que significativa (e resignada--quase?--ritualmente) se "suicida", sacrificando-se pela "nova França" ou pela "nova Europa" que surge das ruínas da "velha ordem"--e pela personagem fabulosamente re/criada por esse verdadeiro «monstro sagrado do Cinema» que foi o truculento e desmesurado Eric von Stroheim (a truculência, aqui, aparece soberbamente caldeada com uma contenção e um fatalismo tragicamente ritualizados) e a ascensão de uma outra classe que vem definitivamente substitui-la (para o bem e para o mal implícitos nas múltiplas contradições--e dilacerações, individuais e colectivas!--que o processo traz consigo) na "propriedade" e na condução modernas da História.
Sem deixar de glorificar a necessidade (premente, central, essencial, repito!) da solidariedade e do humanismo na relação entre as pessoas e os povos, o filme não deixa de, apesar disso e de um modo, aliás, sempre muito inteligente e esclarecido que começa no próprio título, reflectir sobre as vicissitudes e a contínua falibilidade da lucidez histórica e política, algo, com efeito, afinal, tão frágil e vulnerável que faz com que, aquela que terá, de algum modo, começado por ser a grande esperança de um certo mundo económico, social e político moderno de ver (e de organizar!) a relação entre as pessoas e, de um modo mais amplo e genérico, entre as nações (envolvendo especificamente a ideia de uma guerra final que acabasse com todas as restantes) acabaria, afinal, por se revelar, em última instância, o enorme fracasso (ou "grande ilusão") de que fala o título do filme.
Neste e no âmbito especificamente cinematográfico, Gabin está perfeito no seu "Maréchal" tão humano e tão caracteristicamente parisiense; Pierre Fresnay com uma composição extremamente digna, sóbria e eficacíssima não desmerece--longe disso!--dos restantes; Dita Parlo compõe com extrema eficiência a figura humaníssima da mulher que a guerra deixa na situação da mais completa solidão e vulnerabilidade mas von Stroheim, no prussiano cujo corpo em ruínas carrega consigo um espírito tragicamente desencantado, não menos mutilado e sem esperança que se sabe antecipadamente morto está, como disse, incrivelmente próximo da perfeição.
Verdadeiramente fabuloso!
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