segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

"Um «exemplo» de isenção, de idoneidade epistemológica e competência crítica..."


Um "bom" (com aspas...) "exemplo" (com mais aspas...) da genérica "isenção" da actual imprensa portuguesa em matérias de incidência social e política (uma imprensa pertencente, como se sabe, hoje-por-hoje, assumidamente, de forma maciça, aos grandes grupos económico-financeiros recém-reconstituídos, compreensivelmente satisfeitos com as políticas do chamado "pê-ésse"); pois, um "bom" exemplo da tal "isenção", dizia, é-nos dado por 'metade' do editorial do "Diário de Notícias" de 28.11.08, especificamente na parte em que aí é levantada a questão por resolver (e que a actual titular parece, de resto, manifestamente capaz de levar a bom porto) da avaliação do desempenho dos professores.

As questões envolvendo os professores e a actividade docente em geral permanecem, aliás, hoje-por-joje, autenticamnte "roupa-de-franceses" onde "graças-a-deus" tudo mete o bedelho e relativamente à qual tudo tem opinião e soluções...

...Até o "Diário de Notícias"!

É caso para dizer, como no título célebre de uma saudosa 'revista' popular de grande cucesso no imediato pós-25 de Abril: "ao qu' isto chegou", meu Deus!...

Bom mas vamos lá, então, à questão propriamente dita.

Foi o caso de o movimento espontâneo (e sublinho "espontâneo"!) de professores resultante da progressiva organização da mais do que legítima revolta destes profissionais perante o autoritarismo e a evidente inépcia ministerial para conduzir qualquer processo minimamnte capaz de reformas nos mais diversos capítulos do âmbito tutelar respectivo; farto das completamente irrazoáveis "soluções" encontradas por uma equipa de burocratas e meros contabilistas travestidos de "pedagogos" e das não-raro provocatórias imposições e caprichos dessa invulgar tutela em matéria específica de avaliação do desempenho profissional docente ter decidido finalmente pôr de parte divergências tácticas em matéria de organização e de intervenção sobretudo laboral e ter assumido a (aliás, correctíssima!) posição de impor o reinício a partir do zero e agora com a participação directa dos principais interessados que são eles mesmos, professores, todo um processo de reformas que é e deve permanecer, essencial, reconhecível e acreditavelmente técnico e que a má cabeça dos dirigentes sempre se obstinou em que fosse (in!) consistentemente comandado por interesses por sua vez (in!) essencialmente de natureza económica e (de má!) política.

O impasse vigente no próprio momento em que escrevo esta 'entrada' deve-se a que o ministério se obstina em "reformar" a Educação deixando os professores (isto é, os principais agentes de qualquer reforma nesta matéria!) não só "de fora" mas tentando teimosamente conduzi-la agora também contra eles.

Qualquer imprensa séria e com um mínimo de bom senso já teria percebido que (i) não deve ser por acaso que tanta gente, tantos profissionais de todo o País, se decidiram abandonar de vez um reconhecido pendor para a abulia e para uma certa (substantiva) 'frieza e indiferença sindicais' assim como que (ii) em qualquer caso, com a razão que, de facto lhes assiste (mas disso não tem o "D.N." que não é especialista obrigação de perceber...) ou até, em tese, sem ela, nas condições a que a tutela irresponsavelmente deixou chegar todo o processo não sobrevive hoje, hipótese credível (hipótese possível!) de "reforma".

Com estes protagonistas, francamente, não me parece que haja e como não se podem (embora, aliás, o governo não possa ser "acusado" de não tentar--haja em vista a quantidade verdadeiramente arrepiante de professores experientes com vários anos de prática que preferiram a aposentação imediata, fortemente penalizada, a qualquer cumplicidade com a tal "reforma"!...); com estes protagonistas, dizia, não parece honestamente possível e como não se pode "deitar fora" de uma só vez uma classe inteira, a única hipótese para já consiste na substituição da actual equipa tutelar por gente de bom senso, de espírito aberto (e) democrático e realmente conhecedora daquilo que anda a fazer e concretamente das matérias (pedagógicas, didácticas, etc.) que lhe compete tutelar.

Qualquer escrúpulo de isenção deveria, aliás, numa palavra, levar os jornalistas a não perorarem magistralmente sobre aquilo que não são matérias da sua competência.

Não credibiliza, com efeito, seja quem for, jornalista ou não, pôr-se a "dar palpites" ex-cathedra e com opinião visivelmente pré-formada sobre uma proposta alternativa de avaliação do desempenho que ainda não foi dada a conhecer.

E não foi dada em detalhe a conhecer porque, na objectiva e isentíssima semântica do editorialista "os professores não acham que valha a pena darem-se ao esforço de (sic, sublinhado meu) de redigir a sua proposta sem ambiguidades (re-sic, sublinhado meu).

Mais: não possuindo por definição estatuto técnico de especialista em matéria educativa, o jornal permite-se concluir que "no essencial, voltamos aos célebres relatórios dos regimes de avaliação anteriores, que, conjugados com créditos de formação pedagógica para todos os gostos (sic, sublinhado meu), tão bons resultados davam: salvo em casos de disfunção cabal, todos os senhores professores sempre foram francamente bons e mereceram progredir em ordem formada (?) para o escalão seguinte ao ritmo do calendário".


Ora, sobre isto é preciso dizer muito claramente o seguinte: não deveria passar pela cabeça fosse de quem fosse que a (chamemos-lhe assim) "estação eliminatória" no âmbito da actividade docente (de qualquer actividade profisional) se pudesse e devesse situar no fim do período de formação académica do docente ou do profissional em causa.

Não faz sentido!

Não faz humana mas, sobretudo, não faz técnica e institucionalmente qualquer sentido!

Ou seja: qualquer avaliação situada nesta fase do processo de formação e desempenho tem por definição de incidir sobre a prestação objectiva e circunstancial do profissional em causa e não genericamente sobre a sua capacidade ínsita para desempenhar profissão em causa.

Porquê?

Porque (como já tive, de resto, oportunidade de escrever num artigo publicado na revista "O Professor") qualquer modelo de avaliação exclusiva nesta fase do processo, parecendo incidir sobre o professor e parecendo, de igual modo, muito piamente interessado na qualidade do desempenho e do serviço prestado à comunidade, incide na realidade sobre um sistema vocacionado para delapidar sistemicamente fundos a fim de formar academicamente profissionais que, em seguida, se permite rejeitar alegremente à entrada na profissão, como se ele próprio sistema não tivesse qualquer responsabilidade técnica e institucional no desmando e no desperdício em causa.

Que horror se "todos" tinham "bom", indigna-se o editorialista que usa a propósito o termo "desfaçatez"!

Mas que horror porquê??!!

Quem chegou ali caíu acaso ali de paraquedas?

Não tem uma longa formação universitária concluída em princípio numa licenciatura?

Não está, pois, licenciado pelas instituições competentes reconhecidas para exercer uma profissão?

Que espanta, portanto, que seja em princípio e por princípio bom no respectivo desempenho?

Será assim tão difícil de entender o princípio, em causa, isto é, a filosofia mesma de um processo de avaliação coerente e orgânico?

Coerente porque orgânico?

Ponto um.

Ponto dois: num sistema que soubesse de facto formar (e é sobre isso que deve realmente comçar por incidir qualquer projecto inteligente e adequado de avaliação do desempenho); isto é, num sistema assente na confiança tecnicamente fundamentada do próprio sistema nas suas instituições formacionais muito do que era a silhueta epistemológica dos paradigmas anteriores perde aquela carga suspeita que amadores apressados tentam no seu óbvio amadorismo analítico descarregar sobre ele.

Note-se que isto não tem nada que ver com aquilo que o jornal insinua, isto é, que se trata de cada profesor "dar nota a si próprio"; trata-se sim de credibilizar e de operacionalizar as instituições académicas como tal.

Sabe o editorialista o que é (e, sobretudo, aquilo que deve ser!) o Conselho Pedagógico de uma escola?

Se, com efeito, não acreditamos na capacidade do Conselho Pedagógico para intervir com carácter substancial e substantivo na vida pedagógica da escola, que é que estamos realmente a dizer sobre um sistema educativo que gera e integra sistemicamenta Conselhos Pedagógicos? Para que os gera ele, então?

Para "decorar" o próprio sistema?

Para se entreter nas horas vagas?

Para brincar um pouco?

Por amor de Deus!...

O que não podemos ter são ministros-guarda livros que tentam por todos os meios conferir aparência pedagógica a toda uma prática orçamental restritiva e menor, tendo para impor o respectivo modelo e no sentido preciso de cortar as veleiades da mais do que previsível justíssima indignação das respectivas vítimas de humilhá-las, de enxovalhá-las, de mantê-las constantemente acorrentadas a tarefas mandarinescas que são outros tantos meios de mostrar-lhes "quem manda"--medidas escandalosamente vexatórias destinadas obviamente a tentar (com o sucesso que constata...) desarticular aquilo que não pode deixar de ser a legítima revolta de profissionais sérios e geralmente conscientes.

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