terça-feira, 17 de março de 2009

"Só é «cavaquizável» quem se quer «cavaquizar»..."

Do meu "tumultuoso" arquivo pessoal (onde vão diariamente parar os incontáveis recortes de jornal que nunca deixo de fazer) extraio hoje um número particularmente interessanto do inevitável "Público": o de 09.03.09.
Tratou-se, como disse, de um número particularmente bem sucedido, em termos de ensejos concretos para a reflexão. Eu já o disse por diversas vezes, não me considero exactamente um leitor do "Público": leio-o regularmente o que não é precisamente a mesma coisa...

Lendo-o, reconheço que (tendo sempre o cuidado de não esquecer nunca "quem é"...) que está a anos-luz de um híbrido "D.N." (um verdadeiro "case study" de intuição--ou vocação nata--para o servilismo...) para já não falar no abominável-de-truculento "C.M.", o "porta-voz do banco-de-jardim de bairro na andropausa" e por aí adiante.

Voltando, porém, ao "Público" de 03 de Março começo por um artigo de São José Almeida, inserto na página 3 onde a jornalista discorre sobre a questão da possível... "cavaquização" intensiva ou exaustiva do P.S.

Trata-se de um tema, sem dúvida, interessante.

A mim, não me restam muitas dúvidas de que sendo o País aquilo que politica e civicamente (não!) é; sendo o actual poder político exercido numa dessas democraticamente abomináveis maiorias "absolutas"; estando a clássica separação democrática de poder institucionalmente desenhada como está, com o governo a escolher o Procurador-Geral da República e as promoções dentro do Ministério Público a resultarem de propostas de uma escolha directa do poder político; assim sendo, dizia, não me resta a mais pequena dúvida de que era pura e simplesmente inevitável que toda a estrutura do Estado estivesse (como está!) "estrategicamente" governamentalizada ou, como diz São José Lapa, "cavaquizada".

Necessariamente, pois.

É, aliás, por isso mesmo--porque essa "fatalidade" é, no quadro institucional e cívico actual, virtualmente inevitável--que eu pessoalmente preconizo a extinção da possibilidade de se formarem mais maiorias destas ditas (e bem!) "absolutas" mas que advogo, sobetudo, a ideia de que qualquer projecto de esquerda, hoje, tem inevitavelmente de passar pelo investimento estratégico nas múltiplas formas possíveis de pedagogia cíviva e político como pressuposto esencial de democraticidade a que houve recurso no tempo do fascismo.

Como?

Através da potenciação das capacidades de mobilização popular e especificamente cívica das colectividades populares e, dentro delas, do Teatro, das coneferências, das actividades de leitura colectiva discutida, dos Cine-clubes, etc. etc.

Ou seja: o "povo" não mudou no essencial desde que o fascismo caíu entre nós.

A sua "vocação atávica" para (chamemos-lhe assim:) a candura política e para o seguidismo que dela quase inevitavelmente resulta (o fascismo onde existiu foi sempre, de facto, incomensuravelmente mais o resultado da inacção colectiva das massas proletárias e pequeno-burguesas do que qualquer efeito directo e autónomo de qualquer acção verdadeiramente determinante do grande capital económico-financeiro que dele extraíu, porém, benefícios monstruosos e, de resto, para servir o qual os fascismos históricos existiram); a "vocação atávica" das massas para a agnosia e para a inércia cívicas e políticas que dela directamente resultam, dizia, se sofreu um curto e muito promissor "abalo" no período que vai de Abril de '74 a Novembro de '75 (período em que podia ter finalmente surgido entre nós a "escola individual e colectiva estável da cidadania" que a História nacional nunca verdadeiramente chegou permitir no passado) quase imediatamente voltou à sua condição anterior de "específico mental circunstancial" distintivo de uma certa "lusitanidade" (e até de um certo "iberismo" ou "ibericidade") rurais tradicionais facílimas, como não é difícil entender, de "teleguiar" e objectualmente manipular por quem esteja verdadeiramente interessado em fazê-lo.

E é precisamente por esse motivo (porque a realidade do analfabetismo cívico e político se manteve in/essencialmente estável ou estabilizada na passagem do fascismo para a chamada democracia) que não se me afigura (bem pelo contrário!) despiciendo "re/inventar" alguns dos projectos de alfabetização cívica que, na altura, despontaram onde puderam nos centros operários e pequeno-burgueses do Barreiro a Almada, de Leiria ou da Marinha Grande a Torres Novas e assim por diante.

Este, um aspecto que se me oferece a propósito do texto de São José Almeida, sublinhar: a governamentalizaão não apnas dos partidos como da própria sociedade (portuguesa, neste caso) em geral não resulta de qualquer esforço original de Cavacos Silvas, Josés Sócrates e quejandos.

Resulta, como disse, inevitavelmente do próprio desenho (imperfeitíssimo!) da "democracia" nacional, "estrategicamente desactivada ou nunca activada naqueles pontos em que seria essencial que o não estivesse porque permitiriam tornar orgânico o que chamo o "tempo único" da Democracia.

Que permitiriam concretizá-la e levá-la à prática em tempo real que é o único modo de concretizar e levar à prática o ideal democrático.

Que permitirim evitar que o tempo ou temporalidade democrática se cindisse daí resultando que a negociação democrática do exercício instrumental do poder se convertesse perversamente na negociação objectiva do próprio poder, como acontece hoje-por-hoje entre nós.

A visão de São José Almeida é, a meu ver (e por isso aqui a trago ao próprio seio destas reflexões) emblemática de um equívoco gigantesco que apresenta consistentemente aquilo que é essencial no apodrecimento objectual da Democracia entre nós num mero incidente.

O que é essencial é o modo como o sistema, no seu corpo inastitucionalizado está desenhado. Os Sócrates como os Cavacos limitam-se, diria eu, a ocupar um espaço vazio, um "void", no desenho institucional (e mental! E mental! Não esqueçamos o mental!) português.

Não inventam governamentalizações nem, de um modo mais geral, situações de autocracia objectiva: viajam nelas, instalam-se nelas, achm nelas um habitat político e cívico perversamente (perversissimamente!) ideal.

Não perceber isto é mistificar.

Faz, aliás, impressão o modo como uma jornalista respeitável e respeitada como São José Almeida argumenta alegadas "diferenças" (de substância?) entre um económica, social e politicamente tenebroso «cavaquismo» e o actual «socratismo»: dizendo que este é "diferente" porque não foi buscar para a direcção do "seu" partido político pessoal político de "fora" antes recorrendo a "pê-ésses de carreira"...

Como "argumento", deixa-me francamente perplexo, boquiaberto com a subtileza do raciocínio e da análise, em geral!

Quer dizer: sendo os partidos como o P.S. e o P.S.D. hoje entre nós o que são (isto é: autênticas "fábricas" ou "armazéns"--verdadeiras "linhas-de-montagem"!--de potenciais funcionários e nada mais, em última instância, do que isso: pense-se nos Mários Linos, nos Manuéis Pinhos, nas Maria de Lurdes Qualquer Coisa e por aí fora!...) dizer que recorrer à "malta" aí "asilada" para exercer o poder é contribui, de forma minimamente significativa, para bloquear a tentação governamentalizadora (e/ou para fazer qualquer mínima diferença relativamente aos que inventam governantes "completos" completamente ex-nihilo) é obra, seguramente!

Que o repitam e corroborem "politólogos" e "analistas" como António Costa Pinto ou Marina Costa Lobo não ajuda nada.

Pelo contrário: agrava!

Se os "politólogos" e "analistas" fazem "politologias" e "análises" destas que pensar dos outros--dos que não são nem "politólogos" nem "analistas"?

Só de pensar nisso, sinto arrepios!


E por aqui me fico...

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