quinta-feira, 19 de março de 2009

"O Papa!... Ai, o Papa!..."


Se há figura que, por ter sido manifestamente incapaz (ou 'estatutariamente proibida') de evoluir, revela, hoje em dia, um anacronismo verdadeiramente gritante é a do "papado".

Dela se podia, na melhor das hipóteses, esperar que operasse (tendo sabido "reduzir-se"--o termo é aqui usado num sentido argumentativo que está longe de diminui-lo, antes o valoriza substancial e substantivamente--com inteligência e sensibilidade ecuménica, a uma espécie de sábia, esclarecida, "estratégica" neutralidade doutrinal aparente que lhe permitisse manter um alargado campo de influência trans-confessional objectivo); dele, papado, se poderia, ia dizendo, esperar que fosse capaz de criar a si próprio um conjunto de condições objectivas e subjectivas de operar, em última insância, como uma espécie de grande consciência universal, aliás cada vez mais criticamente necessária, num mundo como aquele em que hoje somos todos obrigados a viver.

Infelizmente, um homem como Bento XVI revelou ser a pessoa menos indicada para protagonizar esse importantíssimo "aggiornamento" da figura tradicional do papado de modo a ajustá-lo a um tempo de crueldades inomináveis na "política" das nações mas, sobretudo, no modelo de (des) organização económico-social "global" escolhido pelos "líderes" do mundo para figurar ou dar rosto ao que chamam "desenvolvimento" e (mais grave porque mais disfuncional ainda!) "Progresso".

Espanta-me (de facto, escandaliza-me!) que alguém possa, em consciência, considerar Bento XVI um pensador (!) e um teólogo.

É facto que, comparado com um reaccionaríssimo João Paulo II, muito do que ele diz e, sobretudo, do modo como o diz permite que seja, à primeira vista, fácil confundir a sua perspectiva de abordagem genérica da realidade com "pensamento filosófico" mais ou menos original e "teologia".

Mas apenas nesse caso, é preciso dizer.

São inúmeras as circunstâncias em que a maneira repetitiva e insuportavelmente mecânica como aborda as questões revela à saciedade a pobreza argumentativa do actual Papa assim como a in-significância genérica dos conteúdos que por sistema privilegia.

Numa palavra: trata-se de uma pessoa que realmente muito pouco faz para tornar a igreja actual um parceiro credível e relevante dos povos e das pessoas dentro deles parecendo mesmo, com frequência, que a instituição por ele liderada e referenciada faz questão de se pôr à margem das aspoirações e legítimos interesses das populações do mundo (ou dos "mundos", 'primeiro', 'segundo', 'terceiro'...) dos nossos dias.

Dou dois exemplos da fragilidade teológica de um papa que--é bom não esquecê-lo sempre que se trata de considerar criticamente algumas das suas peculiaríssimas tomadas de posição e mesmo decisões concretas em matéria de excomunhão/não-excomunhão de bispos eufemisticamente ditos "tradicionalistas" ou no âmbito do diálogo (?) interconfessional...) começou por ser, como se sabe, um "jovem nazi", nos seus tempos de adolescente.

Primeiro exemplo: a oposição formal à investigação em determinadas áreas da Genética, designadamente no domínio das células estaminais.

Não se percebe, aliás, muito bem que é que o para como papa tem a ver com isto (é um dos tais casos em que o papado se desactualizou por completo sem se dar devida conta disso mas enfim...)

Bom mas seja como for, a questão põe-se inteligentemente, a meu ver, de um modo radicalmente diferente daquele (teimosamente passadista e ferozmente obscurantista) como o põe o Vaticano.

Ou seja: é, em meu entender, extremamente pouco lisongeiro para a ideia de "Deus" (e por isso, eu ponho frontalmente em causa a competência teológica ou teológico-formal de Bento XVI com o tal) argumentar que a Criação não pode ser alterada e melhora pelo próprio Deus através da sua criação supostamente 'maior' que é o próprio Homem.

A ideia de uma Criação impossível de melhoria através de seres cuja realidasde deriva em tese de um acto de Deus constitui, em si mesma, com efeito, ao menos, por absurdo, um argumento de peso em defesa dos limites (e da limitação ou das limitações objectivamente estruturais) do poder divino como tal.

Isto é: se Deus não pode (se está "proibido... pelo papa"!) de introduzir qualquer melhorarmento--de fazer progredir, de enriquecer--a sua própria Criação através de elementos que, nela, Ele próprio supostamente plantou (recorde-se que o papado rejeita igualmente a teooria da evolução, conservando-se bizarramente fiel à... "tese" criacionista), então, daí se infere que o Seu poder se limita a si mesmo e que no caso do Homem se limitou a criar seres completamente passivos e irrelevantes enquanto componentes da Criação, não se percebendo muito bem, nesse caso, onde está fundamentado um suposto estatuto de seres electivos no contexto desssa mesma Criação...

A ideia de "Homem" que daí deriva é de uma pobreza confrangedora--o que, de resto, não espanta se considerarmos que se trata de uma Criação de um Deus que se limita à partida a si próprio ou que se acha, objectivamente, refém senão mesmo prisioneiro dos seus próprios (não?) poderes.

Um teólogo esclarecido e, ao mesmo tempo, humanista pensaria, exactamente ao contr+ário, que Deus criou o Homem como um espelho (menor, é certo: muuuuito menor mas, ainda assim, não passivo) de Si atribuindo-lhe, ao menos em tese (tudo isto são apenas teses...) a capacidade para agir como instrumento melhorador do próprio Criador.

Parece cristalino?
Não! É cristalino--e é por isso que eu me permito afirmar que o papado actual tem tudo menos uma perspectiva estruturalmente humanista da Criação e (pior ainda! Mais grave ainda!) da Criação (vista como algo incapaz de evolução e progresso, algo cristalizado nas suas própria fragilidades e limitações) e do o próprio Deus.

Se o anterior papa fez do Cristianismo pretexto para "panfletar" (se excluíu à partida, consistentemente, um conjunto de modos de pensar a sociedade da possibilidade de crer) o actual fez do papel potencialmente determinante, em termos amplamente civilizacionais, um mero ensejo menor para o (não!) debate estéril e contumazmente situado à margem dos problemas e das inquietações reais das pessoas--e não falo apenas aqui de inquietações materiais, longe disso!...

Segundo exemplo: o famigerado preservativo. Sobre a desadequação do discurso papal neste domínio, já se disse, nestes últimos dias, virtualmente tudo.

Do ponto de vista teológico, todavia, falta dizer o seguinte: visivelmente, o papa não faz propriamente uma ideia muito lisongeira de Deus, como já vimos a propósito da questão anteriormente abordada.

Neste âmbito do preservativo, confirma essa ideia.

Como?

Bom, se o próprio mecanismo de fecundação passa obrigatoriamente por uma dinâmica de 'selecção natural' (curioso, não é?) e este implica, no caso vertente, a "morte" de milhões de espermatozóides, deve daí inferir-se se o primeiro "abortador" é o próprio Deus que assim "se antecipa" ao preservativo?!...

...Ou será que aquilo que Ele nos está de facto a dizer é que não devem identificar-se automática (acriticamente!) "espermatozóide" e "Vida" e, nesse caso, há que rever de base a questão do uso do preservativo?

Que, se calhar, ele não representa em si mesmo "Mal" algum?...

Pensar como Bento XVI é optar por uma abordagem des/estruturalmente obscurantista porque deploravelmente adialéctica do real--como se este fosse, repito para terminar, (e o próprio Deus com ele) por definição ou trgágica fatalidade insusceptível de regeneração que é como quem diz de autêntica Luz e verdadeira Esperança!

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