terça-feira, 17 de março de 2009

"Outra..."


O modo como funcionam estes "blogs" (deslocando-se, de forma paradoxal, do fim para o princípio) faz com que esta 'entrada' (que aqui aparece antes) deva, na realidade, ser lida depois da que se lhe segue.

Enfim «coisas» da "blogagem"...

O que interesa verdadeiramente aqui é reflectir sobre um texto de Teresa de Sousa inserto, também ele (como o de São José almeida de que falo na tal 'entrada' que, vindo como disse, imediatamente a seguir a esta, lhe é de facto anterior) no "Público" de 09.03.09.

Aqui, se retoma a comparação entre Cavaco Silva e José Sócrates. Trata-se, de resto num caso e noutro, de uma espécie de "dossier" sobre os "três anos em Belém" do primeiro dos citados políticos.

O que daqui, do texto de Teresa de Sousa, ressalta (para mim, pelo menos: do ponto de vista do meu interesse e da minha própria análise) é, ainda e sempre, a tal "tara crítica" da fulanização completamente assistémica da realidade (histórica, social, política) circundante.

Segundo Teresa de Sousa (não vou aqui perder demasiado tempo a repetir) "Cavaco é não-sei-quê", já "Sócrates é mais outra coisa qualquer".

Ora, eu não sei ao certo (nem, francamente, me interessa muito saber...) se Sócrates é mais "isto" do que Cavaco e menos "aquilo" do que este.

Um e outro me são, enquanto pessoas (eu deveria mesmo idealmente dizer--se a "democracia portuguesa" funcionasse, como devia, assim--qualquer um deles me interessa tanto como o outro enquanto "servidores públicos" ("public servants")-- que, de resto, tenho as mais sérias e, a meu ver, fundadas dúvidas que qualquer um deles seja...

Os políticos para mim deviam ser como os árbitros de futebol e os locutores de televisão: tanto melhores quanto por eles enquanto indivíduos menos se desse.

Uma certa maneira pretensamente "moderna" e "dinâmica", comunicacionalmente... "desempoeirada" (de facto, terceiro-mundista polida à pressa e apenas exteriormente mas enfim...) de conceber a "política" faz com que uns quantos "analistas" e "inteligentes de carreira" se dediquem regularmente (leia-se: que uns e outros ganhem a respectiva vidinha) a criar puras (ou, pelo contrário, impuras?...) personagens de ficção a partir da ideia que eles próprios, "analistas" fazem ou dizem fazer (e que é, sobretudo, essencial que todos nós façamos também...) de uns quantos espertalhões em si mesmos cinzentos, oportunistas e não-raro escandalosamente parolos a que todos os interesados se obstinam, apesar disso, em tentar fazer-nos genericamente acreditar que se trata de verdadeiros políticos...

Cavaco é mais "isto-ou-aquilo" do que José Sócrates?

É menos "aqueloutro"?

Cavaco e Sócrates são o "sistema".

São o sistema político que faz do Estado, como tantas vezes tenho dito, um emprego dos mais chorudos (com saída directa para carreiras de, por vezes escandaloso, luxo no privado); que faz do carreirismo político em geral uma indústria fabulosamente rentável para uns quantos espertalhões de carreira eque fez, por fim, já do Estado um mero corretor (senão mesmo um simples e dócil almocreve) dos interesses que as pessoas em causa--os tais "políticos" saídos da ficção de uns quantos fantasistas da análise e do comentário mais ou menos 'profissional'--servem e, afinal, eles próprios são.

Tudo isto já disse, porém, noutro lugar--designadamente quando me debruço sobre o "exame" que São José Almeida faz do "cavaquismo" e de um suposto "socratismo" que, segundo ela, se terá seguido ao primeiro.

Não vale, pois, a pena insistir neste aspecto da nossa própria análise, aqui.

Do texto de Teresa de Sousa ("Ou eu ou o caos, parte II") ressalto sobretudo o seguinte parágrafo onde fala do actual presidente da República:

"O "capitalismo popular" que Cavaco roubou à sua heroína Margaret Thatcher (que haveria de substituir por Delors e González) tinha finalmente o seu grande intérprete. Não precisava de ideologias nem de concessões. Era assim, em toda a sua nudez e com toda a sua eficácia. Ele e o povo. Partidos? Parlamento. Rituais democráticos por vezes incómodos" [sublinhado meu].

E mais adiante:

[...] Cavaco e Sócrates. Pragmáticos. Implacáveis quando se trata de vencer. Pouco tolerantes à "maçada" dos partidos".

Os "retratos" falam por si: eufemísticos embora, falam por si: "Pragmáticos", "implacáveis quando se trata de vencer" (!...), "pouco tolerantes à "maçada" (!!) dos partidos" e por aí fora.

Tudo isso já se sabia, aliás.

Já o sabia quem não se disponibiliza a "engolir" credulamente as fantasias supostamente originais e objectivas dos "an(im)alistas" e "palitólogos" profissionais.

Essas pessoas (entre as quais me lisongeio, aliás, acreditando estar...) davam era a todas essas coisas outros nomes.

Nada disso constitui qualquer novidade, pois.

O que é interessante é constar como asim, de mansinho e supostamente sob a forma de genuína (e escrupulosa!) análise política esteja, afinal, a ser confirmado, implicitamente, quanto venho há muito a dizer sobre "deriva demomórfica (pós) moderna nacional" ou simplesmente "pós-democracia".

Aquilo que (tão óbvia quanto desgraçadamente!) permite defini-la nos seus traços gerais é, diria eu, exactamente a possibilidade regular (eu diria: a quase inevitabilidade cíclica!) de uns quantos fulanos espertalhóides se "infiltrarem" no edifício "estrategicamente imperfeito e deixado por acabar da "democracia instrumental" (ou da "democracia funcional") (à) portuguesa actual; indivíduos ideologicamente "pragmáticos", ética e/ou socialmente "implacáveis quando se trata de vencer" (quem e o quê?...) e, em geral, "pouco tolerantes à "maçada" (!) dos partidos".

É que são esses quem "dá", afinal, "o tom" à "democracia" nacional, quem marca indelevelmente a História e o rosto concreto do "sistema", quem, numa palavra, importa a "política" do terceiro (senão mesmo do quarto ou quinto...) mundos para o próprio seio do "primeiro" e faz da História a palhaçada que ela hoje-por-hoje cada vez mais é...


[Imagem extraída com a devida vénia de lesjones.org]

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