Falo dele a partir de um texto de Pedro Mexia, igualmente vindo a lume no "Público" (que é que querem que eu faça, que eu leia? Não há mais nenhum!!...)
Não sei muito bem (humildemente o confesso!) quem é exactamente este Pedro Mexia que, dizem-me alguns, é escritor.
Seja! Bom proveito lhe faça: não são o Rodrigues dos Santos e o Guedes de Carvalho "escritores"? Então?...
De qualquer modo é a partir de um texto daquele, do Mexia, que retomo aqui a "polémica questão" do Courbet e da sua "Origem da Vida".
Ao que parece o quadro era mesmo para ser "pornografia".
'Isto da' pornografia tem, aliás, 'que se lhe diga'. A pornografia de ontem não é a de hoje e muuuuito provavelmente há-de pouco ou nada ter em comum com a de amanhã.
Se houver "amanhã", claro o que está muito longe de ser coisa garantida mas enfim...
Essa é outra questão...
A que pretendo levantar, aqui, agora, é a questão 'teórica' da "essência (im?) possível" da pornografia.
O quadro do Courbet tê-lo-á sido numa época de "proibição" rigorosa e oficial do corpo, uma época cultural (e cultual!) em que a 'suspensão'--senão mesmo a declarada "ilegalização" (ditas, uma e outra, "estruturais" ou "naturais")--deste eram dados genericamente adquiridos e globalmente «pacíficos».
Romper ("violar"!) através da emergência irrecusável (da emergência ou da evidência "brutal": "brutalmente irrecusável"!) dos factos a "barreira de segurança" constituída por tal tácita proibição era (podia ser precisamente na medida em que inquietava e perturbava "tudo", isto é, na medida em que induzia a--quase?--«urgência sensível» de uma reflexão autónoma, individual sobre "tudo", uma reflexão para mais totalmente desapoiada pela inércia tranquilizadora de um qualquer «catecismo» ou simplesmente da in/acção crítica "pura" das massas); proceder deste modo, dizia, era por tudo quanto disse, "pornografia".
A Cultura «ocidental» ("a-cidental"?) sempre, de algum modo, se caracterizou precisamente por usar as ideias (ou a "sugestão" abstracta delas na forma inteleccionalmente espúria de 'convicções') como uma protecção e uma arma contra os factos--no limite, contra o próprio Conhecimento como tal ou como possibilidade teórica de si.
Para mim, um dos mais importantes pensadores (dos mais lucidamente representativos, em todo o caso) do «Ocidente» é, não por acaso, Zenão de Eleia, o filósofo das aporias, da seta que teoricamente nunca chega ao destino e por aí adiante...
O catolicismo, uma vez completo como «objecto canónico» erigiu a agnosia (melhor: a semântica, no limite--"en fin de partie", como diria Beckett!) em "religião do oficial do Estado".
Dos Estados.
Se os factos (a factualidade objectual em redor) perturba(m), teorizam-se uns e outra continuamente (literalmente!) até ao infinito: algures na labiríntica geometria de uma hábil infinitamente reticular teorização há-de idealmente perder-se a própria noção possível de facto e, com ela (Deus seja louvado!) a necessidade, de algum modo, imperiosa mas sempre fatalmente inquietante, mortífera, da experiência...
Sade, por exemplo, foi "pornógrafo"?
Sade foi um dos mais lúcidos e brilhantes escritores do "Ocidente", um "Swift total", "seminal" (façam a experiência de ler, por exemplo--mas de ler sem ideias pré-concebidas!--toda a primeira parte da "Justine", esse "Candide" escrito "da cintura para baixo" que era a parte que faltava ao clássico voltaireano...) que elevou premonitoriamente o experimentalismo quase puramente "teórico" do 'iluminismo' ("salvaram-se" Rousseau, "algum Diderot" e pouco mais...) ao estatuto existencial ou (auto) dilacerantemente existencializado de "Conhecimento".
Antecipou, de golpe, Freud e Antonin Artaud.
Kafka e Charles Bukowski ou mais obviamente Jean Genêt.
Pasolini, Burroughs, Virginia Wolf e Joyce.
Numa palavra: foi maldito porque não soube parar.
Ora, a pornografia é, num certo sentido, precisamente "não saber parar".
Para o bem e para o mal (eu não disse "Bem" e "Mal", ham?! Disse só "bem" e "mal" que é muito diferente, entendamo-nos).
Uma "novela" da TVI ou uma "homilia" dominical de Marcelo Rebelo de Sousa são evidentemente (im) puríssima, verdadeiramente sórdida, pornografia; como, todavia, se limitam a ecoar de forma mecânica e infinitesimamente pormenorizada a imoralidade (im) puramente tácita e completamente animal das massas em redor, ninguém percebe e ninguém descobre que o são.
Outro tanto se passa, aliás, com os artigos "de opinião" de "ex-fascistas encartados" que acordaram, uma manhã, de repente "socialistas"--e subitamente inteligentes "par dessus le marché"...
...Ou com a solidariedade viscosa e moralmente tóxica dos falsos engenheiros e dos falsíssimos democratas em geral que os acolhem ternamente "em seu seio".
No que comummente se chama "pornografia" o que há de pornográfico (sem aspas: sem "ásperas", como diz uma vizinha minha...) nada tem, ao contrário do que defendem os hipócritas e os polícias de Braga, de especificamente sexual: o que há de pornográfico na "pornografia" (agora com aspas...) comum é o "ideal" de colonização de uma sexualidade por outra e de um dos sexos formais ou oficiais pelo outro.
Apenas isso.
Ou quase apenas isso: o resto é má qualidade narrativa, miséria plástica, indigência intelectual, etc.
Mas isso não é (nem de longe!) um exclusivo da vida sexual das formigas (das formigas morais e políticas, pelo menos) que somos.
Há-o (e de que maneira! Em que escandalosa profusão!) volto a dizer, nas lucubrações pantanosas dos tais ex-fascistas, por exemplo.
Ou num cachorro da Murk Donald's, para não irmos mais longe.
A pornografia é fazer das mulheres instrumento no sexo e do sexo instrumento nas "novelas".
Mas eu prometi que ia abordar o tema (a "questão": já repararam como a palavra questão tende a tornar-se uma palavra-chave numa certa semântica fascista típica? A "questão judaica"--eu não morro propriamente de amores pelos judeus mas por outras razões que não uma sua suposta inferioridade natural"...-- a "questão homossexual", "a questão feminina", etc. etc.); eu prometi, dizia, que ia abordar o tema a partir do texto de Pedro Mexia.
Que, no seu artigo, defende expressamente a natureza objectiva (e subjectivamente!) 'pornográfica' da obra de Courbet.
Diz ele (ensina ele!) que foi comprada por não sei quem que a pendurou não sei onde para fazer não-sei-o-quê com ela e por aí fora.
Pornografia, portanto.
Ora, já vimos como tudo isto é escorregadio e equívoco.
A pornografia na tela de Courbet está, como comecei por dizer, "in the eyes of the cultu(r)al beholder"--que Mexia também, claro, é.
É aí que ela está sempre, aliás.
Aí, isto é: nos fantasmas e tabus de cada um.
Quando o século XIX deixou, no caso vertente, por acção de um tal Courbet, de poder esconder a sua sensualidade numa "redoma teórica de segurança" chamada "Arte", reforçada por uma outra ainda mais aridamente abstractizante e teórica chamada "catecismo" ou mesmo "funcionalidade", deu de súbito consigo de caras, perigosamente nu e desprotegido perante a evidência aterradora dos «objectos» avulsos da Arte e/ou da funcionalidade como tal da "condição" (dita) humana e viu-se cada um na necessidade cada vez mais incontornável de formular um ponto de vista completamente autónomo e independente sobre eles.
A solução foi gritar "Pornografia! Pornografia!" até ficar (até ficar tudo em volta!) ideal (e literalmente!) surdo.
Neste sentido preciso, a pornografia é, pois, a sucessora, a "herdeira conceptiva" dilecta e legítima (mas também a cúmplice secreta!) da agnosia e da própria virtude, vista esta como a expressão atópica pura do zero crítico perfeito.
A virtude, aqui, é não pensar.
Para isso, que tal "pensar"?
"Semantizar".
Diluir-se idealmente numa onto-semântica onde tudo regresse ordeiramente aos seus lugares.
Deus ausentou-se por breves instantes?
"No problemo", como dizia o conhecido hominídeo ex-austríaco: invoca-se-lhe o Santo Nome por delicioso absurdo... na farda de um flic.
Às vezes, basta, até, para muitos, um simples... 'Flic' La Féria...
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